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Coluna do Rixxa Jr

TOP 10 SAMBARIO
SAMBA-ENREDO DE UM COMPOSITOR SÓ

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19 de dezembro de 2021, nº 47

Quando a Imperatriz Leopoldinense anunciou, na manhã de uma quarta-feira, dia 29 de setembro de 2021, o samba escolhido para o carnaval 2022 para o enredo “Meninos, Eu Vivi… Onde Canta o Sabiá, Onde Cantam Dalva e Lamartine”, através de live realizada da casa da carnavalesca Rosa Magalhães, a verde e branco quebrou um paradigma em sua própria história. O samba era de autoria de um compositor só, o paulista Gabriel Mello, de 33 anos. Posteriormente, as emoções de ter sua vitória pôde ser compartilhada com o grande público transmitida para todo o país, durante o programa Seleção do Samba, na Rede Globo. Assista abaixo a LIVE SAMBARIO com Gabriel.



Desde 1968, com o samba “Bahia em Festa”, que a Imperatriz não escolhia um samba de um compositor solo. O último a ter tal primazia foi Maurílio da Penha Aparecida e Silva, o Bidi (1932 - 1983), conhecido por ter sido o cuiqueiro e a voz solo do grupo Os Originais do Samba nos anos 60 e 70.

O expediente de compor um samba-enredo sozinho é tão antigo quanto o próprio carnaval. Temos centenas de exemplos. Mestres da melodia e da caneta que nos encantaram e puseram multidões a entoar verdadeiros hinos: Padeirinho, Paulo Brasão, Geraldo Babão, Djalma Sabiá, Bidi, Zuzuca, Ary do Cavaco, Martinho da Vila, Baianinho da Em Cima da Hora, Silas de Oliveira, Edeor de Paula, Toco, Candeia, Cabana, Dominguinhos do Estácio, Neguinho da Beija-Flor, David Corrêa, Noca da Portela, Marinho da Muda, Beto Sem Braço, entre outros tantos.

Mas a partir dos anos 90, o sistema de escolha de samba se tornou muito mais acirrado, comercial e dispendioso. Para um samba sair vencedor da quadra, com vistas a ter um samba entoado no sambódromo da Sapucaí, é preciso de uma grande logística, que inclui investir em horas de estúdio para gravar o samba concorrente, contratação de intérpretes de ponta e de músicos virtuosos, alugar ônibus para juntar uma (grande) galera para ir torcer, não sem antes pagar um churras e umas brejas, mais o custo de faixas e camisetas e sem falar na política de adulação de setores importantes da escola (ala das baianas, velha guarda, direção de harmonia, comissão de frente e, lógico, a própria diretoria).

Ou seja, geralmente os sambas não são compostos pela quantidade de pessoas que as parcerias divulgam. Existem os compositores, propriamente ditos, os divulgadores, os patrocinadores, os financiadores e os organizadores de torcida. São pessoas que também assinam o samba, auxiliando de alguma forma.

E, para piorar no que diz respeito aos custos que cabem ao grupo de compositores hoje em dia, parceria que se preza tem que ainda gravar um videoclipe da obra concorrente. Não bastasse convencer em áudio, o samba atualmente também precisa convencer em imagem.

O Top 10 Sambario fez um apanhado de sambas compostos por apenas um autor dos anos 90 para cá. E foi difícil compilar a lista. Como poderemos perceber na relação, ser compositor solo de samba enredo se tornou raridade nas últimas três décadas.

O compositor Gabriel Mello, vencedor da disputa da Imperatriz Leopoldinense para o carnaval de 2022. Foto: Fernando LCS/GRESIL

10º lugar: UNIDOS DA PONTE – “A Face do Disfarce” (1993)
 
Compositor: Adilson Xavier

A disputa de samba-enredo da Unidos da Ponte para o carnaval de 1993 foi envolta por várias polêmicas. O segundo lugar conquistado no Grupo 1 no ano anterior, deu à escola do bairro de São Mateus, em São João do Meriti, o direito de desfilar no Grupo Especial, assim como a campeã do acesso, Acadêmicos do Grande Rio.

Edson Tessier era o presidente da Ponte. E o patrono da escola era Paulo de Almeida, político e dirigente de carnaval, que presidiu a Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) entre os anos de 1993 a 1995. Almeida havia construído uma carreira política em Meriti, primeiro como vereador e, após, elegeu-se deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro. O intérprete Wallace Coelho Álamo, mais conhecido como Grillo, então no auge de sua carreira como cantor de carnaval, e uma das personalidades da escola, havia sido sondado para trabalhar na campanha política de Paulo de Almeida. Porém, o intérprete declinou do convite por não aceitar se envolver com política. Após a negativa, Grillo percebeu que sua atitude poderia servir de retaliação para que seus sambas não vencessem mais na Ponte.

Transcorria o ano de 1992 e a Ponte realizava a disputa para o carnaval de 1993, que marcava a volta da entidade à elite carnavalesca do Rio. No entanto, a cada eliminatória do concurso, a divulgação dos classificados para a próxima fase não era feita na quadra da escola, ao final das apresentações, como de praxe. A Ponte recorreu a um sistema, no mínimo, inusitado: uma lista com a relação dos sambas classificados era afixada em um poste em frente à quadra no dia seguinte após as apresentações. Era assim que os compositores ficavam sabendo se seus sambas haviam passado ou não nos cortes.

No dia seguinte após a semifinal, na qual concorriam cinco sambas – entre os quais, o samba de Grillo –, o procedimento foi diferente. O que foi fixado no fatídico poste em frente à quadra não foi a lista com os finalistas, mas sim um cartaz com o anúncio oficial da escola dando como vencedor do concurso o samba do compositor Adilson Xavier.

O resultado indignou as demais parcerias. Grillo liderou um levante, entrou na Justiça Comum e conseguiu a anulação do resultado da disputa. A juíza que julgou o caso condenou a GRES Unidos da Ponte a pagar um salário mínimo a cada um dos outros compositores perdedores (eram 15 no total).

Por ser revoltar contra a forma de escolha do samba da Unidos da Ponte para o carnaval de 1993, Grillo (na foto, no desfile de 1992) perdeu a condição de intérprete principal e ficou muitos anos afastado da agremiação

Com a influência política do então deputado federal Paulo de Almeida, a sentença judicial foi revogada em segunda instância, e o ganho da causa foi dado à Unidos da Ponte, que confirmou e oficializou a escolha do samba vencedor. No entanto, a direção da escola modificou bastante a letra original da obra de Adilson Xavier. Segundo Grillo, o samba vencedor foi “refeito” após a disputa. “A versão que foi para a avenida é completamente diferente da que venceu na quadra”, afirma o ex-intérprete.

O caso gerou um enorme desgaste entre Grillo e a escola. O cantor ficou muitos anos afastado da Ponte. A azul e branco de Meriti acabou contratando Geraldão, ex-intérprete da São Clemente nos anos 80, para comandar o carro de som no desfile de 1993.

Polêmica e controvérsia envolvendo a escolha do samba para o carnaval de 1993 na Unidos da Ponte (foto). Crédito da foto: Cezar Loureiro/Wikimedia Commons

O samba foi severamente julgado pelos jurados Fernanda de Tolda, Dulce Tupy e Eri Galvão, que deram respectivamente notas 7,0; 8,0 e 8,0 no quesito. A Unidos da Ponte ficou com o 14º lugar no Grupo Especial em 1993. Adilson Xavier não venceu mais nenhuma disputa na escola.

Vale lembrar que durante o mandato de Paulo Almeida na Liesa, por dois anos consecutivos (1993 e 1994), não houve descenso dos últimos colocados do Grupo Especial, ao contrário do que havia sido estabelecido no regulamento.

Eu hoje vou soltar a fantasia
Feiticeiro, palhaço e rei
E vou me revelar na alegria
Pra viver do jeito que sonhei
Hoje vou sambar de cara limpa
Como eu gosto e sempre quis
E vou desmascarar toda a tristeza
Só pelo prazer de ser feliz

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9º lugar: VIRADOURO – “Nas veias do Brasil, é a Viradouro em um Dia de Graça” (2015) 

Compositor: Luiz Carlos da Vila

A Unidos do Viradouro se tornou a pioneira em converter músicas de meio de ano em samba para desfilar na avenida. Assim, por decisão do então presidente Gusttavo Clarão, a agremiação optou por não promover disputa interna para a escolha do samba-enredo de 2015 (competições que geram renda para a escola).

Com isso, a Vira adaptou dois sambas do compositor Luiz Carlos da Vila (1949 - 2008), um dos autores de “Kizomba, a festa da raça”, para montar seu hino para o desfile, que teve como enredo “Nas veias do Brasil, é a Viradouro em um dia de graça”.

O tema, de autoria do carnavalesco João Vitor Araújo, descrevia a trajetória dos negros no Brasil. O samba foi montado a partir da junção das músicas “Nas Veias do Brasil”, que consta no disco Beth, de Beth Carvalho, lançado em 1986, e “Por Um Dia de Graça”, gravada pela cantora Simone – com participação de Neguinho da Beija-Flor – no álbum Desejos (1984).

A ideia da fusão das músicas que geraram o samba-enredo foi com o intuito de inovar e ousar na abertura dos desfiles, já que a Viradouro foi a primeira escola do Grupo Especial a pisar na Sapucaí naquele ano. Outra ousadia foi que, pela primeira vez, a sinopse – texto que explica o enredo – foi construída somente após o samba ficar pronto. Nas redes sociais, os internautas faziam brincadeiras com o nome artístico do compositor que, de Luiz Carlos da Vila, teria passado para Luiz Carlos da “Vira”.

Luiz Carlos da Vila (ainda cabeludo), no início dos anos 80, em foto à época que compôs as músicas que geraram o samba da Viradouro de 2015

Mesmo com o hino construído a partir de duas obras prontas, a ala de compositores ainda participaria de um concurso promovido pela própria Viradouro cujo tema foi a África. Os sambas classificados para a final participaram da gravação de um CD para divulgação das obras e seus letristas e intérpretes concorreram a prêmios em dinheiro.

No entanto, a Viradouro não obteve sucesso na sua apresentação. A escola abriu a primeira noite do Grupo Especial sob forte chuva. Mesmo com um visual plástico exuberante, com belas fantasias e alegorias, o desfile foi prejudicado por falhas de som e problemas com carros.

A atriz Juliana Paes desfilando pela Unidos do Viradouro no carnaval de 2015. Foto: Alexandre Durão/G1

Dos quatro jurados, três deram nota máxima para o samba-enredo: Felipe Barros, Ricardo Ottoboni e Eri Galvão. O 9,9 do jurado Clayton Fábio Oliveira foi descartado ao final da avaliação – valiam apenas as três maiores notas. Amargando o 12º lugar (última posição), a Viradouro foi rebaixada e voltou para a Série A do carnaval do Rio.

Os negros
Trazidos lá do além-mar
Vieram para espalhar
Suas coisas transcendentais
(...)
Em cada palma de mão, cada palmo de chão
Semente de felicidade
O fim de toda a opressão, o cantar com emoção
Raiou a liberdade

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8º lugar: IMPÉRIO SERRANO – “O que é, o que é” (2019) 

Compositor: Gonzaguinha

Até hoje fica difícil imaginar o que levou a direção de uma escola como o Império Serrano, que possui uma respeitadíssima ala de compositores, que é um verdadeiro patrimônio cultural, não apenas do carnaval, mas também da música brasileira, a recorrer de um samba que não é de enredo para levar para a avenida e servir de trilha sonora para seu desfile.

Após semanas de muita expectativa, em 20 de julho de 2018, a escola – através do carnavalesco Paulo Menezes – finalmente anunciou o enredo e o samba-enredo para o carnaval seguinte. Tratava-se de “O Que É, o Que É?”, clássico de Luiz Gonzaga Jr., o Gonzaguinha (1945 - 1991), nascido no Morro de São Carlos, numa versão já gravada com a Bateria Sinfônica e cantada pelo puxador Silas Leléu (Anderson Paz seria contratado posteriormente pra compor a dupla).

No mundo carnavalesco, a notícia dividiu opiniões, assim como ocorrera quatro anos antes com a coirmã Viradouro. Houve quem visse na medida o sintoma mais evidente do enfraquecimento das alas de compositores das escolas, ainda mais no caso de uma música já consagrada. Entre os defensores, alguns viam a possibilidade de nova popularização do gênero (ainda a obra em questão não fosse bem “de enredo”), uma inovação, numa época em que os desfiles flertavam com a irrelevância dentro da cultura brasileira.

Outro desafio da escola era levar a música, composta pelo filho de Luiz Gonzaga (1912 - 1989) em 1982, originalmente com uma cadência mais lenta, para uma versão mais acelerada, na casa dos 140 bpm (batidas por minuto).

Clássico de Gonzaguinha (foto), gravado em 1982, foi levado ao sambódromo da Sapucaí convertido em samba-enredo pelo Império Serrano

O fato foi que “O Que É, o Que É?”, usado como samba-enredo pelo Império Serrano, não foi o sucesso de público esperado. Por ser uma música muito conhecida, acreditava-se que as pessoas cantassem durante todo o desfile, mas não foi o que aconteceu.

O público do Setor 1 recebeu a escola cantando o samba em coro, mas conforme o desfile passava, aos poucos a explosão se limitava ao refrão. Depois, nem isso. Para piorar, uma insistente chuva ajudou a esfriar os expectadores. Nos demais setores do Sambódromo, a recepção não foi muito diferente, com momentos de animação episódica quando a bateria passava.

Apesar da grande expectativa, “O Que É, o Que É” não explodiu no desfile do Império Serrano conforme o esperado. Foto: Romulo Tesi

Os jurados não pegaram leve com o Império Serrano, pois consideraram que o desempenho do samba não foi satisfatório durante a apresentação da escola.

O quesito recebeu as notas 9,9; 9,8; 9,7 e 9,6 respectivamente pelos julgadores Felipe Trotta, Clayton Fábio Oliveira, Eri Galvão e Alfredo Del-Penho. A menor nota, concedida por Del-Penho, foi descartada ao final.

O Império Serrano ficou no 14º lugar no Especial em 2019, sendo rebaixada de grupo.

Somos nós que fazemos a vida
Como der, ou puder, ou quiser
Sempre desejada
Por mais que esteja errada
Ninguém quer a morte
Só saúde e sorte
E a pergunta roda
E a cabeça agita
Eu fico com a pureza da resposta das crianças
É a vida, é bonita e é bonita

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7º lugar: ACADÊMICOS DO SALGUEIRO – “Parintins, a Ilha do Boi Bumbá – Garantido e Caprichoso” (1998)

Compositor: Paulo Onça

Por divergências com a Liesa, referentes à repartição de recursos de direitos autorais, a Acadêmicos do Salgueiro gravou e lançou o próprio samba-enredo de 1998 em um CD independente. Pela quarta vez em sua história (as anteriores foram nos anos de 1969, 1986 e 1987), o Salgueiro não participava do disco oficial dos sambas de carnaval.

O carnavalesco Mário Borriello – campeão cinco anos antes com o histórico “Peguei um Ita no Norte”, na mesma escola – desenvolveu um desfile sobre as lendas amazonenses da Ilha de Parintins e o Festival Folclórico de Parintins, disputado por Boi Caprichoso e Boi Garantido.

Coincidência ou não, o concurso que escolheu o samba do Salgueiro foi vencido por um amazonense. Um dos maiores talentos do samba de Manaus, Paulo Juvêncio de Melo Israel, o “Paulo Onça”, garante ter mais de 430 músicas gravadas de sambas enredo, pagodes, toadas de boi garantido e jingle de campanha política. O primeiro sucesso de Paulo, em Manaus, foi na Escola de Samba Vitória Régia, com o enredo “Nem Verde e Nem Rosa”, levando o título de campeã no carnaval de 1990.

Capa do CD independente produzido pelo Salgueiro com o samba para o carnaval de 1998. Pela quarta vez em sua história, a vermelho e branco não participou do disco oficial dos sambas de enredo devido a divergências com a Liesa

As músicas de Paulo Onça já chegaram nas vozes de outros grandes nomes do samba nacional, como Jorge Aragão, Zeca Pagodinho, Royce do Cavaco, Exaltasamba, entre outros. O primeiro gravou o sucesso “Feitio de Paixão”, no disco Raiz e Flor, lançado em 1988. A composição foi feita em parceria com Paulo Carvalho. O Exaltasamba gravou “Cartilha do Amor”, que traz Royce do Cavaco como coautor, e que consta no disco Eterno Amanhecer, lançado em 1992 pelo grupo paulista. Na voz de Royce, veio o sucesso “Coração Feito Menino”, faixa do disco de mesmo nome, gravado em 1990. Paulo Onça fez a música junto com os parceiros Jorge Inácio e Bororó Felipe.

Nascido em 1962, Paulo conquistou outra vitória no carnaval do Rio de Janeiro quase vinte anos depois, ao concorrer e vencer com um samba na Acadêmicos do Grande Rio para o enredo ‘''Ivete do Rio ao Rio” (2017), escrito por ele e seus parceiros Kaká, Alan Vasconcelos, Dinho Artigliri, Rubem Gordinho e Marco Moreno.

Voltando ao Salgueiro de 1998, o mestre-sala Sidcley foi premiado com o Estandarte de Ouro, distinção oferecida pelo jornal O Globo. A bateria, comandada por Mestre Louro (1950 - 2008), também foi destaque, conquistando o Estandarte de Ouro.

O compositor Paulo Onça, na época em que ganhou o concurso de samba-enredo no Salgueiro para o carnaval de 1998

A escola fez um desfile correto. Somente isso. Já o samba de Paulo Onça perdeu preciosos décimos pelas canetas exigentes dos jurados Sidney Lobo, Antônio S. Mendonça, Antônio Cyro da Costa, Olney S. Cunha e Marcílio Rodrigues, que deram, respectivamente, notas 9,5; 10; 9,5; 9 e 10. A nota 9 e um dos 10 foram descartados, pois naquele ano o regulamento previa o descarte da menor e da maior nota de cada escola, em cada quesito.

Na classificação oficial, o Salgueiro repetiu a 7ª colocação do ano anterior, ficando mais uma vez de fora do desfile das campeãs.

Alô, você, alô do boi-bumbá
Vem salgueirar, vem salgueirar, vem salgueirar
Vem garantir, iô iô
Vem caprichar, iá iá
A lenda viva do folclore está no ar
São dois pra lá (ê Boi)
São dois pra cá...
Dança nativa dos Parintintins

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6º lugar: IMPÉRIO DA TIJUCA – “Enredo: O intrépido santo guerreiro” (2007) 

Compositor: Bola

Transcorria a segunda metade da primeira década do século XXI. No carnaval do Rio de Janeiro e de muitas outras praças, o romantismo da composição solitária de samba-enredo há muito tinha ficado para trás. Não havia mais espaço para aqueles sambistas de morro que tiravam do bolso da calça uma letra de samba rabiscada em um papel amassado de pão e assim mostravam suas composições na quadra. Não, os tempos definitivamente eram outros. Pululavam nas disputas, cada vez mais inflacionadas, “firmas”, “condomínios”, “escritórios”, “laranjas”, “pombos”, “rambositores” e outros quetais.

Eis que na Império da Tijuca, tal qual um cavaleiro solitário, o compositor Bola repetiu o feito de seus antecessores Azeitona, Jorge Melodia e Marinho da Muda, e assinou sozinho um samba na disputa da Império da Tijuca. E ganhou! O resultado foi o melhor samba da safra do Grupo 1 no ano de 2007, recebedor do prêmio Estandarte de Ouro de Melhor Samba-enredo da categoria.


Bola (na foto) repetiu o feito de seus antecessores Azeitona, Jorge Melodia e Marinho da Muda: ganhou um samba assinando sozinho na Império da Tijuca

O samba foi bastante elogiado à época pelas nuances melódicas, pelo caráter emocional da letra e pela gravação caprichada no CD, que recebeu até um toque de clarins na introdução da faixa (lembrando a alvorada realizada a cada dia 23 de abril no Rio de Janeiro), seguido pelo coro “Viva São Jorge!”. De certa forma, o tema da Imperinho precedeu enredo semelhante da Estácio de Sá exatos dez anos depois.

A única ressalva feita por especialistas em samba-enredo, entre os quais os colegas aqui do Sambario, foi a menção do Corinthians na letra. Apesar de estar no contexto de São Jorge, a citação foi tida como apelativa por constar o Timão na letra do samba.

A Império da Tijuca emocionou a Sapucaí contando a saga de São Jorge, um dos santos de proteção da escola, tema desenvolvido pelo carnavalesco Sandro Gomes. O samba-enredo conquistou três notas 10, concedidas pelos jurados Paulo Malaguti, Emmanuel Santos e Jonas Maia. Um 9,9 dado pela jurada Suely Mesquita foi descartado no final da apuração pois o regulamento previa o descarte da menor entre as quatro notas.

Imagem icônica de Jorge da Capadócia, lutando contra o “dragão da maldade” – tema da Império da Tijuca em 2007

A Império da Tijuca empatou em quarto lugar com a União da Ilha do Governador, mas perdeu a posição para a tricolor da Estrada da Cacuia pelo critério de desempate, no caso, o quesito bateria. Portanto, a Ilha ficou com a 4ª colocação e a alviverde do Morro da Formiga com o 5º lugar.

Bola venceria mais uma vez na Império da Tijuca, no ano de 2015, com “O Império nas Águas Doces de Oxum”, mas desta vez com uma parceria formada com os compositores Alexandre Alegria, Dudu, Gallo e Marcão Meu Rei.

E ao chegar no Brasil
Com o sincretismo, no tempo da escravidão
Foi batizado de Ogum
É fogo, é ferro, é graça para cada um
Ele é que vence a demanda
Seja na Umbanda ou no Candomblé
Se hoje tem cavalhada
Amanhã tem congada pro santo de fé

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5º lugar: VILA ISABEL – “Noel, a presença do Poeta da Vila” (2010)

Autor: Martinho da Vila

Martinho José Ferreira é um dos gênios da música brasileira. Ponto. É um dos maiorais do samba. Ponto. É um dos símbolos do carnaval brasileiro. Ponto. Falar das 12 composições que Martinho fez para os desfiles da Vila Isabel, sozinho ou em parceria pode parecer redundância. Mesmo com mais de seis décadas de carreira e sem precisar mais nada para ninguém nem para si mesmo, Martinho ainda procura surpreender, ousar e inovar.

Em 2010 a Vila homenageou o centenário de nascimento de Noel Rosa. E nada mais natural de que Martinho, um “ex-sargento de milícias”, prestasse sua continência ao autor de “Fita Amarela” e “Três Apitos”, que como ele tem sua trajetória ligada ao bairro carioca de Vila Isabel.

Para marcar os 100 anos de Noel, Martinho fez de um tudo: foi um dos autores do enredo, junto com o carnavalesco Alex de Souza e o historiador Alex Varela; assinou sozinho o samba-enredo e lançou em seu disco de carreira, o CD temático Poeta da Cidade – Martinho Canta Noel, um tributo ao grande compositor, com 14 clássicos de autoria dele – apenas “Filosofia”, que abre o disco, é uma parceria, com André Filho.

Quando a Vila abriu o concurso de samba-enredo para o carnaval de 2010 parecia jogo jogado. Martinho foi um dos primeiros inscritos. André Diniz, compositor que vinha abocanhando as disputas mais recentes, desistiu de concorrer naquele ano, abrindo espaço para o favoritismo do “Zé Ferreira”, que lançou várias versões do samba, cantadas por Wantuir e pelo próprio compositor: teve andamento lento, contracanto, refrão curto, refrão longo, a segunda parte jogada para baixo, jogada para cima, e mesmo com tantas transformações, a obra concorrente sobreviveu a tudo a que foi submetida em nome da modernização para os desfiles atuais.

Martinho fez de um tudo no ano do centenário de Noel Rosa: foi um dos autores do enredo da Vila, assinou sozinho o samba-enredo e lançou um CD-tributo com clássicos de Noel

O samba que Martinho compôs para a Vila teve como matriz uma composição do próprio: “Presença de Noel”, gravada originalmente no disco Butiquim do Martinho (1997), e que traz versos parecidos com o do seu “irmão enredo”. Uma obra diferenciada, fora dos patrões, com uma poesia direta e melodia requintada, que merecia ganhar o Estandarte de Ouro de Melhor Samba-Enredo (o prêmio ficaria com a Imperatriz).

Vila Isabel emocionou o público homenageando Noel Rosa com obra-prima de Martinho da Vila em 2010. Foto: Alziro Xavier/G1

“Noel, a presença do Poeta da Vila” encantou os cinco jurados, Alice Serrano, Eri Galvão, Marta Macedo, Marcelo Rodrigues e Alexandre Augusto Ribeiro Wanderley e levou nota máxima dos cinco, e levou os 30 pontos válidos – em função do descarte obrigatório da maior e menor notas, conforme rezava o regulamento daquele ano.

Com esta bela obra-prima, a Vila Isabel foi a 4ª colocada no Grupo Especial no carnaval de 2010. Foi a última composição solo de Martinho que passou na Sapucaí. O sambista ainda venceria na Vila em duas ocasiões, nos anos de 2013, com “A Vila canta o Brasil, celeiro do mundo” (com a parceria de Arlindo Cruz, André Diniz, Tunico da Vila e Leonel) e 2016, no enredo “Memórias do ‘Pai Arraia’ – um sonho pernambucano, um legado brasileiro” (com André Diniz, Arlindo Cruz, Mart'nália e Leonel).

Se um dia na orgia me chamassem
Com saudades perguntassem
Por onde anda Noel
Com toda minha fé responderia
Vaga na noite e no dia
Vive na terra e no céu
Seus sambas muito curti
Com a cabeça ao léu
Sua presença senti
No ar de Vila Isabel

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4º lugar: UNIÃO DA ILHA DO GOVERNADOR – “De Bar em Bar, Didi, um Poeta” (1991) 

Compositor: Franco

Quis o destino e os deuses do carnaval que um compositor fosse homenageado em um desfile com um samba-enredo de autoria de um dos seus mais ferrenhos adversários.

Quando os carnavalescos Rogério Figueiredo e Ely Peron assumiram os preparativos da União da Ilha do Governador para o desfile de 1991, decidiram que a escola iria fazer uma homenagem a Didi, o poeta que ganhou 22 disputas de samba-enredo.

Didi era uma espécie de Doctor Jekyll e Mister Hide reunidos. O médico e o monstro. Ego e alter-ego. Duas personalidades completamente distintas em uma persona só. Sob o nome pomposo de Gustavo Adolfo de Carvalho Baeta Neves (1935 - 1987), atuava nos tribunais e júris como advogado e procurador da República. Quando criança, fazia parte de uma família milionária que vivia num casarão da Tijuca. Com a morte do avô, veio a falência e a família, antes burguesa, foi morar de favor numa humilde casa na Ilha do Governador. No bairro, o adolescente Gustavo conheceu a boêmia e uns fiéis parceiros de trago e bebedeiras que o ensinaram a fazer samba. Pelas ruas do Cacuia, conheceu também a recém-fundada União da Ilha do Governador, onde arriscou seus primeiros sambas naquela incipiente agremiação carnavalesca. Ao lado de seu grande parceiro, Aurinho da Ilha, emplacou cinco vitórias nos seis primeiros anos de vida da União.

Recém-formado em Direito, tornou-se procurador da República. Ninguém em seu trabalho sabia que ele era sambista. Para uma família tão tradicional, isso não pegava bem um “doutor das leis”. Dr. Gustavo na verdade era um poeta, que travava uma batalha interna entre o jurista e o boêmio, amante das mulheres, da rua, da noite e da bebida, além de torcedor do Flamengo. Didi não conseguia fazer samba sem beber.

Nos anos 60, ainda com vida dupla entre os tribunais e a noite, emplacou vitórias no Salgueiro em paralelo à União da Ilha, que já desfilava no centro do Rio de Janeiro, mas nos grupos inferiores. Após o carnaval de 1971, prometeu à mãe e à esposa que largaria o samba, a boemia e as quadras de carnaval, em nome de um pretenso “resgate da nobreza familiar”. Largou a procuradoria, mas seguiu no Direito, passando a defender causas de empresas ligadas ao ramo imobiliário. Rico, proporcionou uma vida de mordomias aos familiares e deixou o modo compositor hibernando.

Mas, um bom filho a casa torna. E voltou em altíssimo estilo, com “O Amanhã”, clássico do carnaval de 1978. No entanto, Didi não podia concorrer, em razão do longo afastamento da ala de compositores da União. Didi compôs e deu de presente ao então diretor de bateria, João Sérgio, que, oficialmente, é quem assina o samba. Segundo Didi, João Sérgio é um compositor medíocre e muito canalha. “Ele foi um pilantra. Não me ofereceu participação no dinheiro e ficava dizendo que tinha realmente composto o samba”. No ano seguinte, passou a ser o autor oficial dos próprios sambas, assinando apenas como Didi, para ninguém saber de quem se tratava.

Didi teve um samba cantado na Sapucaí pela última vez em 1987, no Salgueiro, o célebre “E Por Que Não?”, parceria com Bala e César Veneno. Não pôde ir a quadra na noite da escolha, pois já se encontrava doente, se recuperando de uma broncopneumonia contraída meses antes. Morreu em abril de 1987, muito jovem, com apenas 52 anos de idade, após um AVC. Didi venceu 18 vezes na União da Ilha e quatro no Salgueiro. Segundo pesquisadores, ele é o maior vencedor de sambas enredo do carnaval carioca. Pelo menos até surgirem as “firmas”.


Gustavo Adolpho de Carvalho Baeta Neves. Ou, simplesmente Didi, poeta enredo da canção, em seu habitat natural: a mesa de bar. Foto tirada provavelmente em 1986

A vida de Didi bem que daria um filme. Como ainda não foi possível, sua história foi transformada em enredo pela União da Ilha no carnaval de 1991. E por ironia, quem venceu o concurso de samba para o enredo “De bar em bar, Didi, um poeta” foi um autor que teceu embates memoráveis com ele nas disputas da azul, vermelho e branco.

José Franco Lattari (1952 - 2007) era um jovem estudante de Medicina quando ingressou na ala de compositores da União da Ilha. Venceu seu primeiro samba, enfrentando Didi, em 1981: “1910 – Burro na Cabeça”, com os parceiros Barbicha, Jangada e Dazinho. Perdeu para o ex-procurador da República nas disputas de 1982, 1984 e 1985.

No ano do enredo “Quem Pode Pode, Quem Não Pode, Quá” o concorrente de Franco era considerado favorito para conduzir o desfile da Ilha e era cantado por toda a quadra, mas os jurados da escola preferiram a obra de Didi e Aurinho. O samba do agora já formado médico – era clínico geral – caiu nas graças do produtor Ivan Paulo, que selecionava repertório para o novo disco de Alcione. Assim nasceu, com algumas adaptações na letra, “Tô Que Tô”, um megassucesso nas rádios, nos programas de TV e nos bailes de carnaval, e que catapultou as vendas do disco Da Cor do Brasil (1984), da Marrom.

Com a ida de Didi para o Salgueiro em 1987 e a precoce morte do jurista boêmio, Franco se viu livre para voar na União da Ilha. Seu talento há muito pedia passagem e voltar a vencer uma disputa na sua escola de coração parecia ser apenas uma questão de tempo.

Franco estava estourado com dezenas de sucessos gravados por pesos pesados do samba, como Beth Carvalho, Grupo Fundo de Quintal, Dominguinhos do Estácio, Jovelina Pérola Negra, Agepê, Marquinhos Sathã, Leci Brandão, Joel Teixeira, Jorge Aragão, Roberto Ribeiro, Zeca Pagodinho, entre outros. Vale ainda lembrar que em 1990, em parceria com Jorge Aragão, Franco compôs “Globeleza”, o jingle para a cobertura de carnaval da Rede Globo. Com o sucesso alcançado, a vinheta tornou-se oficial da emissora nos anos posteriores.

No entanto, uma briga com o então presidente Maurício Taufie Gazelle o impediu de concorrer. Porém, o compositor não escondeu a caneta. Formou uma parceria com os jovens J. Brito e Bujão, também moradores da Ilha do Governador e frequentadores do então bloco Boi da Freguesia (futura escola de samba Boi da Ilha) e também da União. Para não levantar suspeitas, eles compunham na casa de Franco, no Maracanã, longe dos olhos dos insulanos.

Na primeira parceria vencedora, o samba-enredo de 1987, “Extra! Extra!”, Franco não constou como autor. Assim como no clássico “Festa Profana” (1989), e em “Sonhar Com Rei Dá João” (1990), não aparece seu nome nos créditos dos discos oficiais. Apesar disso, os três amigos assinaram um documento que garante ao trio os direitos autorais dos sambas.

Conhecedor das mumunhas dos bastidores carnavalescos, o produtor Rildo Hora resolveu prestar uma homenagem a Franco. Ao produzir para a Sony Music a coleção Escolas de Samba Enredo (1993) com os sambas mais representativos de dez escolas do Rio de Janeiro, Rildo chamou o médico-compositor (que jamais foi puxador de samba) para cantar “Festa Profana” no disco dedicado à União da Ilha.

Para o carnaval de 1991, a União da Ilha tinha outro mandatário, Giovanni Riente. Feita as pazes com a direção da escola, agora sim, Franco estava livre para compor e finalmente assinar um samba com seu nome estampado. Foi o que aconteceu com “De Bar em Bar, Didi, um Poeta”, cujos créditos da vitória foram exclusivos dele. E justamente uma obra homenageando um admirado adversário. Nos versos Poeta enredo da canção / Cartilha que eu aprendi, Franco expressa reverencialmente que antes de tudo foi um aprendiz do boêmio-jurista.

Aprendiz da cartilha de Didi, o compositor Franco, igualmente super vencedor nos concursos da União da Ilha do Governador

“De Bar em Bar, Didi, um Poeta” levou nota máxima dos jurados Selysete Almeida e Eri Galvão. O terceiro jurado, o saxofonista Mauro Senise, sapecou um 9,5. Apesar de toda a repercussão no pré-carnaval, com o samba sendo campeão de execução nos programas de rádios e de TV e nos bailes carnavalescos, a União da Ilha do Governador obteve apenas um 9º lugar no Grupo Especial no carnaval de 1991.

Franco venceria ainda pela Ilha as disputas nos anos de 1994, com “Abrakadabra, o Despertar dos Mágicos”, e 1995, com “Todo Dia é Dia de Índio” (ambos com Almir da Ilha), e no Carnaval do Ano 2000, com “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores” (Marquinhus do Banjo e Niva).

Hoje eu vou tomar um porre
Não me socorre que eu tô feliz
Nessa eu vou de bar em bar
Beber a vida que eu sempre quis
E no bar da ilusão, eu chego
É pura paixão, eu bebo
Amor me deseja, me faz um chamego
Me beija e me faz um cafuné
Bebo vem e bebo vai
Que nem maré, balança mais não cai
Boêmio é

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3º lugar: VILA ISABEL – “Oscar Niemeyer, o arquiteto no recanto da princesa” (2003) 

Autor: Jorge Tropical

O Grupo de Acesso, a Série A, Segundo Grupo ou seja lá qual for o eufemismo que as entidades organizadoras do carnaval criam para denominar a “Segundona” – a categoria imediatamente abaixo ao Grupo Especial – certamente é incômoda para as escolas que já tiveram o gostinho de conquistar um campeonato. E com a Unidos de Vila Isabel não foi diferente. Doze anos depois de ter encantado a Marquês de Sapucaí e o mundo do samba com o desfile “Kizomba, a festa da raça”, em 1988, a Vila teve o gosto amargo do descenso no ano 2000. Recuperar uma vaga na elite do carnaval do Rio de Janeiro era questão de honra. E a resposta tinha de ser imediata. E urgente.

Nos dois anos subsequentes, a escola do Boulevard Vinte e Oito de Setembro bateu na trave, com um quarto lugar em 2001 e um até hoje inconformado vice-campeonato em 2002, com um décimo de diferença para a campeã Acadêmicos de Santa Cruz devido a uma confusão na apuração dos votos. Em 2003, a Vila Isabel se mobilizou para um carnaval ousado: levar para a Sapucaí com 22 alas e cinco alegorias a trajetória do mais conceituado arquiteto brasileiro que, entre várias obras primas espalhadas pelo país e em outros continentes, construiu o sambódromo: Oscar Niemeyer (1907 - 2012).

O autor da ideia do enredo “Oscar Niemeyer, o arquiteto no Recanto da Princesa” foi Martinho da Vila, materializada em fantasias e carros alegóricos pelo carnavalesco Jorge Freitas: contar a vida do carioca de Laranjeiras, estudante na Escola de Belas Artes, militante ativo do Partido Comunista Brasileiro, autor de várias obras literárias e um pensador de opinião. O Recanto da Princesa ao qual se refere o enredo, obviamente é o bairro de Vila Isabel, criado pelo Barão de Drumonnd (1825 - 1897), onde seria construído um centro cultural, projeto arquitetônico do homenageado, e que infelizmente não chegou a ser concretizado.

Segundo orientava a sinopse criada por Martinho, para a criação do samba enredo não havia obrigatoriedade de citação de datas, lugares, nem nomes de obras do autor. “O importante é que seja uma exaltação poética e emocionante como é o grande arquiteto homenageado”, rezava o texto.

O samba que melhor traduziu a ideia foi de autoria de Jorge Soares, o Jorge Tropical (1956 - 2021). Intérprete e compositor, ele é um dos autores, ao lado de Julio Lucchesi, do samba “Vilancete”, clássico da Vila Isabel, o inesquecível Vila quero vê-la linda / Quero vê-la ainda / Muito mais feliz.

Tropical foi parceiro de Gera no carro de som da escola do bairro de Noel Rosa entre 1993 até 1999. Depois, seguiu sozinho no microfone principal da agremiação até o ano de 2003. Na Avenida, foi apoio de Gera em “Kizomba”, no desfile campeão de 1988.

Jorge Tropical (foto) foi parceiro de Gera no carro de som da Unidos de Vila Isabel durante sete anos. Depois, seguiu sozinho no microfone principal até 2003
 
Compositor de estilo clássico e com requinte na poesia e no cantar, Jorge Tropical disse à época que a porção boêmia de Niemeyer lhe serviu de inspiração para compor. “Citei algumas de suas obras sem me preocupar com datas. Exaltei sua condição de brasileiro e carioca da gema”, declarou em entrevista ao jornal O Globo, na edição matutina do Caderno Tijuca, em 27 de fevereiro de 2003. Com problemas de saúde, o homenageado, Oscar Niemeyer, assistiu ao desfile pela TV.

No dia da apuração do Grupo de Acesso, o clima ficou tenso. A vitória da São Clemente, que tirou nota 10 em todos os quesitos, foi criticada por dirigentes da União da Ilha, Paraíso do Tuiuti e, claro, Vila Isabel, que saíram da Apoteose no meio da leitura das notas, revoltados com o resultado. Exaltado, o presidente da Vila, Evandro Bocão, pediu a saída do presidente da Associação das Escolas de Samba (AESCRJ), Walter Teixeira. Bocão fez coro com outros dirigentes que pediam que a Liga Independente das Escolas de Samba assumisse o carnaval do grupo, o que foi prontamente descartado pelo então presidente da Liesa, Ailton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães.


A Vila Isabel contou a vida do carioca e o mais conceituado arquiteto brasileiro, Oscar Niemeyer, mas também destacou o militante ativo do PCB, escritor e pensador de opinião. Crédito da foto: Mondadori Portfolio

O samba “Oscar Niemeyer, o Arquiteto no Recanto da Princesa” recebeu notas 8,5 e 9,5 (não temos os nomes dos jurados). Foi o segundo e derradeiro hino composto por Jorge Tropical para a Vila Isabel. O anterior havia sido “Se Esta Terra, Se Esta Terra Fosse Minha”, parceria com Jorginho Pereira, Aninha Guedes, Antônio Grande e Vilani Silva Bombril, para o carnaval de 1990.

Niemeyer brasileiro da gema
Traços de um poema em construções
Cada coluna
Belas artes
Novo mundo de ideias curvas, realizações
Lá no exterior se consagrou
A luta pelo povo jamais abandonou

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2º lugar: UNIDOS DA PONTE – “Oferendas” (1984 e 2019) 

Compositor: Jorginho do Axé

É comum um compositor ser associado ao seu maior sucesso musical. Não raro, o título da obra acaba sendo “incorporado” ao seu nome artístico. Assim ocorreu com João de Souza Barros, cantor e compositor portelense mais conhecido como Joãozinho da Pecadora (1933 - 1986). Seu apelido surgiu a partir da composição “Pecadora”, feita em parceria com Jair do Cavaquinho (1922 - 2006), que fez grande sucesso na década de 1960, com os Quatro Crioulos, e nos anos 2000, com o Grupo Revelação, graças aos versos Vai pecadora arrependida / Vai tratar da sua vida / Por favor me deixe em paz / Me deste um grande desgosto / Eu não quero ver teu rosto / Palavra de rei não volta atrás (...), que ecoaram na trilha sonora da novela Celebridade (2003).

Outro caso também aconteceu com Nilton de Souza, compositor do bairro de Ramos, cujo seu maior samba, “Tristeza”, estourou nacionalmente em 1966, quando a música feita em parceria com Haroldo Lobo três anos antes passou a tocar nas rádios e posteriormente ganharia mais de 210 versões e regravações no país e no exterior. O sucesso o consagrou como Niltinho Tristeza (1938 - 2018), que 23 anos mais tarde compôs outro sucesso, que levou a Imperatriz Leopoldinense ao título de campeã de 1989, com “Liberdade! Liberdade! Abra as asas sobre nós”, considerado um dos principais sambas-enredo da história dos desfiles, e que foi usado como tema de abertura da novela Lado a Lado (2012). O samba foi composto em parceria com Preto Joia, Vicentinho e Jurandir.

Um terceiro fato semelhante (dentre inúmeros mais) aconteceu em 1984, quando Jorge Bento, um compositor de São João do Meriti, venceu a disputa na Unidos da Ponte para o enredo “Oferendas”, do carnavalesco Geraldo Cavalcanti. O belo samba cuja letra mencionava os presentes e as comidas rituais servidas aos orixás (divindades da umbanda e do candomblé) começava com versos fortes e firmes: Axé / O samba pisa forte no terreiro / É mistério, é magia / É mandingueiro.

Jorge, que já era conhecido no meio carnavalesco como Jorginho, passou a ser identificado por ter sido o autor do samba que começava com a palavra “axé”. Daí, virou o Jorginho do Axé.

“Oferendas” foi levado pela primeira vez à Avenida em 1984, ano da inauguração do Sambódromo da Marquês de Sapucaí, na voz do intérprete Grillo. Apesar de o samba ser lembrado até hoje e ter sido um sucesso, a escola foi rebaixada. Naquela época, eram rebaixadas duas agremiações: a com a menor pontuação de domingo e de segunda-feira. O rebaixamento se deu por uma questão de regulamento. A Ponte foi a escola com menor pontuação de domingo (168 pontos), mas pontuou mais do que duas escolas que desfilaram na segunda-feira: Império da Tijuca (157 pts) e Unidos da Tijuca (143 pts).

A caneta dos jurados pesou na avaliação do “samba do axé” em 1984. Ilmar de Carvalho deu nota 9 e Walmir Leal nocauteou o hino com uma inacreditável canetada: nota 6!

Em 2019, a Ponte voltou a pisar forte no terreiro da Sapucaí após um jejum de 12 anos. De volta à Serie A, a agremiação da Baixada Fluminense resolveu reeditar o clássico “Oferendas”. Cantado novamente na avenida, desta vez nas vozes de Alessandro Tiganá e Lico Monteiro, os jurados foram um pouco mais complacentes. O samba clássico recebeu nota 10 dos jurados André Bonatte e Renato Vazquez, uma nota 9,9, concedida por Marcus Vinicius Monteiro, e um 9,7, de Sérgio Lobato, cuja nota (a mais baixa) acabou sendo descartada, conforme previa o regulamento.

Apesar da lembrança amarga de 1984, em 2019 a história foi diferente. Das 13 escolas da Série A, a Ponte obteve o 10º lugar, e se manteve na mesma categoria de desfile.


A porta-bandeira Nani Ferreira desfilou em 2019 com a réplica do pavilhão de 1984. Foto: Cléber Júnior / Agência O Globo

Compositor do samba, considerado um clássico do carnaval, Jorginho do Axé se orgulha de ter sua letra cantada duas vezes no Sambódromo. “Fiquei muito honrado e feliz com a reedição do meu samba. É muita emoção”, conta o autor, que foi criado dentro da umbanda.

Jorginho ainda assinaria mais um samba-enredo pela Ponte, que igualmente seria reeditado: “Vida Que Te Quero Viva”, com os parceiros Renato Camunguelo e Gerson PM, foi feito para o carnaval de 1989, e teve uma reedição em 2012, quando a escola desfilou pelo Acesso C (a quarta divisão do carnaval carioca).


Jorginho do Axé, compositor que assinou dois sambas pela Unidos da Ponte e que foram reeditados pela escola. Foto: Cléber Júnior / Agência O Globo

Outra curiosidade envolvendo “Oferendas” é que o samba seria reeditado para 2011, quando a Ponte estava no Acesso C. Porém, a agremiação optou por um enredo inédito, mas com temática parecida, “Orixás”. O samba escolhido para aquele desfile foi uma obra assinada por Grillo, que havia sido derrotada por ocasião do concurso de 1984, sendo “reaproveitada” com pequenas modificações.

Malungo se liberta no Zambê
Esquece o banzo
É hora de oferecer
Pra Exu e pomba-gira
Tem marafo e dendê
Muitas flores e pipocas
Para Obaluaiê
A Oxumaré
Creme de arroz e milho
Pra Iansã o acarajé
Pai Oxalá, nosso canto de fé
Tem amalá pra Xangô
Lá na pedreira
Tem caruru pros Erês
Tem brincadeiras

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1º lugar: UNIDOS DE VILA ISABEL – “Gbala, o Templo da Criação” (1993)

Compositor: Martinho da Vila

A Vila Isabel não poupou esforços para o carnaval de 1993. Após a decepção com o 12º lugar obtido com o enredo “A Vila Vê o Ovo e Põe às Claras”, alusivo aos 500 anos do Descobrimento da América, a escola resolveu adotar uma nova filosofia. Dispensou o carnavalesco Gil Ricon e a abordagem pesada e histórica de enredo. Em seu lugar, contratou o talentoso Oswaldo Jardim (1960 - 2003), com passagens anteriores pela Estácio de Sá, Império Serrano, Unidos do Jacarezinho e Unidos da Tijuca.

Jardim queria implantar uma nova estética na Vila, mais alegre, mais colorida, mais divertida, mais carnavalesca, mas ao mesmo tempo, passando uma mensagem positiva, como vinha sendo a tônica da escola desde “Kizomba, festa da raça”, o desfile campeão de 1988.

Com isso, criou o enredo “Gbala – Viagem ao Templo da Criação”, em que mesclou a realidade e divindades da cultura iorubá para apontar soluções para os problemas enfrentados pelos seres da Terra, um planeta arquitetado pelo criador do Universo, Olorum.


O carnavalesco Oswaldo Jardim (foto) quis implantar uma nova estética na Vila Isabel, mais alegre, mais colorida e passar uma mensagem positiva. Assim, criou um enredo em que mesclou a realidade e divindades da cultura iorubá para apontar soluções para os problemas enfrentados pelos seres da Terra. Crédito: Tantos Carnavais/Twitter

O enredo foi dividido em três partes: os problemas do planeta (a Terra estava muito doente), as causas de tudo isso e a solução apresentada pelos orixás às crianças, que fariam uma jornada mágica ao templo da criação, onde iriam aprender os segredos para uma vida melhor. Mudar o mundo. Daí o porquê da palavra gbala, que significa resgatar, salvar, conforme a letra do samba.

Aliás, o concurso de samba-enredo foi vencido por Martinho da Vila, novamente em expediente solo e a obra já passou a ser elogiada e admirada tão logo quando foi divulgada ao grande público. Realmente o belíssimo samba era de uma leveza e de um lirismo, além de narrar com facilidade e compreensão o tema idealizado por Oswaldo Jardim.

A escola desfilou com 4 mil componentes, divididos em 28 alas, com fantasias vistosas, além de onze carros alegóricos, sendo três na abertura do desfile.

“Gbala – Viagem ao Templo da Criação” (1993) foi o nono samba composto, em um total de 12, por Martinho para a Vila Isabel

O lindo samba gabaritou na apuração. Notas 10 dos jurados Fernanda de Tolda, Dulce Tupy e Eri Galvão. O júri do Estandarte de Ouro, prêmio promovido pelo jornal O Globo concedeu o troféu de melhor samba enredo do Grupo Especial a “Gbala – Viagem ao Templo da Criação”. No entanto, a escola perdeu preciosos pontos em outros quesitos vitais, como bateria, evolução, conjunto, fantasias, alegorias, comissão de frente e casal de mestre-sala e porta-bandeira. A classificação da Vila foi o 8º lugar.

“Gbala” foi o nono samba composto (em um total de 12) por Martinho para a Vila Isabel. Além de constar no disco oficial do carnaval de 1993, da gravadora BMG-Ariola, – interpretado pelo próprio e por Gera – o sambista incluiu a obra em seu álbum de carreira, No Templo da Criação (1992), e na coletânea Escola de Samba Enredo – Vila Isabel (1993), ambos da gravadora Columbia/Sony Music.

Então
Foram abertos os caminhos
E a inocência entrou
No templo da criação
Lá os guias protetores do planeta
Colocaram o futuro em suas mãos
E através dos Orixás se encontraram
Com o deus dos deuses, Olorum

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NOTA DO EDITOR: Excluindo os citados sambas de 2022 da Imperatriz e o de 2010 da Vila Isabel, as últimas obras assinadas por um único compositor no Grupo Especial haviam sido Vila Isabel 1997 "Não deixe o samba morrer", por J. C. Couto; Beija-Flor 1996 "Aurora do Povo Brasileiro", de autoria de Miro Barbosa; e Caprichosos 1995 "Da terra brotei, negro sou e ouro virei", de Carlos Ortiz.

Gerson Brisolara (Rixxa Jr.)
rixxajr@yahoo.com.br