Em princípio, alguém
poderia estranhar: o que o nome de Martinho da Vila está fazendo
na seção de um site especializada em Intérpretes
de Samba Enredo, se o cantor nunca puxou samba na avenida, nem poderia
ser classificado como tal? Ao que eu retruco: “Alto lá!
Martinho, carnaval e interpretação de samba enredo
têm tudo a ver...”
O
sambista, nascido num sábado de carnaval, na cidade de Duas
Barras/RJ, é dos maiores (senão o maior) divulgadores de
samba enredo na história da MPB. Além de ser compositor
entre os mais brilhantes do gênero, “Zé
Ferreira”, como também gosta de ser chamado, canta como
ninguém sambas não só de sua Vila Isabel do
coração, como também de outras
agremiações, preocupando-se com o resgate
fonográfico e o registro discográfico de sambas pouco
conhecidos e evitando que este tipo de música fique esquecido.
Além disso, o cantor já dedicou álbuns inteiros
sobre a arte de fazer e de cantar samba-enredo. Com todas estas
prerrogativas e credenciais, alguém teria coragem de dizer que
Martinho da Vila não é um intérprete de samba
enredo?
Martinho
começou a fazer
sambas na extinta Escola de Samba Aprendizes da Boca do Mato, na
década de 50. Entre 1957 a 1965, a escola desfilou com sambas
seus em sete carnavais. Logo em seguida, transferiu-se para a Unidos de
Vila Isabel. Martinho da Vila é o segundo compositor com mais
sambas enredos feitos para a escola do bairro de Noel (ao todo,
são nove obras, perdendo apenas para Paulo Brazão, um dos
fundadores da agremiação, autor de 16 sambas).
O artista
começou a fazer história no carnaval no fim dos anos 60, ao reformatar o
samba-enredo. Em vez de letras quilométricas, versos mais concisos; no lugar das
arrastadas melodias, uma música de compasso mais acelerado e harmonias suaves. Em 1967, em parceria com Gemeu,
compôs "Carnaval das ilusões", com o qual se classificou
em 4º lugar do Grupo Especial no carnaval daquele ano.
Em
janeiro de 1968, participou do primeiro LP com os sambas-enredo daquele
ano. O disco intitulou-se "As escolas cantam seus sambas para 1968",
selo MIS, produzido por Ricardo Cravo Albin. A Vila Isabel desfilou com
o samba-enredo “Quatro séculos de modas e costumes”.
Martinho
da Vila transformou em sucesso não só os sambas que
embalaram os desfiles da Vila Isabel. As obras de sua autoria que
caíram nos cortes de samba (como são chamadas as disputas
internas para a escolha da música enredo) também foram
gravadas em seus discos, desfazendo a máxima de que o samba
enredo tinha vida curta e morria no exato momento em que perdia a
disputa. Foi assim com “Tribo dos Carajás” (samba
desclassificado para o enredo “Aruanã-Açu”,
de 1974, por motivos políticos), “Ai, que saudades que eu
tenho” (desclassificado para o tema homônimo, de 1977),
“Desperta, Iemanjá” (samba desclassificado para o
enredo “Dique um mar de amor”, de 1978), e Prece ao Sol
(música desclassificada para o tema “Não deixe o
samba morrer”, de 1997).
Em sua
trajetória de sambista e militante do carnaval, Martinho da Vila
conquistou seis vezes o prêmio Estandarte de Ouro, conferido
pelo júri do jornal O Globo – quatro como autor do
melhor samba enredo, nos carnavais de 1980, 1984, 1993 e 2013, uma vez como
Personalidade Masculina, em 1978, e duas como autor do melhor enredo, em 1988 e 2012. Em 1987, com "Raízes", inovou
o desfile de carnaval ao levar para a Marquês de Sapucaí
um samba-enredo sem rimas. No ano seguinte, lançou o LP "Festa
da raça", em comemoração ao centenário da
Abolição da Escravatura. Ainda em 1988, ganhou o seu
primeiro campeonato como criador do enredo “Kizomba – Festa
de uma raça”, que originou o samba-enredo “Kizomba,
a festa da raça” de autoria de Luiz Carlos da Vila,
Rodolpho de Souza e Jonas Rodrigues.
Em 1993,
Martinho compôs "Gbala, viagem ao templo da
criação", samba-enredo que classificou a Vila em 8º
lugar do Grupo Especial no desfile daquele ano. Ainda em 1993, ganhou
cinco Prêmios Sharp na categoria samba e gravou um disco dedicado
à Unidos de Vila Isabel no projeto Escolas de Samba, da
gravadora Sony Music, que, selecionando os dez melhores sambas da
escola, escolheu nove de sua autoria.
Com o CD "Tá delícia, tá
gostoso", lançado em 1995, obteve enorme sucesso comercial com
as músicas "Cuca maluca", "Devagar, devagarinho", e "Mulheres".
Este disco atingiu a marca de mais de 1,5 milhão de
cópias vendidas. Em 2003, lançou o CD "Conexões"
no qual interpretou em francês diversos sucessos de carreira e
inéditas.
Sempre quando compunha o samba enredo, Martinho da Vila fazia
questão de gravá-lo tanto no disco oficial do carnaval
quanto nos seus álbuns de carreira, mas não o fazia na
avenida, deixando a função para os intérpretes da
escola. No entanto, em 1993, ele abriu uma exceção e,
até a primeira metade do desfile, cantou “Gbala” no
carro de som junto com seus filhos Tonico Ferreira,
Mart’nália e Analimar, além do puxador oficial da
época Gera. Devido ao imenso desgaste que é uma disputa e
às cartas marcadas da competição, Martinho deixou
de concorrer por algum tempo. Retornou aos concursos como um
crítico feroz do atual formato de escolha de sambas-enredo, mas
ainda assim venceu as disputas de 2010 e 2013 da Vila Isabel com dois
sambas antológicos. Seu talento serve de exemplo e inspira os
jovens compositores da escola do bairro de Noel.
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Início: Escola de
Samba Aprendizes da Boca do Mato, aos 13 anos de idade. Chegou à
Unidos de Vila Isabel em 1966.
SAMBAS DE SUA AUTORIA:
Aprendizes da Boca do Mato: “Carlos
Gomes”
(1957); “Exaltação
a Tamandaré” (1958);
“Machado de Assis” (1959);
“Rui Barbosa na
Conferência de Haia” (1960);
“Vultos da
Independência” (1961);
“Café” (1962, com
Renato) e “Construtores
da Cidade do Rio de Janeiro” (1965).
Vila Isabel: “Carnaval
de ilusões” (Vila/67,
com Gemeu); “Quatro
séculos de modas e costumes” (Vila/68);
“Ya-Yá do cais
dourado”
(Vila/69, com Rodolpho de Souza); “Glórias gaúchas” (Vila/70);
“Onde o Brasil
aprendeu a liberdade” (Vila/72);
“O sonho de um sonho” (Vila/80,
com Rodolpho e Tião Graúna); “Pra tudo se acabar na Quarta-Feira” (Vila/84);
“Raízes” (Vila/87,
com Azo e Ovídio Bessa); “Gbala, uma viagem ao Templo da
Criação”
(Vila/93);
"Noël: a presença do "Poeta da Vila" (Vila/2010), "A Vila
Canta o Brasil Celeiro do Mundo - "Água no Feijão que
chegou mais um" (Vila/2013, com Arlindo Cruz, André Diniz,
Tunico da Vila e Leonel) e "Memórias do 'Pai Arraia' - um sonho
pernambucano, um legado brasileiro" (Vila/2016, com André Diniz,
Arlindo Cruz, Mart'nália e Leonel).
Discos especializados em
samba-enredo:
- Samba Enredo
(1980, quando gravou clássicos como “Sublime Pergaminho,
“As três capitais”, “Chico Rei”,
“Machado de Assis”, “Benfeitores do Universo”,
“Ao povo em forma de arte”, etc)
-
Vila Isabel Coletânea Sony Music (1993)
- Enredo (2014)
Discografia oficial
·
- Martinho
da Vila (1969)
·
- Meu Laia-raiá (1970)
·
- Memórias de
um sargento de milícias (1971)
·
- Batuque na cozinha
(1972)
·
- Origens (Pelo telefone) (1973)
·
- Canta, canta, minha gente (1974)
·
- Martinho da Vila (1974)
·
- Maravilha de cenário (1975)
·
- Rosa do povo (1976)
·
- Presente (1977)
·
- Tendinha (1978)
·
- Terreiro, sala e salão (1979)
·
- Sentimentos (1981)
·
- Verso e reverso (1982)
·
- Novas palavras (1983)
·
- Martinho da Vila Isabel (1984)
·
- Criações e
recriações (1985)
·
- Batuqueiro (1986)
·
- Coração malandro (1987)
·
- Festa da raça (1988)
·
- O canto das lavadeiras (1989)
·
- Martinho da vida (1990)
·
- Vai meu samba, vai (1991)
·
- No templo da criação (1992)
·
- Martinho da Vila (1992)
·
- Ao Rio de Janeiro (1994)
·
- Tá delícia, tá
gostoso (1995)
·
- Coisas de Deus (1997)
·
- 3.0 turbinado e ao vivo (1999)
·
- O pai da Alegria (1999)
·
- Lusofonia (2000)
·
- Martinho da Vila, da roça e da cidade (2001)
·
- Martinho definitivo (2002)
·
- Voz & coração (2002)
·
- Conexões (2003)
·
- Conexões
ao vivo (2004)
- Conexões ao vivo (2004)
- Brasilatinidade (2005)
- Brasilatinidade ao vivo (2005)
- Martinho José Ferreira ao vivo na Suiça (2006)
- Do Brasil e do mundo (2007)
- O pequeno burguês (2008)
- Filosofia de Vida - O Pequeno Burguês (2010)
- Poeta da Cidade (2010)
- Lambendo a cria (2011)
- Martinho da Vila - 4.5 atual (2012)
- Sambabook (2013)
- Enredo (2014)
Prêmios Tamborim de
Ouro de "Eu sou o Samba" em 2012 e 2013. Prêmio Sambario de Personalidade em 2018.
Estandarte de Ouro: 8
1980, 1984, 1993 e 2013 (samba enredo)
1988 e 2012 (enredo, sendo o de 2012 junto com Rosa Magalhães e Alex Varela)
1978 e 2018 (personalidade masculina)
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