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O QUE ESTÁ ACONTECENDO COM A “FLOR AMOROSA DE TRÊS RAÇAS”?

O QUE ESTÁ ACONTECENDO COM A “FLOR AMOROSA DE TRÊS RAÇAS”?

21 de outubro de 2022, nº 52

O que está acontecendo com o Pindorama, com a Nova Canaã, o País do Futuro, a Flor Amorosa de Três Raças? O Brasil, durante décadas cantado em verso e prosa, nacional e internacionalmente, sempre foi associado a uma imagem de tropicalidade, exuberância e sincretismo étnico-religioso. No período pós Segunda Guerra, construiu-se a figura de uma nação responsável e importante, com a adesão aos aliados e a posterior consolidação do país como mediador em conflitos diplomáticos, bem como uma voz ativa nas questões ambientais, com o país se caracterizando pela sua alegria, sua arte e sua diversidade.

A imagem do brasileiro durante anos construída era de que o nativo brazuca é resultado de uma enorme miscigenação, da qual tem orgulho. É um povo que respeita a todos. No entanto, a imagem positiva começa a ruir a partir de 2013, um ano antes do início da Copa do Mundo no Brasil, quando o governo de Dilma Rousseff começa a sofrer duros abalos devido a diversos fatores, sobretudo a crise econômica, com grandes manifestações ocorrendo pelo país. A partir daí, com denúncias de corrupção se acumulando e o agravamento da crise, começa a esfacelar a noção de que seríamos os maiores do hemisfério sul.

Segundo Daniel Malanski, pesquisador da Escola de História da University College Dublin (UCD), após a entrada de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto em 2019, a imagem do Brasil passa a se deteriorar de forma mais acelerada. A vitória do atual presidente rompeu com "ideais progressistas", tomando por base uma "agenda reacionária", com efeitos nas políticas para o meio ambiente e diplomacia internacional. Sua eleição representou o retrocesso em uma agenda nacional progressista que havia se iniciado com a redemocratização do país e o advento da Nova República.

De uma das vozes mais influentes entre os países emergentes quanto às questões ambientais, o Brasil passou para a condição de "pária internacional", avalia o autor. Por outro lado, a tensão política e social interna cresceu, tornando evidente que este é “um país de contrastes, onde mundos opostos competem pela nação como espaço sociopolítico e objeto simbólico”, como conclui Malanski.

De alguns anos pra cá, foram registrados inúmeros episódios de racismo, preconceito, segregação, intolerância religiosa, machismo, xenofobia e sexismo. Valores que deveriam estar superados em pleno século XXI.

Há um lado do Brasil que permanece racista e cruel que agora se sente além de tudo legitimado para agir com grosseria, violência e incivilidade para com outros. O que está acontecendo?

O Top 10 Sambario recorda dez sambas em que a miscigenação e a mistura de raças eram motivos de orgulho e destaque no carnaval.

10º lugar – ROCINHA (2016) "Nova Roma é Brasil. Brasil é Rocinha"

O enredo criado pelo carnavalesco Alex Oliveira salientava que a cultura brasileira se expandiu tal qual a Ibéria portuguesa, construindo um caldeirão cultural, equivalente ao mundo neobritânico, o mundo neolatino - do qual nós somos a unidade principal, a mais rica, a mais futurosa. Então o Brasil seria a "Nova Roma", e o Brasil é a Rocinha!

Uma Roma lavada em sangue índio, sangue negro, sangue mestiço, nordestino, ou melhor... Tropical e Humanista e, que está legada a representar um importante papel no mundo ocidental. O enredo, cuja sinopse cita o antropólogo Darcy Ribeiro, entre vitórias e dificuldades, e desafios e gritos de esperança, mostra cada passo dessa epopeia. Em 2014, a escola já havia apresentado um tema parecido sobre miscigenação.

Enredo da Rocinha exalta o povo brasileiro e destaca a mestiçagem do país

Vou cantar-te em meus versos
Voa borboleta encantada
Gigante em sua própria natureza
Teu cenário uma beleza
Essa terra abençoada!
Que aos trancos e barrancos pegou
E assim miscigenou

(Edinho, Diego do Carmo, Vitor Coutinho, Rico Bernardes, Rafael Mikaiá e Wander Timbalada)  

9º lugar – LINS IMPERIAL (1971) - "Casa Grande e Senzala"

Baseado no livro do sociólogo Gilberto Freyre, o tema retrata a formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. O índio, o português e o negro como elementos formadores de nossa nacionalidade.

A se estranhar, no samba, é o refrão, cuja impressão, os escravizados curtiam o cativeiro imposto pelos senhores brancos: "Meu gaguinho feiticeiro / trouxe ioiô / meu irmão adoro o teu cativeiro / branquinho do coração".

Livro de Gilberto Freyre é um marco na análise da formação da sociedade brasileira

Revivemos neste carnaval
Esta história deslumbrante
Da era colonial
Do nosso Brasil gigante

(Luiz, Átila, Preto Velho e Neneco)

Portela decanta o folclore brasileiro num "colorido amanhecer"

8° lugar - PORTELA (1990)  "É de ouro, e prata o nosso chão"

Em seu segundo ano na Portela, Sílvio Cunha idealizou um mergulho nas manifestações populares de todas as regiões do País. O tema-enredo "É de Ouro e Prata Esse Chão" foi desenvolvido de forma a ser um roteiro para decantar o folclore brasileiro, criado por “três raças tão amantes”.

Eu segui a luz da poesia
Às regiões mais distantes
E encontrei toda a magia
De três raças tão amantes

(Espanhol, Sylvio Paulo e Cila da Portela)

7° lugar - VILA ISABEL (2014)  "Retratos de um Brasil plural"

A Vila resolveu exaltar os diferentes biomas do Brasil (Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Amazônia, Pantanal, Pampas e marinhos). Também mostrou as populações que habitam o entorno desses ecossistemas, como se beneficiam e preservam os mesmos e cantou os folclores dessas populações, seus costumes e músicas.

O fio condutor do enredo foram as figuras do seringueiro e ambientalista Chico Mendes (1944-1988) e do folclorista Luís Câmara Cascudo (1898-1986).

Chico Mendes (esq.) e Câmara Cascudo foram os fios condutores do enredo da Vila Isabel em 2014

Brasil minha terra adorada
Moldada pelo criador
Mistura de cada semente
Nasceu realmente quando aportou

(Evandro Bocão, Arlindo Cruz, André Diniz, Professor Wladimir e Artur das Ferragens)

6° lugar - VIRADOURO (2015)  "Nas veias do Brasil é a Viradouro em um dia de graça"

Diferente dos anos anteriores, a Unidos do Viradouro inovou e não realizou disputa de samba-enredo para o carnaval de 2015, ano que marcou seu retorno ao Grupo Especial após quatro anos. O então presidente, o cantor e compositor Gusttavo Clarão, ficou com a missão de fazer a adaptação de duas músicas de Luiz Carlos da Vila ("Nas veias do Brasil" e "Por um dia de graça") e transformá-las em samba-enredo.

O tema, desenvolvido pelo carnavalesco João Vitor Araújo, narrou a trajetória do negro no Brasil, além da imensa contribuição cultural indígena. A sinopse ainda concluía: "(...) a beleza de ser miscigenado, o que transformou o Brasil em terra que nunca anda só (...)".


Tema da Viradouro em 2015 abordou a trajetória do negro no Brasil e a contribuição cultural indígena

Tantos o preto velho já curou
E a mãe preta amamentou
Tem alma negra o povo
Os sonhos tirados do fogão
A magia da canção
O carnaval é fogo

(Luiz Carlos da Vila - Adaptação: Gusttavo Clarão)


Enredo sobre etnias rendeu um dos sambas mais bonitos da história do Jacaré

5° lugar - UNIDOS DO JACAREZINHO (1998)  "Jacarezinho é... Etnias na Sapucaí"

Em 1998, o Jacarezinho se propôs a cantar toda a riqueza do folclore nacional graças à contribuição das etnias formadoras do povo brasileiro: o índio, o branco e o negro. O samba é um dos mais  bonitos da história da rosa e branco.

Jacarezinho se agiganta
E vem cantar
O índio, o branco e o negro
Samba e carnaval
Toda a riqueza do folclore nacional

(Jorge Branco, Walter Veneno, Beto M., Mascote e Moacir M.)

4° lugar - IMPÉRIO DA TIJUCA  (1991)  "Canaã, a terra prometida Brasil"

O enredo da Império da Tijuca em 1991 fazia uma comparação do Brasil na época do Descobrimento com a cidade bíblica de Canaã, a terra prometida. Canaã foi o nome de onde é hoje o Estado de Israel, o Líbano e parte da região junto ao Mar Mediterrâneo. Consta que Canaã (lugar que emanava leite e mel) era a terra prometida pelo Senhor ao seu povo escolhido, ainda quando chamou Abraão (que vivia ao sul da Mesopotâmia).



Império da Tijuca comparou o Brasil da época do Descobrimento com a bíblica Canaã, no carnaval de 1991

Venho lá do morro da Formiga
Da Tijuca gente amiga
Pra falar do meu Brasil
Terra prometida, de encantos mil
E as maravilhas...
Do menino gigante, fez despertar
A cobiça constante
De corsários de além-mar

(Dica, Noronha e Jorge Melodia)

3° lugar - TRADIÇÃO (1988)  "O melhor da raça, o melhor do carnaval"

De forma meteórica, a Tradição chegou ao Grupo Especial em 1988 apenas quatro após sua fundação, ocorrida depois de uma dissidência de algumas alas da Portela. Aliás, o embate particular daquele ano era  disputa entre o condor de Campinho e a águia de Oswaldo Cruz.

A Tradição escolheu falar sobre a miscigenação do povo brasileiro, ou seja, "mostrar um pouco da aquarela que o Brasil tem no coração".


Em sua estreia no Grupo Especial, a Tradição escolheu falar sobre a miscigenação brasileira

Salve a mistura da raça
Que nunca vai se acabar
Até o dia de Graça chegar

(João Nogueira e Paulo César Pinheiro)

2° lugar - IMPERATRIZ LEOPOLDINENSE (1972)  "Martim Cererê"

A Imperatriz Leopoldinense desenvolveu um enredo baseado no poema "Martim Cererê", do autor modernista brasileiro Cassiano Ricardo (1894-1974) para o carnaval do ano de 1972 e ainda serviu de cenário para a novela Bandeira 2, da Rede Globo. Misturando ficção e realidade, a novela estreou em 1 de outubro de 1971, trazendo Paulo Gracindo como o bicheiro Tucão, que seria o patrono da escola, Marília Pêra como Noely, a porta-bandeira, e Grande Otelo como Zé Catimba, um compositor.

O samba-enredo de 1972, composto por Zé Katimba e Gibi, fez grande sucesso ao integrar a trilha sonora da novela. Foi a primeira vez que um samba-enredo fez parte de uma trilha sonora de uma obra de teledramaturgia. Publicado pela primeira vez em 1928, "Martim Cererê" representa o ponto alto da vertente nacionalista e ufanista do verdeamarealismo. Na obra, Martim Cererê representa a união de três raças que compõem a formação étnica brasileira: o índio, o negro e o branco, que inventam um novo país. O autor, Cassiano Ricardo,  acompanhou, animado, todo o desenvolvimento do enredo.
 

O poema representa o ponto alto da vertente nacionalista e ufanista do verdeamarealismo

Tudo era dia
O índio deu a terra grande
O negro trouxe a noite na cor
O branco a galhardia
E todos traziam amor
Tinham encontro marcado
Pra fazer uma nação
E o Brasil cresceu tanto
Que virou interjeição

(Zé Catimba e Gibi)

1° lugar - IMPERATRIZ LEOPOLDINENSE (1969)  "Brasil, flor amorosa de três raças"

Em 1969 a Imperatriz Leopoldinense retornava ao Grupo Especial do carnaval carioca. Primeira escola a se apresentar no domingo de carnaval, o enredo, sobre a miscigenação brasileira, foi baseado no último verso do poema "Música Brasileira", de Olavo Bilac.

O desfile foi desenvolvido pelo Departamento Cultural e de Carnaval da agremiação. Nesse ano, a escola inovou ao trazer 12 mulatas representando "as africanas" na comissão de frente, fato repetido durante os anos posteriores. As escolas tinham o costume de trazer representantes da velha-guarda.

Em 1969, a Imperatriz inovou ao trazer 12 mulatas representando "as africanas" na comissão de frente, fato repetido durante os anos posteriores 

Ó meu Brasil
Flor amorosa de três raças
És tão sublime quando passas
Na mais perfeita integração

(Carlinhos Sideral e Mathias de Freitas)


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Gerson Brisolara (Rixxa Jr.)
rixxajr@yahoo.com.br