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Coluna do Rixxa Jr
 
DESFILES EM RESPEITO AO CRISTIANISMO QUE OS CRENTES NÃO VIRAM

26 de abril de 2022, nº 49

Carnaval e Igreja Católica sempre mantiveram uma relação delicada e marcada por episódios polêmicos. Esta ligação entre o sagrado e o profano, o libertário e o conservador, rendeu causos lendários de censura, perseguição e até uma certa flexbilização nos últimos anos.

Já vão quase cinco décadas quando autoridades religiosas queriam impedir a presença de imagens sacras em um desfile de carnaval. Não se completaram ainda nem 40 anos que a Arquidiocese do Rio de Janeiro conseguiu uma liminar na Justiça para vetar a presença de uma gigantesca imagem do Cristo Redentor trajando farrapos de mendigo na Sapucaí.

Quando não são os católicos, são os neopentecostais. Os crentes evangélicos criaram polêmica com uma alegoria representando um demônio que fazia sentido no enredo da Unidos da Tijuca em 2007. Em 2020, encasquetaram que a encenação da comissão de frente da Gaviões da Fiel (de 2019) é que teria desencadeado a pandemia de covid-19 em todo o planeta. Pobre carnaval!

Sim, já foi pior. Mas no carnaval de 2022 já tivemos na avenida desfiles em homenagem a Irmã Dulce e a Nossa Senhora Aparecida. São Sebastião e São Jorge apareceram sincretizados com Oxóssi no desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel. Santo Antônio é um dos santos sincretizados com Exú, presente no desfile da Acadêmicos do Grande Rio. Ou seja, estamos evoluindo, sem precisarmos enfrentar liminares para mostrar a expressão da arte carnavalesca na avenida.

O Top 10 Sambario recorda dez homenagens polêmicas (e outras, nem tanto) e uma hors-concours em que a religião cristã, santos católicos e divindades foram evocados nas passarelas do samba.

Agradecimentos ao colega Túlio Rabelo pela inspiração de ter mencionado alguns carnavais para esta coluna.

10. Unidos de São Carlos 1975
“O Círio de Nazaré”

 Unidos do Viradouro 2004
“Pediu pra Pará, parou! Com a Viradouro eu vou pro Círio de Nazaré”


Em 1975, a Estácio de Sá ainda se chamava Unidos de São Carlos e o enredo já havia suscitado polêmica. A escola foi para a avenida apresentando a procissão religiosa do Círio de Nazaré, festa popular que ocorre em Belém do Pará junto ao evento religioso. Naquele ano, a vermelho e branco do Morro de São Carlos obedeceu às determinações da Arquidiocese do Rio, que proibiu qualquer imagem de anjo, santo ou cruz durante sua passagem na Avenida Presidente Antônio Carlos, onde as principais agremiações desfilavam.

Apesar de cumprir todas as exigências, a direção da escola foi criticada por padres de Belém que achavam “imprópria” a escolha do enredo. Na época, o vigário da Basílica de Nazaré, Padre Giovani Incampo, chegou a mandar telegramas ao governador da Guanabara Chagas Freitas pedindo que a escola fosse proibida de desfilar, pois considerava o uso do Círio no carnaval como algo “ofensivo aos sentimentos religiosos do povo paraense”. No entanto, os apelos pouco fizeram efeito.

Quarta a desfilar em 75, a São Carlos fez uma apresentação burocrática. Na apuração, o enredo levou nota 6, a menor naquele ano ao lado da Beija-Flor, que falava sobre as transformações do Brasil durante o regime militar. Aos jornais na época, o jurado Vicente Tapajós contou que considerou o tema “inadequado porque transformava uma procissão católica num tema de uma festa pagã”.

Segundo a edição de 12/02/1975 do jornal O Globo, o refrão ʺera uma ladainha e morreu na avenida pela lentidão dos sambistas da agremiaçãoʺ. O público, já impaciente e enfastiado com a escola anterior, Unidos de Lucas, teria ensaiado vaias à Unidos de São Carlos. O carro abre-alas quebrou e vários diretores se queixaram da letra grande do samba.

Com o 10º lugar, a escola deveria ter sido rebaixada, mas ninguém caiu naquele carnaval. Apesar do resultado, o samba-enredo do Círio de Nazaré é considerado um dos mais bonitos da historia da folia.

Arquidiocese do Rio proibiu qualquer imagem sacra durante o desfile da Unidos de São Carlos em 1975

Já a Unidos do Viradouro reeditou o enredo da Unidos de São Carlos de 1975 (“A Festa do Círio de Nazaré”), mas com novo título: “Pediu pra Pará, Parou! Com a Viradouro Eu Vou pro Círio de Nazaré”, do carnavalesco Mauro Quintaes. A escola de Niterói chegou a iniciar uma disputa de samba para uma composição inédita. Porém, no decorrer da mesma, optou pela reedição da antiga obra dos compositores Dário Marciano, Nilo Mendes e Aderbal Moreira, levada à avenida 29 anos antes.

Ressabiada com as polêmicas naturais entre a Igreja e as escolas de samba, a agremiação do bairro do Barreto também não apresentou a imagem de Nossa Senhora no desfile.

No setor onde aparecia ʺa santa em sua berlindaʺ, a agremiação optou por uma alegoria onde aparecia um efeito de luz que substituiu a imagem. Um dos destaques do desfile foi uma alegoria que representava o órgão da Paróquia de Nossa Senhora de Nazaré, com um excelente jogo de luzes, em amarelo e vermelho e muitos espelhos, o que dava um efeito muito interessante.


Assim como a São Carlos quase 30 anos antes, a Viradouro também não levou a imagem de Nossa Senhora de Nazaré no desfile. Crédito: Blog Ouro de Tolo.

O legendário samba-enredo funcionou maravilhosamente na avenida quase 30 anos depois graças à brilhante interpretação de Dominguinhos do Estácio (um devoto fervoroso de Nossa Senhora de Nazaré) e à impecável bateria de Mestre Ciça. A Vira obteve o 4º lugar.


9. Acadêmicos do Sossego 2019
“Não se Meta com a Minha Fé, Acredito em Quem Quiser”


Um grito de alerta contra a intolerância e pela liberdade e diversidade religiosas. Foi o mote que a Acadêmicos do Sossego anunciou o tema "Não se meta com a minha fé, acredito em quem quiser" para o carnaval de 2019 na Série A (segunda divisão).


Sossego fez um grito de alerta contra a intolerância e pela liberdade e diversidade religiosas em 2019. Fotos: Juliana Dias

O fio condutor do enredo foi a figura religiosa mexicana Jesús Malverde (um controverso herói folclórico, espécie de "Robin Hood", que se supõe ter roubado dos ricos para dar aos pobres). Celebrado como um santo popular por alguns, no México e Estados Unidos, especialmente entre aqueles envolvidos no tráfico de drogas.

Inicialmente, o enredo foi desenvolvido por Leandro Valente, substituído por Rodrigo Almeida cerca de um mês antes do Carnaval. A prévia divulgação de uma das alegorias causou polêmica, pois mostrava uma escultura bastante semelhante à fisionomia de Marcelo Crivella, prefeito do Rio à época, com pele avermelhada e chifres, em uma menção ao demônio. A foto ganhou destaque nas redes sociais e viralizou na web.

Após a polêmica, na semana anterior ao Carnaval, a escultura foi retirada do desfile – sendo trocada pela imagem do ex-prefeito Eduardo Paes trajado como um Buda, uma figura mais serena. A escultura que parecia com Crivella acabou não entrando no desfile oficial, mas acabou se tornado personagem dos blocos de rua da cidade.

A Sossego abordou as várias religiões e tipos de fé no mundo e homenageou em uma alegoria uma mãe de santo cujo terreiro havia sido vilipendiado meses antes do desfile.

Alegoria polêmica que trazia uma escultura parecida como então prefeito Marcelo Crivella foi trocada pela imagem do ex-prefeito Eduardo Paes trajado como um Buda

O samba enredo, composto por Luiz Vinícius, Orlando Ambrósio, Mário da Vila Progresso, Washington Motta, Felipe Filósofo, Sérgio Joca, Fábio Borges, Ademir Ribeiro, Gilmar L. Silva, Serginho Rocco, Lucas Donato, Diego Tavares, Michel do Alto e Bertolo, não apresentava rimas nem verbos e era em formato de diálogo. A escola terminou em 12° lugar, se livrando do rebaixamento na última nota.

8. Estácio de Sá 2016
“Salve Jorge! O Guerreiro na Fé”


No carnaval de 2016, a tradicional Estácio de Sá honrou o seu retorno ao Grupo Especial, de onde estava longe desde 2007. Com o enredo ʺSalve Jorge! O Guerreiro na Féʺ, a agremiação contou a história de um dos santos mais populares entre os sambistas. O desfile também marcou o reencontro da Estácio com Chico Spinosa, carnavalesco com quem a escola garantiu seu último campeonato na elite, em 1992.

A Estácio fez um desfile luxuoso contando a história de São Jorge, até sua popularização no mundo. As lendas envolvendo o personagem foram narradas durante o desfile, assim como a devoção dos brasileiros, com direito a uma procissão fechando a apresentação.

Um detalhe chamou atenção na época das eliminatórias para a escolha do samba-enredo. O samba concorrente da parceria de Dominguinhos do Estácio era considerado um dos favoritos do público nas redes sociais, mas foi cortado logo no início da disputa. Mesmo apresentando letra e melodias belíssimas, a obra mencionava o sincretismo do santo católico com os orixás Oxóssi e Ogum. A escola optou por escolher o samba dos compositores Adilson Alves, André Felix, Edson Marinho, JB, Jorge Xavier e Salviano, que não citava (ao menos diretamente) essa absorção de crenças.


Samba da parceria de Dominguinhos do Estácio era considerado um dos favoritos do público nas redes sociais, mas foi cortado logo no início da disputa

A Estácio de Sá passou tecnicamente correta, animada e foi muito aplaudida. No entanto, a escola obteve apenas o 12.º lugar e foi rebaixada para a Série A.

7. Unidos da Piedade 2020 (ES)
“Francisco’s”


O Papa Francisco desfilando como destaque em um desfile de escola de samba? A simples menção do fato poderia colocar os cabelos das autoridades da Santa Sé em pé, mas tudo não passou da divulgação do enredo que a Unidos da Piedade apresentou no Carnaval 2020.

A escola mais antiga do carnaval de Vitória (foi fundada em 1955) e 15 vezes campeã da folia capixaba homenageou grandes personalidades do Brasil e do mundo com um nome em comum: Francisco.

O carnavalesco Paulo Balbino explicou que o tema foi, na verdade, uma mensagem de paz e fraternidade para a comunidade e todo o Estado.

Com dois mil integrantes, a Unidos da Piedade abriu o desfile com duas alas coreografadas e um carro alegórico representando São Francisco de Assis. Em cada destaque de chão, a escola apresentava um novo Francisco e sua luta. Assim, a escola levou para a avenida Chico Xavier, psicografando palavras como "Amor", "Liberdade" e "Piedade". Outro Francisco lembrado foi Chico Mendes, com carro alegórico e uma ala voltada à natureza e à comunidade indígena que o ativista defendia.

O último Francisco homenageado pela escola foi o Papa Francisco, personalidade notória por seu discurso enfatizando a humildade e a solidariedade.

Unidos da Piedade em 2020 louvou os Franciscos que lutaram por causas humanitárias e são fontes de inspiração para todos. Foto: Carlos Antolini

Com um samba-enredo emocionante (de autoria de Robert, Rafael, Thiago, Fernando, Leandro, Lucas, Carlos, Pinho, Daniel, André e Amanda), a verde, vermelho e branco da Piedade louvou todos os Franciscos que lutaram por causas humanitárias e são fontes de inspiração para todos.

A escola mais tradicional de Vitória obteve o 5º lugar no Grupo Especial capixaba.

6. Império da Tijuca 1983
“Santos e Pecadores”


A Império da Tijuca levou para a Sapucaí um enredo de misticismo e religiosidade para o carnaval de 1983.

Com ʺSantos e Pecadoresʺ a Imperinho sobrou na avenida. A escola abordou os rituais religiosos da Bahia, misturando ʺo místico, o sagrado e o profanoʺ – conforme a letra de seu samba-enredo – juntando santos, orixás, festas católicas e obrigações da umbanda e do candomblé.

 O grupo de afoxé Filhos de Gandhi abriu o desfile, que teve diversos momentos de escola de primeiro grupo. Capoeiras, crianças vestidas de iaôs (filhos de santo) e as baianas foram as alas mais aplaudidas.


A Império da Tijuca em 1983 abordou os rituais religiosos da Bahia, misturando o místico o sagrado e o profano

O samba, composto por Adilson da Viola, Chipolechi e Cadó foi maravilhosamente conduzido por Almir Saint-Clair. A Império da Tijuca e a Unidos de São Carlos (último ano a desfilar com este nome antes de se tornar Estácio de Sá), vice e campeã respectivamente do antigo Grupo 1-B (segunda divisão, atual Série Ouro), foram as únicas que receberam duas notas 10 na apuração.

5. Estácio de Sá 2019
“A Fé que Emerge das Águas”


No desfile de 2019, a Estácio homenageou o Cristo Negro de Portobelo, com o enredo "A fé que emerge das águas". A festa religiosa acontece todo ano no mês de outubro, na Igreja de San Felipe, no Panamá.

A estátua do Cristo Negro é venerada por pessoas de todas as partes do país centro-americano. Centenas de fieis acendem velas e fazem suas preces ao Cristo. Vários milagres são atribuídos à imagem e por isso também é referido como "El Nazareno" que, segundo o Evangelho de Filipe (apócrifo), significa "a verdade".

Desfile da Estácio de Sá em 2019, com a festa religiosa do Cristo Negro, que acontece no Panamá. Foto: Leandro Milton/SRzd

Fazendo uma bela apresentação, a escola do São Carlos conquistou o título da Série A obtendo a pontuação máxima (270 pontos) e garantiu seu retorno ao Grupo Especial no carnaval de 2020.

4. Unidos do Viradouro 2016
“O Alabê de Jerusalém: A Saga de Ogundana”


Depois de um justo rebaixamento em 2015, a Unidos do Viradouro se reencontrou em altíssimo nível. Com um tema clássico, ʺo Alabê de Jerusalém – A Saga de Ogundanaʺ, e um samba da mais alta estirpe (composto por Paulo César Feital, Zé Glória, Felipe Filósofo, Maria Preta, Fabio Borges, William, Zé Augusto e Bertolo), a escola de Niteroi mostrou a força da sua tradição e saiu da Avenida com o carimbo de favorita.

O enredo, do carnavalesco Max Lopes, é baseado na ópera do cantor e compositor Altay Veloso. Trata da história do africano Ogundana, que viveu há mais de dois mil anos, contada em nossos dias por ele mesmo, que hoje é uma entidade espiritual chamada “Alabê de Jerusalém”. Esta, num dia de festa, num templo de religião de matriz africana, retorna à Terra para contar sua história.

Um dos pontos altos da letra do samba narra o encontro do Alabê com Jesus Cristo, no qual ele observa muitas semelhanças com Oxalá, o orixá maior e ambos rezam pelo fim da intolerância: O Rei dos Reis que conheci se espanta / e chora com essa guerra santa / que sangra esse planeta azul.


Um dos pontos altos da apresentação da Viradouro mostra o encontro do Alabê com Jesus Cristo, numa lição de tolerância. Foto: Raphael David/Riotur
 
O intérprete Zé Paulo Sierra encarnou São João Batista no desfile da Vira em 2016

O samba, como se esperava, foi o grande propulsor da emoção apresentada pelos componentes de ponta a ponta do desfile. Sem dúvida, entrou para a lista principal das grandes obras da Viradouro. Com um bonito desfile, a agremiação obteve o 3° lugar.

3. Lins Imperial 1981
“Meu Padim Ciço”
 
Acadêmicos do Engenho da Rainha 1991
“Meu Padrinho Padre Cícero do Juazeiro do Norte, Olhai Pelo Cariri”


Em um intervalo de uma década, a vida e o legado do Padre Cícero Romão Batista (1844 - 1934) foram enredo de duas escolas do Grupo 1-B. O religioso nascido no Crato (CE) foi tema da Lins Imperial no carnaval de 1981. Dez anos depois, a Acadêmicos do Engenho da Rainha também deu enfoque ao carismático sacerdote católico.

A Lins em 1981 começou a desfilar às cinco horas da manhã, com as arquibancadas não tão cheias. O dia começava a clarear e a verde e rosa do Morro da Cachoeirinha passou sem despertar muita atenção. A escola falou sobre os milagres atribuídos ao Padim Ciço, assim como sua relação com os cangaceiros do bando de Lampião. Com o trabalho do carnavalesco José Félix e samba de Carlinhos Melodia e Buíca, puxado por Helvécio Antônio de Lima, mais conhecido no mundo do samba como Tibúrcio, a Lins obteve o 4º lugar.


Capa da revista da Lins Imperial para o carnaval de 1981

Já o Engenho da Rainha ampliou mais o tema. Além de exaltar o padre milagreiro, o desfile da escola teve tons mais dramáticos, falando sobre a seca no Nordeste, o ʺsol ardente sem temorʺ, além da cultura e do folclore de Juazeiro do Norte.

Engenho da Rainha exaltou o Padre Cícero em um desfile em tons mais dramáticos, destacando a seca do Nordeste

Com dois mil componentes e seis carros alegóricos, a vermelho e branco, considerada ʺa primeira academia do carnavalʺ, teve seu samba (dos autores Haroldo Cesar Franja, Marão, Zé Antônio e Zé Luiz) brilhantemente conduzido por Ciganerey. Os carnavalescos que assinaram o desfile foram Carlinhos de Andrade e Artur Alegria. A agremiação chegou em sexto lugar.

2. Unidos da Tijuca 2019
“Cada Macaco no Seu Galho. Ó, Meu Pai, Me Dê o Pão que Eu Não Morro de Fome!”


A Unidos da Tijuca procurou passar uma mensagem de esperança em dias melhores por meio da história e simbologia do pão. O desfile teve um forte apelo religioso, destacou a relação do alimento com os vários tipos de crenças.

A escola encerrou o primeiro dia do desfile do Grupo Especial em 2019 com um desfile emocionante. Os componentes cantaram o samba em tom de deferência como se fosse uma oração. O público nas arquibancadas também se deixou levar pela mensagem de união que a escola propôs com o enredo.

O desfile da Tijuca em 2019 com forte apelo religioso, destacando a relação do pão com os vários tipos de crenças. Crédito da foto: Nathália Marsal/Carnavalesco

O samba-enredo, de autoria dos compositores Márcio André, Júlio Alves, Daniel Katar, Diego Moura, Dr. Jairo, Nego, Elias Lopes e Junior Trindade, defendeu o amor ao próximo e a ideia de que se cada um desempenhar a sua função no mundo, a vida da humanidade pode ser melhor.

Unidos de Vila Maria 2017 (SP)
“Aparecida - A Rainha do Brasil. 300 Anos de Amor e Fé no Coração do Povo Brasileiro”

A escola de samba Unidos de Vila Maria juntou religião ao carnaval e exaltou Nossa Senhora Aparecida em seu desfile de 2017. A agremiação paulistana lembrou os 300 anos da aparição da imagem da padroeira do Brasil, no Rio Parnaíba do Sul.

A atriz Isabel Fillardis representou Nossa Senhora no carro abre-alas. O refrão do samba-enredo, de autoria de Leandro Rato, Zé Paulo Sierra, Almir Mendonça, Vinicius Ferreira, Zé Boy e Silas Augusto, misturou samba e canto religioso, e foi bastante cantado no Anhembi.

Ao contrário de décadas atrás, quando a Igreja Católica censurava propostas de temas religiosos no carnaval, desta vez as próprias autoridades eclesiásticas ajudaram a Vila Maria a criar e desenvolver o enredo.

A Igreja ajudou com a pesquisa histórica. Apenas com o adendo de que os figurinos fossem mais ʺcomportadosʺ e que se evitasse nudez perto da imagem da santa, o que foi prontamente atendido pela escola.

Foram 3.500 componentes e cinco carros na avenida, em uma hora de desfile. A escola obteve o 7º lugar no Grupo Especial.

Figurino da ala de baianas da Vila Maria remetendo à padroeira do Brasil. Crédito da foto: Zanone Fraissat/Folhapress

HORS-CONCOURS – Beija-Flor 1989
“Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia”


E novamente tornamos a falar do maior desfile de escola de samba de todos os tempos. Para o carnavalesco Joãosinho Trinta, o desfile de uma escola de samba nada mais era que uma grande Ópera de Rua. Com a justificativa de que “quem gosta de miséria é intelectual, pobre gosta de luxo”, o artista maranhense teve a ideia de levar para a Sapucaí o contraste entre o luxo das elites e a pobreza dos mendigos que vivem no meio do lixo. Era uma resposta àqueles que criticavam o excesso de luxo em seus desfiles.

Às vésperas do carnaval, um revés: a Arquidiocese do Rio de Janeiro obteve uma decisão judicial que proibia a escola de apresentar seu carro abre-alas, que trazia uma escultura do Cristo Redentor trajando farrapos. Na manhã de 07 de fevereiro de 1989, a Beija-flor entrou na Sapucaí com seu carro abre-alas e o Cristo Mendigo, totalmente coberto por um grande saco de lixo preto, sustentando uma faixa com os dizeres: “Mesmo Proibido, Olhai Por Nós”. O resto, como sabemos, é história.

Uma das raras fotos do Cristo Mendigo da Beija Flor (ao fundo) em 1989 descoberto

Seguiu-se uma profunda crítica aos contrastes sociais de um país no qual extrema pobreza e extrema riqueza convivem em aparente tranquilidade e permanente tensão. Era necessário limpar todo o lixo físico, mental e espiritual do Brasil, onde o luxo de uns poucos é responsável pela calamidade de muitos. O lixo do luxo seria escancarado.

O cronograma do desfile da Beija-Flor em 1989 teve a seguinte sequência:

PERÍODO DAS TREVAS: o primeiro setor comparava a miséria da Europa medieval com a miséria brasileira atual; enquanto apenas uns poucos senhores feudais ostentavam riqueza na era medieval, muitos brasileiros tornaram-se ricos ilícita e desonestamente, causando a degradação da maior parte da população brasileira.

LIXO DAS IGREJAS: crítica à riqueza adquirida pela exploração da fé e a promessa da salvação das almas. Infelizmente, muito atual.

LOUCURA: desequilíbrio, fome e miséria enlouquecendo o povo; mazelas causadas por gente louca, diga-se, que dirigiu e dirige o mundo, causando guerras e gastando fortunas com o derramamento de sangue. O setor trazia a representação dos quatro Cavaleiros do Apocalipse.

LIXO DO SEXO: o enredo abria espaço ao sadismo, às inversões e às perversões sexuais, trazendo uma alegoria que reproduzia uma sauna romana, com o ator Alexandre Frota e a atriz e apresentadora Sônia Lima como destaques.

LIXO DA IMPRENSA: uma crítica ao sensacionalismo de uma parte irresponsável da imprensa; mas notícias também viravam lixo, e de pedaços de jornais e revistas os apanhadores de papel faziam suas fantasias para se integrarem ao grande baile.

LIXO DA POLÍTICA: no futebol, ou na economia, grandes ladrões parecem anjos em meio a negociatas duvidosas. E todos pagam para assistir ao Oba-Oba do Planalto. A enorme quantidade de leis, decretos e pacotes é picada e jogada como confete pelos foliões. Jorge Lafond era o destaque da alegoria que fechava o setor, representando a “vedete do Planalto”.

LIXO DOS BRINQUEDOS: tais quais pequenos exus, aos quais foi negado alimento, pivetes partem para a cobrança, lançando mão de lâminas ou tiros certeiros. Enquanto isso, armas e brinquedos violentos misturam-se a ingênuos trenzinhos e tambores, daqueles que ainda têm o que comer. Xuxa e as Paquitas eram os destaques no carro dos brinquedos.

LIXO DA FEIRA: nas primeiras horas da manhã, as feiras-livres oferecem o melhor, para quem pode pagar; depois, há a xepa. Por fim, há o lixo da xepa. A alegoria trazia uma grande abóbora puxada por ratos.

BANQUETE DOS MENDIGOS: todos se reúnem para um grande banquete, com restos de caviar, faisões, perus, peixes, lagostas, cascatas de camarões, queijos finíssimos, vinhos, whiskys, vodcas, champanhes e licores, tudo cercado por muitos ratos e urubus que, pacientemente, aguardam sua vez. Pinah era a destaque da alegoria.

Atenção mendigos, desocupados, pivetes, meretrizes, loucos, profetas, esfomeados e povo da rua... Tirem dos Lixos deste imenso País, restos de luxo e façam a sua fantasia e venham participar deste grandioso Bal Masqué!

Com esses dizeres na segunda alegoria, a Beija-Flor convidava para a grande confraternização que promovia. O luxo seria tirado do lixo.

Firme, belo perfil. Alegria e manifestação. Eis a Beija-Flor tão linda. Derramando na avenida. Frutos de uma imaginação. Foto: Agência O Globo

O desfile reuniu 4.500 foliões. Mesmo promovendo uma verdadeira catarse na avenida, o título não veio. Beija-Flor e Imperatriz Leopoldinense empataram no topo da tabela, com 210 pontos. O desempate ocorreu em uma nota originariamente descartada, no quesito samba-enredo: João Máximo não gostou da letra do refrão do samba composto por Betinho, Glyvaldo, Zé Maria e Osmar, que fazia uma saudação às entidades de rua da umbanda (exus, pombas-gira, etc): Leba, iaro, ôôôô / Ebó, iebará, laiá, laiá ô. A Imperatriz, com o tema “Liberdade, Liberdade, Abre as Asas Sobre Nós”, conseguiu a vitória.

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Gerson Brisolara (Rixxa Jr.)
rixxajr@yahoo.com.br