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1º de novembro de 2019,
nº 38 TEMAS IGUAIS, CARNAVAIS DIFERENTES “Um enredo não
esgota em si todas as possibilidades de realização, por isso, o
mesmo tema é desenvolvido mais de uma vez, de acordo com o
enfoque dado.”
Júlio
César Farias, in: O enredo de escola de samba, 2007, Ed.
Litteris Para 2020, a São
Clemente, no Grupo Especial, e a Acadêmicos de Vigário Geral,
pela Série A, vão apresentar enredos com o mesmo título:
“O conto do vigário”. Porém, tudo leva a crer, por
ambas as sinopses, que o enfoque de uma não será igual ao da
outra. Segundo o
carnavalesco Jorge Silveira, a escola amarelo e preto da zona
sul, tradicionalmente irreverente, vai homenagear a cidade
mineira de Ouro Preto. O tema da São Clemente retrata a suposta
disputa ocorrida entre as paróquias do Pilar e da Conceição
pela imagem de Nossa Senhora. A lenda conta que no século XVIII, para resolver a disputa pela posse da imagem, um dos vigários sugeriu que a santa fosse colocada em um burro entre as duas igrejas, e a imagem ficaria com aquela em que o burro seguisse o caminho. Mas por trás dessa maneira aparentemente justa de resolver a questão, estava um segredo: o vigário que propôs a ideia sabia que o animal já estava acostumado a seguir o caminho do Pilar. Diante disso, não deu outra, e a imagem ficou na posse da paróquia do Pilar, criando assim o termo “conto do vigário”, usado em situações em que alguém conta uma mentira para se dar bem. Já a proposta da Acadêmicos de Vigário Geral (que por sinal leva a palavra “vigário” já no nome, em função do bairro da Zona da Leopoldina, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro) é mostrar as farsas contadas sobre um “paraíso” chamado Brasil, que impediram o país de se dar bem, frustrando sonhos, lutas e desejos, em nome do famoso jeitinho brasileiro. Não é de duvidar, no entanto, que os carnavalescos da AVG, Rodrigo Almeida, Alexandre Costa, Marcus do Val e Lino Sales não mostrem durante o desfile uma das versões para a origem da expressão “conto do vigário”, se referindo ao método de ludibriar as pessoas – que é o mote da coirmã São Clemente. O tema de ambas as
escolas são semelhantes? A resposta poderá ser obtida no
Sambódromo da Marquês de Sapucaí, no dia 21 de fevereiro
(sexta-feira – véspera do Carnaval), a partir das 22 horas,
com o desfile da Acadêmicos de Vigário Geral, primeira a
desfilar na Série A; e na segunda-feira de Carnaval (dia 24 de
fevereiro), a partir das 21h30, com a apresentação da São
Clemente, que abre o segundo dia de desfile no Grupo Especial. O
Top 10 Sambario
enumera dez situações onde escolas de samba do Rio de
Janeiro apresentaram temas
de cunho parecido no mesmo carnaval. Em São Paulo, muitos se
lembram do clássico caso do sorvete que embalou Águia de
Ouro e Acadêmicos do Tucuruvi em 2008. Quem sabe vale até
uma
continuação para as próximas colunas. Bem,
qualquer
coincidência, não terá sido mera
semelhança... 10º
lugar – PONTE x TRADIÇÃO (1993) Temas iguais: Máscaras Carnavais
diferentes: Foram diferentes até porque os desfiles foram em grupos e dias diferentes. A Unidos da Ponte apresentou “A face do disfarce” e surpreendeu com um carnaval luxuoso (com a assinatura do então estreante carnavalesco Roberto Szaniecki), um dos sambas mais bonitos da safra daquele ano e uma bateria poderosa cheia de gingado. A escola abriu o desfile de domingo, no Grupo Especial. Enredo
sobre as máscaras marcou a estreia de Roberto Szaniecki como
responsável por um desfile
Que
eu quero você sorrindo Bota
fé no seu olhar Que
o amanhã será bem-vindo Adilson
Xavier (Unidos da Ponte 1993) Com um enfoque
muito parecido, a Tradição apresentou “Não me leve a
mal, é carnaval”, da carnavalesca Lícia Lacerda, um
desfile digno de Especial, após amargar o rebaixamento no ano
anterior. A escola encerrou a primeira noite de desfile do Grupo
1 (atual Série A). O condor,
símbolo da Tradição, estava inserido no contexto do enredo e
apareceu mascarado no abre-alas Se
o seu sorriso é de prazer Ou
de desgosto Tire
a máscara da face Deixa
ver seu lindo rosto Jajá
Maravilha, Tonho, Aniceto e Sandro Maneca (Tradição 1993) Quem se deu
bem? A Ponte ficou no
14º e último lugar, mas graças ao regulamento, manteve-se no
Especial porque naquele ano não houve descenso. A Tradição foi
a campeã do Grupo A e retornou à elite do carnaval no ano
seguinte. 9º
lugar – BEIJA FLOR X SALGUEIRO (2002) Temas iguais: Aviação. Carnavais
diferentes: Em 2002, as
arquibancadas da Marquês de Sapucaí viram aviões em dobro. A
Deusa da Passarela e a Academia do Samba falaram sobre o sonho do
homem de voar e citaram os pioneiros da aviação no Brasil. A
Acadêmicos do Salgueiro, patrocinado pela TAM (atual Latam)
– cujas cores também são vermelho e branco –,
apresentou “Asas de um sonho, viajando com o Salgueiro, o
orgulho de ser brasileiro”, uma homenagem ao seu
fundador, o Comandante Rolim Adolfo Amaro (1942 – 2001).
Teve merchan subliminar até na letra do samba, como no verso
“TAManho orgulho te cantar na academia”. A obra, ao que
se comenta, teve o compositor André Diniz na parceria, porém,
sem assinar. Alegoria
que representou o fundador da TAM, Comandante Rolim Amaro Hoje eu vou
salgueirar, da avenida voar Com a bandeira
do meu país Vou com Santos
Dumont, Tirando onda
em Paris Leonel,
Luizinho Professor, Serginho 20, Sidney Sã, Claudinho e Nêgo
(Salgueiro 2002) Já a Beija-Flor, segundo foi noticiado na época, teria recebido investimento da Varig (já nos seus estertores). Por coincidência (ou não) a já extinta empresa aérea também era azul e branco, as mesmas cores da escola de Nilópolis, que mostrou o enredo “O Brasil dá o ar da sua graça - De Ícaro a Rubem Berta, o ímpeto de voar”, com uma apresentação exuberante e rica como sempre. No CD de 2002 podemos conferir na gravação da faixa da escola de Nilópolis os acordes de “Estrela brasileira”, o famoso jingle de natal da empresa aérea, tanto na introdução como ao final da faixa (Varig! Varig! Varig!). Detalhe da
elogiada comissão de frente da Beija-flor de 2002, ao amanhecer Glória a um
gaúcho sonhador Fez da moderna
aviação A integração
nacional No seu desejo
profundo Este cidadão
do mundo Lutou pela
igualdade social Wilsinho Paz,
Elcy, Gil das Flores, Alexandre Moraes, Tamir, Tom-Tom e Igor
Leal (Beija-Flor 2002) Quem se deu
bem? O Salgueiro ficou
em sexto lugar. A Beija-Flor, por apenas um décimo, perdeu o
campeonato para a Mangueira e foi “tri vice”
(vice-campeã pelo terceiro ano consecutivo). 8º
lugar – PORTO DA PEDRA X SALGUEIRO (1997) Temas iguais: Loucura Carnavais
diferentes: Estava todo mundo louco na Sapucaí no carnaval de 1997. O Salgueiro encerrou a noite de domingo (já no amanhecer de segunda-feira) com “De poeta, carnavalesco e louco... Todo mundo tem um pouco”, destacando a loucura como ingrediente do talento artístico (artes plásticas). Salgueiro
resolveu abordar a genialidade da loucura, com elevado grau de
intelectualidade artística Arte, ou será
loucura? A busca
continua Em sua
liberdade de expressão Barca, me leva Pelos caminhos
do Sol E desse sonho,
eu não quero acordar Visto a arte
em fantasia Pra fazer meu
povo delirar Márcio
Paiva, Adalto Magalha, Eduardo Dias, Tico do Gato, Guaracy e
Quinho (Salgueiro 1997) Já a Unidos do Porto da Pedra apresentou “No reino da folia, cada louco com sua mania”, onde enumerou os grandes loucos da História. Destaque para o carro abre-alas “Portal da Loucura”. O Tigre abre
as portas de um hospício imaginário, no caso, o delirante
desfile da Porto da Pedra Nem todos os
que aqui estão são loucos Nem todos que
são loucos, aqui estão Neste reino da
insanidade A teimosia e a
vaidade dão as mãos Vadinho,
Carlinhos e Pinto (Porto da Pedra 1997) Quem se deu
bem? Nesta queda de
braço da loucura, a Porto da Pedra se deu melhor, conquistando
um quinto lugar, sua melhor colocação em desfile de carnaval
até hoje. O Sal ficou em sétimo e naquele ano não voltou na
Noite das Campeãs. 7º
lugar – PORTELA X IMPÉRIO DO MARANGÁ (1983) Temas iguais: Coroas e reis Carnavais
diferentes: Seria até covardia comparar a Portela da primeira metade dos anos 80 (majestosa, luxuosa e sempre favorita ao título) com a humilde, simpática e infelizmente já extinta Império do Marangá, escola do bairro de Jacarepaguá. Em 1983, a Portela apresentou “A ressurreição das coroas - reisado, reino e reinado”, dos cracaços Edmundo Braga e Paulino Espírito Santo. O enredo mostrou a tradição das majestades de origem índia, europeia e negra. A majestosa
águia, guarnecida pela comissão de frente da Portela, na época
trajada de fraque e cartola De pluma, de
ouro, de prata ou de lata As coroas têm
as suas tradições O rei mandou
sambar O rei mandou
vadiar No carnaval
das ilusões Hilton
Veneno e Mazinho da Piedade (Portela 1983) Já a Império do Marangá naquele ano integrava o Segundo Grupo. Recorrendo a um expediente bem comum naqueles tempos pré-sambódromo, a escola aproveitou que o Segundo Grupo desfilava na segunda-feira de Carnaval (um dia depois do Grupo Especial) e entrou na avenida com alegorias “emprestadas” da própria Portela e da Unidos de Vila Isabel. O enredo “A coroa do rei não é de ouro, nem de prata” abordava a mania do brasileiro em “coroar” quem se destacava em determinadas áreas de atuação. Casal de
mestre-sala e porta-bandeira da Império do Marangá no desfile
de 1980 Terra de reis,
que ilusão Monarcas sem
coroa e sem brasão (...) É rei da voz Rei da
canção, rei do cangaço Rei do angu,
rei do baião Do futebol, do
carnaval Da malandragem E da
comunicação Aniceto,
Angola e Tonho (Império do Marangá 1983) Quem se deu
bem? A Portela obteve um
merecido vice-campeonato naquele ano, sendo superada pela
constelação de estrelas negras apresentada pela Beija-Flor
(último carmpeonato de Joãosinho Trinta na escola de
Nilópolis). A Império do Marangá chegou em 12º lugar (última
colocação), mas se manteve no Segundo Grupo, que naquele ano
não teve rebaixamento. 6º
lugar – BEIJA-FLOR X PORTELA (1979) Temas iguais: A ilusão do Carnaval Carnavais
diferentes A Portela percebeu as transformações por que passavam as escolas de samba e resolveu se reinventar para o carnaval de 1979. Contratou Viriato Ferreira (1930 – 1992), então braço-direito de Joãozinho Trinta (1933 – 2011) na Beija-Flor. Foi o primeiro carnaval assinado por Viriato. As comparações entre a Majestade do Samba e a Deusa da Passarela foram inevitáveis, sobretudo pela semelhança entre os temas que essas escolas de mesmas cores – azul e branco – apresentariam. O “chuveiro
da ilusão”, alegoria delirante de J30 no “Paraíso da
Loucura” nilopolitano Ao ecoarem os
clarins da folia, o sonho Filho da noite
e do infinito é o rei No paraíso da
loucura ao povo proclamou a seguinte lei Esqueçam os
problemas da vida, o trem, o dinheiro e a bronca do patrão Não pensem em
suas marmitas nem no alto preço do feijão Savinho, Luciano e
Walter de Oliveira (Beija-Flor 1979) Enquanto Joãozinho Trinta falava do carnaval através do “Paraíso da Loucura”, Viriato preparou o enredo “Incrível, fantástico e extraordinário”, demonstrando que, apesar das dificuldades do dia-a-dia, o povo brasileiro era capaz de realizar todo ano o maior espetáculo da terra. A Portela
entrava na Sapucaí sob os gritos de “É campeã!” mas
ficou com um contestado terceiro lugar O povo vai
viver doce ilusão Se extasiando
no jardim da sedução Ôôôôôôôôôôô! A alegria já
contagiou A ordem do rei
é brincar Quatro dias
sem parar David
Correa, Tião Nascimento e J. Rodrigues (Portela 1979) Quem se deu
bem? Apesar de ter
entrado na avenida com o mesmo impacto visual dos anos
anteriores, a escola de Nilópolis apresentou um desfile próximo
do morno. Será que o povo da Baixada acreditava que era só
entrar na avenida, desfilar para cumprir tabela que o
tetracampeonato viria automaticamente? Ao final da apuração, a
Beija foi a vice-campeã, atrás apenas da Mocidade Independente.
Entre o povo, críticos e especialistas, a Portela deixara a
passarela como favorita, principalmente após a premiação do
Estandarte de Ouro. A escola de Madureira e Oswaldo Cruz terminou
em terceiro lugar, atrás de Mocidade e Beija-Flor, e algumas
notas causaram surpresa. Indignado, o então presidente Carlinhos
Maracanã bradou que o resultado havia sido uma armação e
divulgou que, para o ano seguinte, o enredo da Portela seria
“Hoje tem marmelada”, um título em duplo sentido, pois
valeria como uma homenagem ao circo, e ao mesmo tempo um
protesto, haja vista que, na linguagem informal, “marmelada”
quer dizer “negócio inescrupuloso”. 5º
lugar – CABUÇU X MOCIDADE (1989) Temas iguais:
“Trem Azul”, canção que fora consagrada nas vozes de
dois dos homenageados em 1989: Milton Nascimento e Elis
Regina. Carnavais
diferentes: Na verdade, uma
grande expectativa nos dois desfiles era como seria retratada a
canção “O trem azul” (Lô Borges e Ronaldo Bastos),
que foi imortalizada nas vozes de dois ícones da MPB
homenageados no carnaval daquele ano. Segunda escola a desfilar
na noite de domingo, a Unidos do Cabuçu homenageou o cantor e
compositor Milton Nascimento com o tema “Milton
Nascimento, sou do mundo, sou de Minas Gerais”,
desenvolvido pelo carnavalesco Beto Sol, que substituiu Alexandre
Louzada, que brigou com a direção da escola logo no início dos
preparativos para o desfile. A Cabuçu foi embalada por um
excelente samba-enredo (um dos melhores da história da escola).
A alegoria Trem Azul veio simples e básica: esculpida em partes
de isopor e fibra de vidro, trouxe várias mulatas, além da
atriz Fátima Freire como destaque. No mesmo carro alegórico, o
cantor Markinhos Moura representou a fumaça(!) da locomotiva. O trem azul
cabuçuense no desfile em homenagem ao compositor Milton
Nascimento Nesse trem
azul Vou fazer a
travessia Solto a voz
pelas estradas No raiar de um
novo dia Beto
Pernada, Rebello, Ney do Cabuçu e Jadir (Cabuçu 1989) Quarta escola a desfilar na noite de domingo, Elis Regina (1945 – 1982) foi o enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel, marcando o primeiro carnaval sem o carnavalesco Fernando Pinto (1945 – 1987), e o último com o mítico intérprete Ney Vianna (1942 – 1989). O belo samba, de autoria de Paulinho Mocidade, Dico da Viola e Cadinho (mais lírico e poético do que os irreverentes sambas dos carnavais anteriores), impulsionou a escola a uma boa exibição. O “Trem Azul” da Mocidade encerrou o último setor do desfile, com uma alegoria toda em neon azul, mais requintada e sofisticada do que da coirmã Cabuçu. O trem azul
da Mocidade Independente no enredo que homenageava Elis Regina Vem do céu
essa magia Essa luz que
ilumina É
fascinação Num trem azul
chamado emoção Paulinho
Mocidade, Dico da Viola e Cadinho (Mocidade 1989) Quem se deu
bem? Apesar de um
desfile emocionante e plasticamente bonito, a Mocidade ainda
estava enlutada e saudosa da criatividade tropicalista de
Fernando Pinto e ainda buscava uma nova identidade naquele
período pré-Renato Lage. Dentro das condições oferecidas, os
responsáveis pelo enredo “Elis, um trem chamado emoção”,
Ely Peron e Rogério Figueredo, realizaram um bom trabalho
fazendo com que a verde e branco da Vila Vintém, obtivesse a
sétima colocação. Já a Cabuçu,
mesmo contando com a presença ilustre do homenageado Milton
Nascimento e da nata da MPB, pecou em vários momentos do desfile
como fantasias, harmonia e evolução, ficando apenas com o 14º
lugar, salvando-se do rebaixamento graças ao tapetão. 4º
lugar – IMPÉRIO X UNIÃO DA ILHA (1987) Temas iguais: História da
comunicação e imprensa Carnavais
diferentes O Império Serrano abordou a história dos meios de comunicação no Brasil, tendo como fio condutor do enredo uma homenagem ao apresentador de TV, Abelardo Barbosa, o Chacrinha (1917 – 1988), que inclusive desfilou com a Serrinha. O enredo “Com a boca no mundo quem não se comunica se trumbica”, de Ney Ayan, teve como enfoque a chegada da comunicação com o Descobrimento (a carta de Pero Vaz de Caminha) até a “era da televisão” que, desde a segunda metade do século 20, nos chegava “via Embratel”. O Velho
Guerreiro e Elke Maravilha em alegoria da Império Serrano no
enredo sobre comunicação Se liga,
ligação vai ser preciso Aviso o verbo
é comunicar Caminha nem
pestanejou Como agente da
passiva Se comunicou Beto
Sem Braço (Império Serrano 1987) Já a União da
Ilha do Governador resolveu mostrar a emoção de elaborar um
jornal diário, apresentando as seções de politica, economia,
cadernos de esporte, suplemento de cultura, classificados, etc.
“Extra! Extra!”, de Alexandre Louzada, contou a
história da imprensa e homenageou as emissoras de rádio, de
televisão e as principais empresas jornalísticas do país, mas
não sem antes se referir também à carta de Pero Vaz de
Caminha. Detalhe de
carro alegórico no desfile da União da Ilha com o logotipo
estilizado da TV Manchete Caminha mandou
foi de cocheira, Foi notícia
de primeira Seu Cabral!
Que legal! Olha eu aí
olha eu aí Vim botar
“a banca” Na Sapucaí J.
Brito e Bujão (União da Ilha 1987) Quem se deu
bem? Com um samba
animado e irresistível (daqueles que o comentarista Fernando
Pamplona (1926 - 2013), da Rede Manchete, classificava
carinhosamente como “marcha-enredo”) e um desfile
plasticamente exuberante, a Império obteve a terceira
colocação. A Ilha, também animada, igualmente “comunicativa”
e com um samba idem “marcheado” – magistralmente
interpretado por Aroldo Melodia (1930 - 2008) – se rendeu ao
gigantismo que já imperava nas escolas ditas grandes e que
começava a afetar as agremiações medianas na década de 80. A
tricolor insulana, que desfilou com mais de 5.200 componentes
distribuídos em inacreditáveis 52 alas (o maior contingente da
Marquês de Sapucaí naquele ano), não foi bem em notas
como harmonia e evolução e ficou apenas com o 9º lugar. 3º
lugar – EM CIMA DA HORA X JACAREZINHO (1976) Temas iguais: Guerra dos Canudos Carnavais
diferentes O mesmo tema,
desfilando no mesmo dia, porém, em categorias diferentes.
Sebastião Souza de Oliveira e Dirceu Quintanilha adaptaram para
o carnaval da Em Cima da Hora o livro “Os Sertões”,
de Euclides da Cunha, que conta a história da Guerra dos
Canudos. Assim como o livro, o desfile foi concebido em três
partes: “A terra” (sobre o sertão baiano); “O
homem” (sobre as características do sertanejo); e “A
guerra” (sobre o conflito propriamente dito). A essas três
partes, os carnavalescos acrescentaram uma quarta, “A paz”,
um epílogo sobre a bravura dos jagunços de Canudos. O enredo,
exaltando os rebeldes de Canudos, chamou a atenção da ditadura
militar. Em consequência, elementos do desfile foram proibidos
de deixar o barracão e chegar à avenida. Como se não bastasse,
uma forte chuva destruiu quase tudo o que sobrou das alegorias,
poupando apenas o carro abre-alas. A ECDH abriu os desfiles do
Grupo Especial em 1976, na Avenida Presidente Vargas, no dia 29
de fevereiro – Domingo de Carnaval. Chuva
destruiu alegorias da Em Cima da Hora, restando intacto apenas o
carro abre-alas Os jagunços
lutaram Ate o final Defendendo Canudos Naquela guerra
fatal Edeor
de Paula (Em Cima da Hora 1976) Com “Canudos,
sua história, sua gente”, a Unidos do Jacarezinho
apresentou praticamente o mesmo tema da coirmã do bairro de
Cavalcanti, com o diferencial de centrar mais no povo e na gente
de Canudos. O desfile da rosa e branco foi no mesmo dia da ECDH,
porém, no Segundo Grupo e na Avenida Presidente Antônio Carlos,
igualmente no Centro da cidade do Rio de Janeiro. A divisão do
desfile também era em quatro partes: a vida (dos sertanejos), o
mito (de Antônio Conselheiro), a luta (Guerra no Arraial de
Canudos) e a lenda (as lágrimas de sangue vertidas pela imagem
de Nossa Senhora do Rosário vista por Antônio Conselheiro). Capa da
revista que divulgava o enredo de 1976 da Unidos do Jacarezinho O bravo povo
de Canudos Suportando as
perseguições Repelia com
fibra e valentia As investidas
das expedições Lutaram com
heroicidade Vendendo caro
a liberdade Na luta
travada nos sertões Meireles,
Guaraci, Moreira e Thompson (Jacarezinho 1976) Quem se deu
bem? Apesar do
samba-enredo “Os Sertões” (de autoria de Edeor de
Paula) ser considerado um dos melhores da história do carnaval
carioca e estar presente em praticamente todas as antologias do
gênero, a Em Cima da Hora terminou em 13º lugar, com 77 pontos,
e foi rebaixada para o Grupo 2 (atual Série A) ao lado de Lins
Imperial (11º), Unidos de Lucas (12º) e Tupy de Brás de Pina
(14º). Já naquele
incrivelmente inchado Segundo Grupo de 1976 (no qual desfilaram
20 agremiações!), o Jacarezinho alcançou o sétimo lugar e
ficou numa bela zona de conforto: não era favorita para subir ao
Especial, mas também não correu o risco de cair para o Grupo 3.
2º
lugar – IMPERATRIZ X IMPÉRIO (1994) Temas iguais: A viagem de índios
brasileiros à França para uma festa em homenagem à rainha
Catarina de Médicis. Carnavais
diferentes: O enredo era o
mesmo. As cores das escolas eram as mesmas. Porém, havia
animosidade no período que antecedia os desfiles envolvendo as
agremiações. Os carnavalescos se alfinetavam nos debates
promovidos pela TV Manchete. Até o próprio dia de desfile era o
mesmo. Império Serrano foi a segunda a desfilar na noite de
domingo de carnaval (13/02/94). A Imperatriz Leopoldinense foi a
oitava (última) a desfilar na mesma noite. Só que uma ofuscou
completamente a outra. Era uma espécie de
batalha entre a prima rica contra a prima pobre. Império e
Imperatriz tinham no papel um enredo sobre o mesmo tema: a viagem
de índios brasileiros à França para uma festa em homenagem à
rainha Catarina de Médicis. Mas só no papel. Na avenida, a
Imperatriz apresentou “Catarina de Médicis na corte dos
tupinambôs e tabajeres”. Rosa Magalhães estava no
esplendor de sua criação. A escola deu um show de harmonia
estética, elegância, luxo e brilho. A carnavalesca apostou na
opulência de fantasias brilhosas e carros engenhosos, como o que
reproduziu flores aquáticas, com direito a um falso rio natural.
De quebra, ainda brindou o público presente na Sapucaí e que
assistiu pela transmissão de TV com uma das mais marcantes
comissões de frente de todos os tempos: a famosa “comissão
dos leques”, na qual os componentes da CF vinham fantasiados
de nobres europeus executando refinadas coreografias tendo leques
gigantes como adereço de mão. A histórica e marcante comissão de frente da Imperatriz que trazia nobres com os leques gigantes E lá nas
margens do Sena O Brasil, a
imagem de nudez e coragem Índios,
marujos, enfim Misturavam-se
assim Na mais rica
paisagem Marcio André,
Alvinho, Aranha e Alexandre (Imperatriz 1994) Para o Império e sua “Uma festa brasileira”, dos carnavalescos Cid Camilo e Sancler Boiron, tudo deu errado: carros alegóricos quebrados, problemas de evolução e fantasia mal-acabadas. A única boa ideia foram as alas de índios pintados com guache vermelho terra, imitando o urucum utilizado nas cerimônias de guerra. A ironia é que, na hora de escolherem a melhor comissão de frente, o júri formado por convidados do jornal O Globo, se confundiram e premiaram com o Estandarte de Ouro a modesta guarnição da Império Serrano, em vez de escolher a marcante comissão de frente da Imperatriz.
Detalhe da
sempre imponente coroa imperial da verde e branco da Serrinha Lá se vão Marujos,
tabajaras e tupinambás Até as
margens do Sena Mostrar a
dança solene As maravilhas
da renascença Onde o rei e a
rainha Ficam
encantados com “Uma Festa Brasileira” Lula,
Zito e Beto Pernada (Império Serrano 1994) Quem se deu
bem? A Imperatriz pisou
esplendorosa na avenida. Rica, luxuosa, requintada e... técnica!
Perfeita em todos os quesitos amealhou uma profusão de notas 10
garantindo o título de campeã daquele ano. Já a
Império Serrano, como sabemos, enfrentou uma gama de problemas.
Além dos quatro carros quebrados, ainda perdeu pontos preciosos
em alegoria e evolução. Só conseguiu se manter no Grupo
Especial graças a manobras políticas, que impediram seu
rebaixamento. 1º
lugar – BEIJA-FLOR X SALGUEIRO (1978) Temas iguais: O mito da formação do
universo sob a ótica da cultura ioruba. Carnavais
diferentes: A história, mesmo verídica, é tratada como uma espécie de lenda do carnaval carioca. Bicampeã em 1976-77, a Beija-Flor, através de seu carnavalesco Joãosinho Trinta, anuncia que o enredo para o carnaval de 1978 seria “A criação do mundo na tradição nagô”.
Bailou no ar O ecoar de um
canto de alegria Três
princesas africanas Na sagrada
Bahia Iyá-Kalá,
Iyá-Detá, Iyá-Nassô Cantaram assim
a tradição nagô Olorum, senhor
do infinito, Ordena que
Obatalá Faça a
criação do mundo Neguinho
da Beija-Flor, Gilson Dr. e Mazinho (Beija-Flor 1978) Para quebrar o
jejum de dois anos sem o campeonato, o Salgueiro resolveu também
apostar na tradição de seus vitoriosos carnavais afro (como
“Quilombo dos Palmares”, em 1960, e “Bahia de
Todos os Deuses”, de 1969) e também no talento de Fernando
Pamplona, que havia sido mestre do próprio J30. Como uma
espécie de duelo particular entre os dois carnavalescos,
Pamplona resolve que faria o mesmo enredo anunciado pela coirmã
nilopolitana: surge “Do iorubá à luz, a aurora dos
deuses”. Estandarte
do Salgueiro com o título do enredo do carnaval de 1978 Olorum, ô-ô, Misto de
infinito e eternidade Também teve
seu momento de vaidade, Criou a terra
e o céu de Oxalá Pra gerar
Angaju e Iemanjá E Iemanjá,
além de Xangô Em seu ventre,
doze entidades gerou Pra reinarem
pregando a paz e o amor” Renato
de Verdade (Salgueiro 1978) Quem se deu
bem? Em 1978, a
Beija-Flor entraria definitivamente no rol das grandes escolas:
desde 1959, com a Portela, uma escola de samba não se sagrava
campeã do carnaval por três anos consecutivos. Joãosinho
Trinta passou a ser um mito no carnaval: sagrou-se campeão por
cinco anos consecutivos (duas vezes no Salgueiro e três na
escola de Nilópolis), consagrou e popularizou a função de
“carnavalesco” como profissão e cunhou a frase que se
tornou célebre, a de que “quem gosta de miséria é
intelectual e pobre gosta é de luxo”. Já o Salgueiro
passava por uma grave crise política e financeira, que se
refletiram naquele desfile. A chuva, que caiu poucas horas antes,
danificou as alegorias da escola na concentração. Homens
armados teriam ameaçado o carnavalesco Fernando Pamplona e seus
auxiliares, responsáveis pelos carros – o jovem Renato Lage
e Stössel Cândido – e impedido os profissionais de
consertarem os danos, o que gerou a desconfiança de sabotagem
contra a escola. O Salgueiro atrasou o começo do desfile e havia
a expectativa de que a escola não levasse os cinco pontos de
bônus pela concentração. Com 147 pontos e
obtendo o sexto lugar, o Salgueiro por pouco não foi rebaixado
(a sétima colocada, Império Serrano, com 139, juntamente com a
Unidos de Vila Isabel (8ª), Arrastão de Cascadura (9ª) e
Arranco do Engenho de Dentro (10ª) caíram para o Segundo
Grupo). Como uma espécie de prêmio de consolação, o Salgueiro
arrebatou o Estandarte de Ouro de Samba-Enredo, magistralmente
composto por Renato de Verdade. Depois da sabotagem ao desfile do
Salgueiro, Fernando Pamplona prometeu a si mesmo e à esposa Zeni
que jamais seria carnavalesco num desfile. Cumpriu, embora tenha
escrito posteriormente outros enredos para o Império Serrano,
como por exemplo “Bumbum paticumbum prugurundum”
(1982). Após ter se aposentado como carnavalesco, Pamplona
iniciou um inesquecível trabalho como comentarista nas
coberturas de TV, como na TVE (1980-1982), TV Bandeirantes (1983)
e, principalmente na TV Manchete (1984-1997). ************************************************** Gerson
Brisolara (Rixxa Jr.)
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