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SAMBA-ENREDO TOM MAIOR 2022
por Bruno Malta
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história clássica sob uma roupagem brasileira de raiz.
É assim que podemos definir o enredo da Tom Maior. Com o
preceito original do best-seller O Pequeno Príncipe, a
agremiação apresenta a versão cordelista do famoso
livro sem abrir mão dos ensinamentos doces e das perguntas
profundas que norteiam a narrativa.
A proposta de abrasileirar o clássico Pequeno Príncipe virou enredo na Tom Maior Um dia surgiu n’agreste Não se sabe bem de onde Do espaço ou do Nordeste Uma criança sem nome Uns lhe chama vam galego Outros dizem sarará Eu digo que era um minino Que veio pra me ensinar Capítulo II Ia por aquelas terras Sem rumo mas com missão Busca va, ó, vê se pode, No seco do meu sertão, Pra sua flor proteger, E também seu coração, Queria ele arrastar Um bode de estimação Capítulo II Capítulo VII Dizia coisas bonitas, mas duras de aceitar Revoada de asas brancas Lhe trouxe pr’esse lugar Mostrou que gente crescida Por mais que a gente repita Não entende nada da vida, Nem peleja em imaginar Capítulo I Capítulo XIX Vivem sempre a vexados Mesmo sem saber por quê? Correm tontos para os lados Caçando o tempo, e cadê? E nesse aperreio de ter Mal sabem que a mais doída Muléstia que a gente tem É o tempo que se foi, sem viver Capítulo IV Capítulo XXII Capítulo XXIII Ligeiras são as crianças Ou quem se sente assim Com mais perguntas na mente Do que respostas ruins Sabe da vida o mistério: Pra sê rico de verdade Não le va a danada a sério E vive a felicidade Capítulo II Se a vida te apequena Não arrede o caminhar Miúdo, arranque o problema Pro mal não se agigantar Sem brabeza com as lagartas Se quer borboletas no ar Se alembre que O rei mais sábio Sabe o que pode mandar Capítulo XX Capítulo V Capítulo IX Capítulo X Não existe juiz mais duro que aquele visto no espelho. Não há cachaça que afaste A gente da gente mesmo Mesmo errando o caminho Se a busca é ser feliz Então ouça com carinho Não perca sua raiz Capítulo X Capítulo XII Capítulo XI Capítulo XVII De que vale tudo ter Se no peito nada cabe? Seguir regras sem sentido Que só pros malucos valem Sem nunca ir explorar Conhecer cada lugar? Ter um monte de amigos E ninguém pra visitar? Capítulo XII Capítulo XIV Capítulo XV A verdade está aqui Mas pros olhos é invisível Só se enxerga o essencial Com seu coração sensível Disse ele em tom amável Guarde sempre este segredo É pra sempre responsável Por todos que tem chamego Capítulo XXI Chamegar é querer bem Ter os laços arrochados Conhecer bem mais além Ver os corações ligados Hoje eu vou te dar um cheiro Sertanejo ritual É o chamego que eu te dei Que te faz especial Capítulo XXI Ah, minha escola querida Se desfila logo às quatro Desde as três esse boato Já alegra minha vida Quando a sirene tocar Diga ao Francês aviador A Tom chegou pra avisar Hoje o Príncipe voltou Capítulo XXI Capítulo XXVII Samba-Enredo Gravação do Estúdio Créditos: Divulgação oficial — Liga/SP Samba ao vivo Créditos: Site Carnavalesco Compositores: Jairo Roizen, Morganti, Sukata, Valêncio, Nelson Valentim, Tubino, Jadson Fraga, Luan, Alexandre Gordão, Beto Savanna, Claudinho, Meiners e Victor Alves Intérprete: Gilsinho Participação Especial: Cacá Nascimento Letra do samba Um dia na luz do agreste Sem lenço e documento eu parti Dos versos de um bandoleiro “Di repente um minino” estava ali Na seca do sertão a proteger a flor Quiçá seu coração No céu se avoou a doce inspiração Nas asas de um sonhador E ainda mostrou que gente tão crescida Não entende dessa vida e a verdade do amor Esse mundo de mistérios não me faz compreender Que tem rico de dinheiro que é tão pobre de valor Se o mundo te apequena nunca deixe de sonhar Na pureza de um olhar, vi um sábio contador Deixa a dor “vaguear”, vagueia “Óia” a terra a girar Vê que o mundo é feito borboleta Não se avexe que a tristeza Logo vai se transformar Fica a lição! Onde há poesia plante o seu torrão Não esqueça de molhar sua raiz Seguindo os caminhos de um final feliz Guarde todo amor dentro do peito Ainda é tempo de esperança Nosso futuro está no sorriso da criança Um chamego é bom demais, coração sabe de cor O planeta da alegria é onde canta a Tom Maior O menino avisou pro meu povo arretado Que o príncipe voltou pra regar o chão rachado Análise Se mostrando bastante versátil, a Tom Maior apresenta um enredo diferente do histórico recente. Com muito conteúdo, a ideia é trazer luz a uma história clássica através de abordagem peculiar e brasileira. Com o tema “O pequeno príncipe do sertão”, a agremiação traz para a avenida uma releitura do best-seller da literatura na visão cordelista de Josué Limeira. Tudo isso por si só já traz um frescor ao tema e somado a maneira como respeita o preceito original é o principal ponto de destaque. A magia e os ensinamentos da estrutura original não são, em momento algum, esquecidos pela adaptação ou mesmo pelo enredo. Você embarca no conceito do livro francês, mas se transporta na realidade do sertão nordestino onde o folclore e as tradições são o pano de fundo dos “ensinamentos doces” e as “perguntas profundas” que envolvem o relato. O samba que embalará esse desfile traz uma melodia quase pueril e uma letra que desenvolve uma construção descritiva dos cenários, mesmo que de forma confusa no modo de contar. De autoria de Jairo Roizen, Morganti, Sukata, Valêncio, Nelson Valentim, Tubino, Jadson Fraga, Luan, Alexandre Gordão, Beto Savanna, Claudinho, Meiners e Victor Alves, a composição segue o padrão imposto pela parceria em seu perfil de compor. O respeito aos pontos-chaves do enredo são primordiais mesmo que isso traga uma morosidade e a sensação de “poderia ser melhor”. Na visão do enredo, o “pequeno príncipe” surge num “galego miúdo” no Nordeste brasileiro, ao longo da obra, ele vai deixando sua marca com a visão infantil sobre a vida adulta, como é, de fato, o intuito do desenvolvimento original. Em termos de construção narrativa, confesso que vejo algumas situações problemáticas. A primeira delas é a opção por contar esse tema através do olhar do caminhoneiro. É como se entre “protagonistas”, existisse alguma predileção prévia para um e não para outro, o que não me parece exatamente adequado. A partir dessa opção, na primeira estrofe, o samba se inicia com “Um dia na luz do agreste // sem lenço e documento eu parti”. A questão é que isso não é bem desenvolvido na narrativa. Em determinados momentos, o ouvinte fica na dúvida sobre quem está contando a história. Como a premissa segue o preceito original, isso confunde quem escuta. Por exemplo, a oração “dos versos de um bandoleiro” além de não continuar o que vem sendo contado anteriormente também não transfere o cenário da saga ao que vem a seguir (-0,1 fid.) que é o “di repente, um minino estava ali”. Por trazer a sensação de uma mudança narrativa nesses versos, a audição fica comprometida. A sequência, no entanto, é interessante com “na seca do sertão a proteger a flor // quiçá seu coração” que traz uma conectiva muito boa na união de flor e coração na mesma oração. O problema é que “no céu se avoou // a doce inspiração nas asas de um sonhador” não conversa com o que vem antes e nem com o que vem a seguir. Quem voou? Quem ou qual é a doce inspiração? Quem é o sonhador? (-0,1 adeq.). O trecho é finalizado com uma definição sobre o menino que diz “e ainda mostrou que gente tão crescida não entende dessa vida e a verdade do amor” que sintetiza a desconexão dos versos anteriores com o restante já apresentado. No refrão central e na segunda estrofe, seguem os problemas no que se refere ao que está sendo contado e como está sendo feito isso. No primeiros, os dois primeiros versos parecem ser o menino falando “esse mundo de mistérios // não me faz compreender // que tem rico de dinheiro que é tão pobre de valor”, já na segunda parte “Se o mundo te apequena nunca deixe de sonhar // na pureza de um olhar vi um sábio contador” parece ser o alguém respondendo. O problema é que isso não é deixado de uma forma clara, direta, que faça quem está escutando ou lendo a letra entender isso, de forma efetiva. Ou seja, a ideia de trazer um olhar em primeira pessoa narrando a saga não é bem-sucedida. Além disso, esse trecho é todo finalizado em r, o que, com o passar das audições, fica cansativo já que, ainda no trecho anterior, já tinham versos com finalizações em r. Em dez versos, são sete que terminam assim: FloR, sonhadoR, amoR, CompreendeR, valoR, sonhaR, contadoR. (-0,1 riq.poé). Abrindo a segunda parte, o samba tem dois versos que não prosseguem o desenvolvido. “Deixa a dor “vaguear”, vagueia, “Óia a terra a girar” não conseguem se traduzir e estão deslocados (-0,1 adeq.) já que não seguem o que vinha sendo contado e nem com o que vem a seguir pois o “vê que o mundo é feito borboleta” abre o trecho dos “ensinamentos doces” feitos pelo menino e aí que surge o melhor momento do samba. A partir do “Fica a lição! Onde há poesia plante o seu torrão // não esqueça de molhar sua raiz, seguindo os caminhos de um final feliz”, a obra traz uma linda célula melódica e uma construção que resume o enredo em apenas três linhas. É uma pena que o “guarde todo amor dentro do peito // ainda é tempo de esperança, nosso futuro está no sorriso da criança” não dê prosseguimento melódico nessa subida de tom e ainda cause um “buraco” melódico entre “esperança” e “nosso futuro” onde a métrica não ficou encaixada (-0,1 div.mel) No refrão principal, a obra consegue outro grande momento melódico, com a construção de desenhos que são alegres e remetem a uma celebração e servem perfeitamente de pano de fundo para o retorno do príncipe, mas esse momento não é exatamente bem retratado na letra. Os dois primeiros versos “Um chamego é bom demais // coração sabe de cor, o planeta da alegria é onde canta a Tom Maior” são confusos. O segundo consegue inserir bem a agremiação no contexto do tema, mas não consegue complementar a ideia do que é passado no verso anterior. O que o coração sabe de cor? E por mais que um chamego seja bom, o que ele faz nesse instante da temática e no que ele agrega segue um mistério. (-0,1 fid). Por fim, os versos finais demonstram todo o problema de letra da obra. “O menino avisou pro meu povo arretado // que o príncipe voltou pra regar o chão rachado”. O caminhoneiro foi avisado pelo menino que ele voltou e será o príncipe? Bastante confuso, não? (-0,1 adeq.). Ao fim da audição, a obra da Tom Maior pode até cativar defensores por seu “estilo melódico” puro e que remete a infância, mas não consegue esconder os problemas narrativos que possui. Há muitas mudanças entre contextos que não conseguem se sustentar por muito tempo e, inclusive, se fazer, de fato, entender. Mesmo assim, é positivo destacar que o espírito da temática e a correção em respeitar o que está dentro da proposta foi conseguido mesmo que abrindo mão da coesão e da coerência em nome disso. Nota: 9,3 Falhas: ⦁ Fidelidade: -0,2 ⦁ Riqueza Poética: -0,1 ⦁ Divisão Melódica: -0,1 ⦁ Adequação: -0,3 Bruno Malta |
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