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Samba Paulistano
 
10 de dezembro de 2021, nº 59

SAMBA-ENREDO TOM MAIOR 2022
por Bruno Malta

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Uma história clássica sob uma roupagem brasileira de raiz. É assim que podemos definir o enredo da Tom Maior. Com o preceito original do best-seller O Pequeno Príncipe, a agremiação apresenta a versão cordelista do famoso livro sem abrir mão dos ensinamentos doces e das perguntas profundas que norteiam a narrativa.

O Pequeno Príncipe do Sertão — Logo oficial (Créditos: Divulgação oficial)
Enredo: O Pequeno Príncipe do Sertão
Carnavalesco: Flávio Campello


A proposta de abrasileirar o clássico Pequeno Príncipe virou enredo na Tom Maior

Sinopse do Enredo

Um dia surgiu n’agreste
Não se sabe bem de onde
Do espaço ou do Nordeste
Uma criança sem nome
Uns lhe chama vam galego
Outros dizem sarará
Eu digo que era um minino
Que veio pra me ensinar
Capítulo II

Ia por aquelas terras
Sem rumo mas com missão
Busca va, ó, vê se pode,
No seco do meu sertão,
Pra sua flor proteger,
E também seu coração,
Queria ele arrastar
Um bode de estimação
Capítulo II Capítulo VII

Dizia coisas bonitas, mas duras de aceitar
Revoada de asas brancas
Lhe trouxe pr’esse lugar
Mostrou que gente crescida
Por mais que a gente repita
Não entende nada da vida,
Nem peleja em imaginar
Capítulo I Capítulo XIX

Vivem sempre a vexados
Mesmo sem saber por quê?
Correm tontos para os lados
Caçando o tempo, e cadê?
E nesse aperreio de ter
Mal sabem que a mais doída
Muléstia que a gente tem
É o tempo que se foi, sem viver
Capítulo IV Capítulo XXII Capítulo XXIII

Ligeiras são as crianças
Ou quem se sente assim
Com mais perguntas na mente
Do que respostas ruins
Sabe da vida o mistério:
Pra sê rico de verdade
Não le va a danada a sério
E vive a felicidade
Capítulo II

Se a vida te apequena
Não arrede o caminhar
Miúdo, arranque o problema
Pro mal não se agigantar
Sem brabeza com as lagartas
Se quer borboletas no ar
Se alembre que
O rei mais sábio
Sabe o que pode mandar
Capítulo XX Capítulo V Capítulo IX Capítulo X

Não existe juiz mais duro que aquele visto no espelho.
Não há cachaça que afaste
A gente da gente mesmo
Mesmo errando o caminho
Se a busca é ser feliz
Então ouça com carinho
Não perca sua raiz
Capítulo X Capítulo XII Capítulo XI Capítulo XVII

De que vale tudo ter
Se no peito nada cabe?
Seguir regras sem sentido
Que só pros malucos valem
Sem nunca ir explorar
Conhecer cada lugar?
Ter um monte de amigos
E ninguém pra visitar?
Capítulo XII Capítulo XIV Capítulo XV

A verdade está aqui
Mas pros olhos é invisível
Só se enxerga o essencial
Com seu coração sensível
Disse ele em tom amável
Guarde sempre este segredo
É pra sempre responsável
Por todos que tem chamego
Capítulo XXI

Chamegar é querer bem
Ter os laços arrochados
Conhecer bem mais além
Ver os corações ligados
Hoje eu vou te dar um cheiro
Sertanejo ritual
É o chamego que eu te dei
Que te faz especial
Capítulo XXI

Ah, minha escola querida
Se desfila logo às quatro
Desde as três esse boato
Já alegra minha vida
Quando a sirene tocar
Diga ao Francês aviador
A Tom chegou pra avisar
Hoje o Príncipe voltou
Capítulo XXI Capítulo XXVII

Samba-Enredo

Gravação do Estúdio


Créditos: Divulgação oficial — Liga/SP

Samba ao vivo


Créditos: Site Carnavalesco

Compositores: Jairo Roizen, Morganti, Sukata, Valêncio, Nelson Valentim, Tubino, Jadson Fraga, Luan, Alexandre Gordão, Beto Savanna, Claudinho, Meiners e Victor Alves
Intérprete: Gilsinho
Participação Especial: Cacá Nascimento

Letra do samba

Um dia na luz do agreste
Sem lenço e documento eu parti
Dos versos de um bandoleiro
“Di repente um minino” estava ali
Na seca do sertão a proteger a flor
Quiçá seu coração
No céu se avoou a doce inspiração
Nas asas de um sonhador
E ainda mostrou que gente tão crescida
Não entende dessa vida e a verdade do amor

Esse mundo de mistérios não me faz compreender
Que tem rico de dinheiro que é tão pobre de valor
Se o mundo te apequena nunca deixe de sonhar
Na pureza de um olhar, vi um sábio contador

Deixa a dor “vaguear”, vagueia
“Óia” a terra a girar
Vê que o mundo é feito borboleta
Não se avexe que a tristeza
Logo vai se transformar
Fica a lição! Onde há poesia plante o seu torrão
Não esqueça de molhar sua raiz
Seguindo os caminhos de um final feliz
Guarde todo amor dentro do peito
Ainda é tempo de esperança
Nosso futuro está no sorriso da criança

Um chamego é bom demais, coração sabe de cor
O planeta da alegria é onde canta a Tom Maior
O menino avisou pro meu povo arretado
Que o príncipe voltou pra regar o chão rachado

Análise

Se mostrando bastante versátil, a Tom Maior apresenta um enredo diferente do histórico recente. Com muito conteúdo, a ideia é trazer luz a uma história clássica através de abordagem peculiar e brasileira. Com o tema “O pequeno príncipe do sertão”, a agremiação traz para a avenida uma releitura do best-seller da literatura na visão cordelista de Josué Limeira. Tudo isso por si só já traz um frescor ao tema e somado a maneira como respeita o preceito original é o principal ponto de destaque. A magia e os ensinamentos da estrutura original não são, em momento algum, esquecidos pela adaptação ou mesmo pelo enredo.

Você embarca no conceito do livro francês, mas se transporta na realidade do sertão nordestino onde o folclore e as tradições são o pano de fundo dos “ensinamentos doces” e as “perguntas profundas” que envolvem o relato. O samba que embalará esse desfile traz uma melodia quase pueril e uma letra que desenvolve uma construção descritiva dos cenários, mesmo que de forma confusa no modo de contar. De autoria de Jairo Roizen, Morganti, Sukata, Valêncio, Nelson Valentim, Tubino, Jadson Fraga, Luan, Alexandre Gordão, Beto Savanna, Claudinho, Meiners e Victor Alves, a composição segue o padrão imposto pela parceria em seu perfil de compor. O respeito aos pontos-chaves do enredo são primordiais mesmo que isso traga uma morosidade e a sensação de “poderia ser melhor”.

Na visão do enredo, o “pequeno príncipe” surge num “galego miúdo” no Nordeste brasileiro, ao longo da obra, ele vai deixando sua marca com a visão infantil sobre a vida adulta, como é, de fato, o intuito do desenvolvimento original. Em termos de construção narrativa, confesso que vejo algumas situações problemáticas. A primeira delas é a opção por contar esse tema através do olhar do caminhoneiro. É como se entre “protagonistas”, existisse alguma predileção prévia para um e não para outro, o que não me parece exatamente adequado.

A partir dessa opção, na primeira estrofe, o samba se inicia com “Um dia na luz do agreste // sem lenço e documento eu parti”. A questão é que isso não é bem desenvolvido na narrativa. Em determinados momentos, o ouvinte fica na dúvida sobre quem está contando a história. Como a premissa segue o preceito original, isso confunde quem escuta. Por exemplo, a oração “dos versos de um bandoleiro” além de não continuar o que vem sendo contado anteriormente também não transfere o cenário da saga ao que vem a seguir (-0,1 fid.) que é o “di repente, um minino estava ali”. Por trazer a sensação de uma mudança narrativa nesses versos, a audição fica comprometida.

A sequência, no entanto, é interessante com “na seca do sertão a proteger a flor // quiçá seu coração” que traz uma conectiva muito boa na união de flor e coração na mesma oração. O problema é que “no céu se avoou // a doce inspiração nas asas de um sonhador” não conversa com o que vem antes e nem com o que vem a seguir. Quem voou? Quem ou qual é a doce inspiração? Quem é o sonhador? (-0,1 adeq.). O trecho é finalizado com uma definição sobre o menino que diz “e ainda mostrou que gente tão crescida não entende dessa vida e a verdade do amor” que sintetiza a desconexão dos versos anteriores com o restante já apresentado.

No refrão central e na segunda estrofe, seguem os problemas no que se refere ao que está sendo contado e como está sendo feito isso. No primeiros, os dois primeiros versos parecem ser o menino falando “esse mundo de mistérios // não me faz compreender // que tem rico de dinheiro que é tão pobre de valor”, já na segunda parte “Se o mundo te apequena nunca deixe de sonhar // na pureza de um olhar vi um sábio contador” parece ser o alguém respondendo. O problema é que isso não é deixado de uma forma clara, direta, que faça quem está escutando ou lendo a letra entender isso, de forma efetiva. Ou seja, a ideia de trazer um olhar em primeira pessoa narrando a saga não é bem-sucedida.

Além disso, esse trecho é todo finalizado em r, o que, com o passar das audições, fica cansativo já que, ainda no trecho anterior, já tinham versos com finalizações em r. Em dez versos, são sete que terminam assim: FloR, sonhadoR, amoR, CompreendeR, valoR, sonhaR, contadoR. (-0,1 riq.poé). Abrindo a segunda parte, o samba tem dois versos que não prosseguem o desenvolvido. “Deixa a dor “vaguear”, vagueia, “Óia a terra a girar” não conseguem se traduzir e estão deslocados (-0,1 adeq.) já que não seguem o que vinha sendo contado e nem com o que vem a seguir pois o “vê que o mundo é feito borboleta” abre o trecho dos “ensinamentos doces” feitos pelo menino e aí que surge o melhor momento do samba. A partir do “Fica a lição! Onde há poesia plante o seu torrão // não esqueça de molhar sua raiz, seguindo os caminhos de um final feliz”, a obra traz uma linda célula melódica e uma construção que resume o enredo em apenas três linhas. É uma pena que o “guarde todo amor dentro do peito // ainda é tempo de esperança, nosso futuro está no sorriso da criança” não dê prosseguimento melódico nessa subida de tom e ainda cause um “buraco” melódico entre “esperança” e “nosso futuro” onde a métrica não ficou encaixada (-0,1 div.mel)

No refrão principal, a obra consegue outro grande momento melódico, com a construção de desenhos que são alegres e remetem a uma celebração e servem perfeitamente de pano de fundo para o retorno do príncipe, mas esse momento não é exatamente bem retratado na letra. Os dois primeiros versos “Um chamego é bom demais // coração sabe de cor, o planeta da alegria é onde canta a Tom Maior” são confusos. O segundo consegue inserir bem a agremiação no contexto do tema, mas não consegue complementar a ideia do que é passado no verso anterior. O que o coração sabe de cor? E por mais que um chamego seja bom, o que ele faz nesse instante da temática e no que ele agrega segue um mistério. (-0,1 fid). Por fim, os versos finais demonstram todo o problema de letra da obra. “O menino avisou pro meu povo arretado // que o príncipe voltou pra regar o chão rachado”. O caminhoneiro foi avisado pelo menino que ele voltou e será o príncipe? Bastante confuso, não? (-0,1 adeq.).

Ao fim da audição, a obra da Tom Maior pode até cativar defensores por seu “estilo melódico” puro e que remete a infância, mas não consegue esconder os problemas narrativos que possui. Há muitas mudanças entre contextos que não conseguem se sustentar por muito tempo e, inclusive, se fazer, de fato, entender. Mesmo assim, é positivo destacar que o espírito da temática e a correção em respeitar o que está dentro da proposta foi conseguido mesmo que abrindo mão da coesão e da coerência em nome disso.

Nota: 9,3

Falhas: 

⦁    Fidelidade: -0,2

⦁    Riqueza Poética: -0,1

⦁    Divisão Melódica: -0,1

⦁    Adequação: -0,3

Bruno Malta
Twitter: @BrunoMalta_