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SAMBA-ENREDO UNIDOS DE VILA MARIA 2022
por Bruno Malta
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tempos de pandemia e desilusão, a Unidos de Vila Maria busca
esperança na história para construir um mundo novo,
trazendo um enredo onde propaga que a fé e o amor são os
caminhos para a superação dos problemas encontrados
no planeta.
Nasce
com a pandemia a necessidade de analisar e repensar a vida ao longo dos
anos, fazendo assim uma viagem até os dias de hoje. A partir de
um determinando ponto da história do mundo começamos a
fazer uma autoanálise. Com isso, a Unidos da Vila Maria
traz consigo uma das cores do seu pavilhão retratada por nossas
baianas, vestidas de branco e ouro com sua representatividade
acolhedora e agregadora, lavando o nosso palco maior do samba e fazendo
ecoar o clamor pelo mundo, carregando em suas fantasias sua
cadência de sambista e em seu canto dá início a uma
viagem através dos tempos.
Exploraremos a visão do carnavalesco em uma viagem pelas civilizações na carruagem do delírio, levado aos primórdios tempos, uma era sombria onde o Império Romano, imerso em trevas, lutando pelo poder absoluto promove guerras e disputas, submetendo o povo a todo tipo de agruras. A partir da queda do Império Romano surge, a necessidade de procurar por novos rumos, novos prumos, a luz é o milagre de um novo caminho que leva até as almas, mentes e corações um despertar de novos sentimentos, que acalenta a todos após um período de tanta dor. Por meio da fé peço axé, amém, agô, shalom, salve rainha e que a mão de Deus possa nos abençoar e obaluaê, meu velho atoto peço clemência para que venha nos salvar. O carnavalesco retoma o percurso do homem que habitava em nossas terras, e vê novamente o caos assolando-os, pois, a ganância volta a residir em seus âmagos, o mundo se encontra em questionamento sem saber qual caminho seguir. Com o desgoverno dos poderosos que mais uma vez revivia uma fraqueza trazendo com ela um mundo doente e descrente, fazendo com que a quimera, o monstro da ganância cresça absurdamente engolindo as crianças, os negros, brancos, patrões, pobres e desempregados. Suplicando a nossa mãe gentil, que seja a nossa consciência para finalmente nos trazer e nos fazer encontrar o mais puro e verdadeiro sentimento, o amor, sentimento esse que libertará nossos corações de toda essa angústia e que possa assim levar todos os males para longe da humanidade, purificando todos aqueles que têm fé. O amor em suas várias formas de amar (o Amor de pai e mãe, Amor mútuo entre os seres e o Amor cibernético dos tempos modernos) assim as faces do amor nos levará ao caminho da salvação, a certeza do clarear de um novo dia. Nasce das mãos do criador o Brasil, o celeiro do mundo, e mostra que podemos ser o exemplo como uma legião de boa vontade, o sambista exprime com sua voz que todos somos irmãos e é hora de darmos as mãos, juntos com toda a nação, lavando a nossa alma, mente e coração. Dizendo: Se o mundo precisa de cada um de nós a Vila é porta voz. Samba-Enredo Gravação do estúdio Samba ao vivo Compositores: Dudu Nobre, Diego Nicolau e Zé Paulo Sierra Intérprete: Wander Pires Letra do samba Anjos de canduras vão descer, Pra felicidade ressurgir Nova era para a humanidade Nova chance de evoluir… O império segregou Roma sucumbiu Pra civilização deixou legado Mas a intolerância resistiu Senhor, em sua luz divina... A fé nos guia… Axé, amém, shalom, salve Rainha Que a mão de Deus vai nos abençoar. Agô, por tanta ingratidão Perdão pro mundo se salvar Agô, meu velho atotô Oh meu São Lázaro Nos perdoai! E abra os caminhos desta gente destemida. Felizes cantam que o bom Da vida é viver. Agradecer à Mãe Senhora, Nossa Padroeira, As bençãos que virão Para a vida inteira. Vamos vencer! A nossa união, O dom de partilhar Revelam na cadência Que a cura pra dor É o amor… Quero te abraçar Bem mais que antes. Matar a saudade Viver esse amor Se o mundo precisa de cada um de nós A Vila é porta-voz. Análise A Unidos de Vila Maria traz o enredo “O Mundo Precisa de Cada Um de Nós. A Vila é Porta-voz” onde propaga que a fé e o amor são os caminhos para a superação dos problemas encontrados no mundo. Antes de tudo, é importante pontuar que essa escolha foi pensada em virtude da obra “o samba é porta-voz” composta pelo trio Dudu Nobre, Diego Nicolau e Zé Paulo Sierra que tinha como intenção inicial produzir uma reflexão sobre o momento do mundo pandêmico — através da fé e do amor — além de conscientizar as pessoas da importância de lavar as mãos. A partir dessa música, a temática da escola foi desenvolvida apresentando os momentos da história onde a fé e o amor foram fundamentais para a reconstrução da humanidade. Originalmente, a opção era de que o samba que deu origem ao enredo seria utilizado no desfile. Com o tempo de preparação estendido e o assunto pandemia diminuindo na rotina das pessoas, optou-se por uma reconstrução da obra original mantendo o trio de autores. Se na primeira versão, o samba invertia alguns paradigmas e tinha um perfil curto, de mensagem direta, nessa nova roupagem, apresenta mais elementos e se torna um samba mais robusto, pesado mesmo e tenta destrinchar os meandros da proposta incluindo imagens fundamentais para isso — como a do Império Romano. A divisão contextual da composição é até simples, o início é apresentação do eu-lírico, depois fé, depois amor. Parece fácil, mas no entanto, quando destrinchamos verso a verso, percebemos que alguns elementos melhoraram, mas o conjunto ainda segue devendo. A abertura da obra traz os versos “Anjos de canduras vão descer // pra felicidade ressurgir // nova era para a humanidade // nova chance de evoluir” que tenta apresentar o eu-lírico através da própria Vila Maria. A questão é que isso se torna um tanto complexo quando os versos seguintes são “O império segregou // Roma sucumbiu // Pra civilização deixou legado // mas a intolerância resistiu”. Tudo bem que o Carnaval aceita muita coisa, mas tolerar esse avanço temporal que contradiz a narrativa é difícil. (-0,1 fid.). Na reta final da estrofe, ainda aparece os versos “senhor, em sua luz divina, a fé nos guia” que mistura duas palavras de sonoridade parecida (divina/guia), o que é muito prejudicial no canto já que fica embolado, quase repetido (-0,1 riq.poé). Indo além, há uma lista de citações religiosas (Axé, Amém, Shalom, Salve Rainha) apresentada que é bastante desconexa, já que não consegue criar uma mensagem, servindo apenas como passagens que caberiam em qualquer momento, dificultando o entendimento do que se quer passar como ideia chave (-0,1 fid). No refrão central, novamente, a utilização da repetição de um termo (agô) causa uma sensação de pouca criatividade, não somente pela escolha em si, mas por se repetir; Desse modo, acaba acontecendo a condição de andar e parar no mesmo lugar na divisão melódica. (-0,1 div.mel). Ademais, essa menção se soma a mais uma alusão complexa da questão religiosa, trazendo a conclusão de que não há uma direção, há, na verdade, uma série de menções dos mais variados tipos de crença, onde, enfatizo, nenhuma mensagem ou imagem visual é clara para discutir ou apresentar quais são as ideias sobre a fé que o enredo abordará. Desse modo, a resposta através desse caminho (fé) para a superação dos problemas da humanidade não aparece no samba. Na segunda estrofe, como já mencionado acima, depois de apresentar a fé, é hora de contextualizar o amor. Mas tudo é muito confuso já que alguns elementos se misturam. A conexão com o refrão central e o início do novo trecho acontece com “Oh meu São Lázaro nos perdoai!” se unindo a “E abra os caminhos desta gente destemida // Felizes cantam que o bom da vida é viver”. Só que isso é arrebentado pelo “Agradecer a Mãe Senhora, Nossa Padroeira // às benções que virão para a vida inteira”. Perceba que São Lazaro perdoa e abre os caminho da gente que feliz canta o bom da vida, mas depois de tudo agradecem a Nossa Senhora pelas benções que vivem pela vida inteira. É mal encaixado, é mal resolvido e ainda é pedante pelas repetições de palavras vida/viver e de elementos religiosos São Lázaro/Mãe Senhora/Padroeira. (-0,1 riq. poé). O trecho ainda tem um problema de adequação já que precisa de duas palavras para se referir ao mesmo personagem e de repetições de vida para falar do mesmo caminho (-0,1 adeq.). Na reta final, o samba tenta fechar a mensagem com “Vamos vencer! A nossa união // O dom de partilhar // revelam na cadência // Que a cura pra dor // é o amor” Só que apesar de parecer bem amarrado, na verdade, é só uma dupla citação de “A nossa união, o dom de partilhar”. São frases de mesmo efeito que acabam repetidas pela falta de capacidade de explorar o tema de outros modos. Note que se você elimina uma das duas, o efeito é o mesmo “A nossa união revela na cadência que a cura pra dor é o amor” ou “O dom de partilhar revela na cadência que a cura pra dor é o amor”. As duas unidas é uma demonstração de como não havia mais caminhos para serem explorados e o mesmo efeito foi necessário (-0,1 adeq.). Quando chegamos no refrão principal, a obra tenta ganhar um fôlego de maior animação com “Quero te abraçar // bem mais que antes // Matar a saudade // Viver esse amor” mas o efeito é o contrário. Novamente o “bem mais que antes” é um verso que se “jogado fora” não faria diferença dentro da mensagem proposta, mesmo considerando a intensidade (-0,1 adeq.). Além disso, o viver esse amor torna tudo muito dúbio. De qual amor se fala? Do fraternal ou do amor que reconstrói a humanidade? É tudo muito confuso. Melodicamente, há uma ruptura para o encaixe dos versos “Se o mundo precisa de cada um de nós // a vila é porta-voz” que estavam presentes no refrão original. Apesar de bem resolvido na história (A Vila, como porta-voz, quer matar a saudade, viver esse amor ao mundo que precisa dela) não é bem trabalhado na melodia (-0,1 div.mel). Em termos gerais, mesmo com as mudanças, a sensação é de que o samba pode até ser mais preciso na história proposta, mas ele escancara problemas de narrativa e de como o argumento elaborado não sustenta uma história de um tema com quatro setores. Nota: 9,1 Falhas: ⦁ Fidelidade: -0,2 ⦁ Riqueza Poética: -0,2 ⦁ Divisão Melódica: -0,2 ⦁ Adequação: -0,3
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