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Editorial Sambario
 Edição nº 67 - 15/02/2018

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Obrigado Crivella! - É muito feio uma pessoa contar mentiras. Sobretudo quando se é um político que busca votos, fingindo gostar daquilo que abomina a fim de engambelar inocentes e ingênuos, entoando "Pega no Ganzê" e soltando pérolas como "quem não gosta de samba, bom prefeito não é". Claro que as principais escolas de samba do Rio têm muita culpa no cartório por caírem no conto do bispo (antes fosse do vigário) ao ajudar a eleger mais um mentiroso dentre tantos que assolam o povo e tem o poder dos cofres públicos. O arrependimento veio com o anúncio do corte de verba, seguido da suja manobra de jogar o povo contra o Carnaval, ao destilar a sórdida demagogia de usar crianças para provocar ódio dos leigos nas pseudo-politizadas redes sociais, através do lema "Menos para o Carnaval, mais para as creches".

Por um momento, todos os problemas do país ocorriam por culpa do Carnaval. De repente, se esqueceram dos envolvidos na Lava-Jato, da grana na cueca, das quase duas metas do Teleton num apartamento em Salvador, dos áudios tenebrosos em que um presidente golpista recomenda que se mantenha tudo isso e um senador faz a sugestão de assassinato para queima de arquivo, das reformas impopulares que querem nos empurrar goela abaixo... A amnésia proliferou também a respeito de certas igrejas. Mas a conclusão é que o culpado de tudo era o samba! Voltamos ao começo do século passado, quando os sambistas eram perseguidos covardemente pela polícia por vadiagem. Tantos dissabores e o samba que era tirado pra Cristo.

Chegou-se ao consenso que as escolas tinham se afastado do povo, ainda mais depois dos infortúnios do agourento Carnaval de 2017. Alguma coisa precisava ser feita para o bispo travestido de prefeito deixar de ser o Semideus, um Robin Hood que canta Ilariê ao contrário. A discussão sobre as mazelas e o sofrimento causado pelas péssimas gestões dos governantes motivam uma nação rachada ao meio a vomitar inúmeras teses tecladas no monitor, com ou sem fundamento. Falar de política todo metido no Facebook tornou-se o segundo esporte favorito do brasileiro, atrás do futebol. A resignação das traídas agremiações com o cosplay de alcaide (Extra! Extra! 13 escolas enganadas) resultaram num basta. Nascia a folia mais politizada desde o fim do regime.

De rabo preso e conivente com a prefeitura, a LIESA (na forma de seu presidente célebre por ser zoado por um desconhecido imitador de Rosa Magalhães) se fingia contente posando para fotos ao lado do bispo fanfarrão com checões de plástico à la Luciano Huck, se conformava com a má vontade do religioso ao entregar a chave da cidade para o Rei Momo, dava de ombros com a não-realização dos ensaios técnicos na Sapucaí (afastando ainda mais as escolas do povo), enquanto o Jongo da Serrinha era fechado e a repressão a terreiros de umbanda e candomblé através de decretos oficiais ganhavam as manchetes.

A preparação nos barracões da Cidade do Samba se tornou um suplício, com direito à interdição desta pelo Ministério do Trabalho. A verba mais diminuta e tardia ameaçava os desfiles dos grupos inferiores. Foi um dos fatores para a ausência da Caprichosos de Pilares, uma das mais tristes notícias de todos os tempos no Carnaval Carioca. Justo ela, que capitaneou ao lado da São Clemente os enredos de crítica social na Nova República da metade dos 80 com bumbum de fora pra chuchu e refrães de duplo sentido.

Três escolas decidiram por o dedo na ferida. As agremiações tão contestadas por receberem dinheiro público tinham que dar uma resposta pra quem tanto pede o repasse destinado à cultura para a saúde e a educação, súplicas de quem desconhece ou finge que não vê o imenso retorno financeiro que a festa proporciona. A Paraíso do Tuiuti, pela primeira vez por dois anos seguidos no Grupo Especial desde a década de 50, arriscou tudo pra tentar permanecer de vez na elite com um arrojado enredo sobre a escravidão, prometendo denunciar o atual (des)governo. Leandro Vieira cutucaria o "prefake" brincando o Carnaval de qualquer jeito, com ou sem dinheiro, sem importar o material. Sem entender certa fé, a Beija-Flor de Nilópolis questionaria, num canto de resistência: quem são os verdadeiros monstros? Os três com sambas sublimes, dos melhores da boa safra.

Foi preciso a intolerância do mandatário carioca para as agremiações se reaproximarem de quem é de fora do nicho, falando uma língua que todos conhecem, tomando conta das conversas de botequim, centralizando os assuntos. Há quanto tempo os desfiles não repercutiam tanto? A escola de São Cristóvão arrebatou com a coragem dos "manifantoches", das carteiras de trabalho rasgadas e do vampiro neoliberal sem temer nada. Coxinhas inconformados tacharam a Paraíso do Tuiuti de esquerda, relacionando suas iniciais com o Partido dos Trabalhadores, entre outras teorias rocambolescas. A escola ganhava admiradores. Ironicamente, se não fosse a tragédia do ano passado causada por uma alegoria da própria agremiação, que vitimou a querida Liza Carioca, a Tuiuti estaria na Série A e não veríamos tal espetáculo. A LIESA é tão incompetente que só permite a permanência de uma escola oriunda do Acesso por bissextos motivos de força maior. Vide o incêndio nos barracões da Cidade do Samba em 2011 que beneficiou a São Clemente, que se encontra na elite até hoje.

Horas depois, foi a vez da velha Manga rosa bradar que "pecado é não brincar o Carnaval" e malhar o Judas, mandando o famigerado prefeito em forma de espantalho cantar o samba de Zuzuca em outro lugar. Claro que também rendeu mimimi. Encerrando a apoteose na Sapucaí, a Deusa da Passarela mandou a estética às favas e, sem se preocupar com a carnavalização dos elementos, não hesitou em mostrar um tiroteio numa sala de aula, um policial baleado com o ferimento à mostra, um defunto no caixão e uma mulher chorando pela perda de um ente querido. Todos sem fantasia alguma. Impactante, sem chegar ao meio termo. Enquanto uns viam um espetáculo de marcar época, outros se horrorizavam com o visual duvidoso da Beija-Flor, extrema-direita do MBL para alguns desvairados.

A Quarta-Feira de Cinzas consagrou a escola nilopolitana após a leitura das notas. Um décimo na frente da surpreendente vice-campeã Paraíso do Tuiuti, que proporcionou um espetáculo que será relembrado pelas próximas décadas como um desfile triunfante que não levantou a taça. Os foliões seguiram a Beija-Flor enquanto esta encerrava sua apresentação, cantando o samba em uníssono.

Caro Marcelo Crivella. Se a sua intenção era acabar com os desfiles das escolas de samba, você conseguiu fortalecê-las mais ainda. Elas voltaram a estar na boca do povo, de alguma forma. Seu ódio impulsionou uma gigantesca repercussão das apresentações. Se você veio com despeito, as agremiações responderam com arte e samba no pé, desmascarando o Brasil.

Por isso, muito obrigado prefeito! E continue passeando por aí!

FOTOS: Wilton Júnior (Estadão), Juliana Dias (SRZD) e Alexandre Durão (G1)