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Editorial Sambario
 
Edição nº 62 - 20/10/2015

A Voz Feminina quer um Lugar no Samba - Algo que percebemos com entusiasmo em vários sambas concorrentes para a próxima temporada da folia é a presença de cantoras emprestando seus talentos às disputas. A voz feminina é rara de se ouvir no gênero samba-enredo, tanto que talvez apenas Eliana de Lima tenha marcado época e emplacado carreira comercial colhendo os frutos como intérprete principal, no Carnaval em São Paulo, que mais recentemente tinha Vânia Cordeiro. Em tempos mais longínquos, tínhamos Tia Surica, Elza Soares, Clara Nunes, Marlene, entre outras comandando carros de som bem mais reduzidos em termos de número de vozes. Era corriqueiro também mulheres gravarem as faixas das escolas nos LPs oficiais na primeira metade dos anos 70 (como Beth Carvalho pra Mangueira em 1974). Com o tempo, pelo menos no Rio de Janeiro, a mulher foi desaparecendo na função, tornando de vez o ofício quase integralmente masculino, apenas com registros bissextos como Simone no desfile da Tradição em 1989 e Leci Brandão na Santa Cruz em 1995.

No entanto, elas de uns tempos pra cá parecem estar dispostas a pelo menos não parecerem tão escanteadas. Se hoje ainda nos parece inviável uma mulher ser titular de uma escola de ponta, pelo menos tantos nos carros de som quanto nas disputas de samba elas estão mais presentes e sempre são acréscimos agradáveis.
Elza Soares registrou em disco o samba da Cubango de 2000. Alcione volta e meia aparece nos CDs, tendo inclusive gravado a portelense "Contos de Areia" para a bolacha digital de 2004. No ano seguinte, pra citar um exemplo de teledramaturgia, na novela "Senhora do Destino", Crescilda (interpretada pela cantora Gottsha) foi escalada por Giovanni Improtta (do saudoso José Wilker) para defender na avenida o samba da personagem Maria do Carmo (Suzana Vieira) cantado pela fictícia Unidos de Vila São Miguel. No CD do Grupo de Acesso que está para chegar nas lojas, teremos Elba Ramalho fazendo participação mais do que especial na faixa da União do Parque Curicica. E é maravilhoso ouvir regravações femininas de samba-enredo, como as de Clara, além de Dona Ivone Lara realizando registros dignos de clássicos imperianos.

Por fim, para as eliminatórias visando o Carnaval 2016, tivemos as ricas participações de duas finalistas do The Voice Brasil, Lucy Alves e Gabby Moura, defendendo as obras de Zé Katimba na Imperatriz e Júlio Alves na Unidos da Tijuca, respectivamente. A mesma Gabby marca presença na faixa da Santa Cruz no CD do Acesso. Ana Costa tem uma linda atuação no registro do samba campeão da Mangueira. Denise Reis despontou no mundo do samba com um hino muito elogiado na eliminatória da Cubango (que analiso mais abaixo). Sem contar outro talento que vem de família: Wictória Tavares, filha de Wantuir, que ajudou o pai a cantar a obra da parceria de Daniel Katar, finalista na Unidos da Tijuca. Na Mocidade, Juliana Pagung há anos é figura cativa no carro de som da verde-e-branco de Padre Miguel. Júlia Alan também marca presença há algum tempo na Sapucaí. Às vésperas do Carnaval 2013, o RJTV (telejornal local da Globo no Rio) realizou um concurso para apontar a melhor revelação entre os jovens intérpretes das escolas mirins e Thatiane Carvalho, então da Nova Geração da Estácio, levou a melhor. Desde então ela integra a equipe de cantores da Estácio de Sá (como pode ser observado na foto acima - arquivo pessoal Thatiane), ao lado de Dominguinhos e Leandro Santos. Milena Wainer, da Estrelinha da Mocidade, também é uma promessa.

Veja mais sobre o histórico de mulheres intérpretes aqui. A seguir, os comentários de alguns concorrentes marcantes para o Carnaval 2016.


Dói Dói Dói Dói Dói (Salgueiro 2016 - Parceria de Antônio Gonzaga) - Talvez o concorrente mais polêmico dos últimos tempos. É uma obra que teve o intuito de representar o novo, oferecendo uma proposta assumidamente vanguardista por parte dos compositores. Afinal, pra uma escola diferente: um samba diferente. O jovem Antônio Gonzaga conseguiu sua segunda final consecutiva no Salgueiro, eliminando na semifinal da Copa do Samba estabelecida pela Academia a obra de ninguém menos do que o veteraníssimo David Corrêa. O hino tem uma estrutura diferenciada de um samba-enredo, muitas vezes se assemelhando a um pagode em sua parte inicial e não apresentando um refrão principal. A obra procura se distanciar da sinopse ao inserir trechos inspirados em canções, como o tão referido refrão Dói dói dói dói dói/um amor faz sofrer/dois amor faz chorar, citação de um ponto de pomba-gira mantendo o erro de concordância original pra justificar a referência umbandista, representando o amor do malandro. Jorge Aragão também é citado em Malandro eu ando querendo falar com você. Até Silas de Oliveira é homenageado no verso Agora eu quero ver quem é malandro não pode correr, retirado de seu samba "Rádio Patrulha. Por fim o verso Salgueiro tem um jeito assim de chegar tão mansamente e tomar conta de mim é uma referência a Chico Buarque, autor de "A Ópera do Malandro", que na canção "O Meu Amor" (que compõe a trilha da peça) canta O meu amor tem um jeito manso que é só seu. A bela obra ganhou muitos simpatizantes (e também bastantes críticos) e de imediato já sinalizou um possível retorno a uma tradição salgueirense, de inovar historicamente no estilo dos sambas-enredo, tal qual ocorreu com Zuzuca em 1971 ("Festa para um Rei Negro") e em 1993 com o "Ita". Esteve muito próximo da vitória na Academia, que não quis arriscar e optou pelo samba da parceria de Marcelo Motta, do estilo que a escola vem apresentando desde 2007. Após a final, Antônio Gonzaga afirmou que continuará fazendo sambas diferentes nas próximas disputas. Jovem talentoso, tem muito futuro pela frente. Nota do samba: 9,7. Letra do samba



Laroyê Laroyê (Salgueiro 2016 - Parceria de Xande de Pilares) - Outrora favorito na disputa do Salgueiro, acabou eliminado na semifinal da Copa do Samba pelo hino que viria a ser o vencedor. Numa opinião particular, era o melhor da eliminatória, embalado por dois refrães que seriam os melhores do ano. O principal é embalado pela repetição da saudação exu "Laroyê", que proporciona uma excelente variação melódica e forte explosão, apesar de ter despertado algumas críticas devido a questões religiosas. Já o central apresenta uma das mais belas melodias da temporada, começando para trás em tom grave em Ê meu camarada pela madrugada, pra na virada subir o tom no mesmo verso, dando outro ótimo efeito. As duas partes são pra cima, do estilo que o Salgueiro se acostumou a trazer nos últimos anos. Destaco a melodia de O rei da noite o barão da ralé/Já chamou quem tem fé/pra sambar no terreiro além de A luz que ilumina é o luar. O único porém da obra no meu entendimento é o começo da segunda, onde a melodia não me agrada. Na gravação, Ito Melodia e Luizinho Andanças mostram uma grande sintonia, com direito a impagáveis gargalhadas do intérprete da União da Ilha ao longo da faixa, encarnando o verdadeiro malandro. São três passadas que não cansam nunca, numa audição deliciosa. Nota do samba: 9,8. Letra do samba


Agora quem dá Bola é o Povo da Baixada (Grande Rio 2016 - Parceria de Júnior Fragga) - Numa safra de gosto duvidoso para muitos, este samba praticamente destoava dos demais (à exceção do campeão, que aprecio). É mais um hino que tenta fugir dos padrões, com um segundo refrão próximo do principal e o restante da melodia se sustentando muito bem, sem um refrão central clássico. É impressionante a coesão do conjunto melódico da obra, de composição muito feliz e que recebeu mais um registro impecável de Wander Pires, um dos melhores intérpretes da história do Carnaval e que, após os problemas de saúde do ano passado, retornou com tudo e vive uma das melhores fases da carreira. São muitos os destaques do samba-enredo, gosto bastante da cabeça, do refrão Quem bebe..., da melhor parte da obra que são os seis versos a partir de No vai-e-vem da maré... (com direito à inversão no penúltimo verso para No vem e vai da maré, boa sacada), além de curtir também o trecho paraíso pra viver/uma onda desaguou dentro do meu coração/encontrei o meu amor, alvinegro campeão. O samba tem uma leve queda de qualidade na última parte, que compreende as citações a Pelé e Neymar, mas nem de longe este belo samba-enredo perde seu brilho. Estranhamente ficou de fora da final, preterido por vários sambas bem inferiores. Nota do samba: 9,8. Letra do samba


Laiá laiá pra colheita festejar (Unidos da Tijuca 2016 - Parceria de Sereno) - A safra da Unidos da Tijuca para o Carnaval 2016 foi uma das mais marcantes dos últimos tempos no Carnaval Carioca. Foram muitos os sambas de qualidade, não é exagero afirmar que pelo menos uns cinco concorrentes superam todas as obras levadas pela escola do período entre 2004 e 2015, justamente o período mais vitorioso da longeva história da agremiação, que compreende a entrada de Paulo Barros para o rol dos carnavalescos históricos e revolucionários, deixando o samba-enredo em segundo plano. Curiosamente, a Unidos da Tijuca resolveu retomar o caminho interrompido desde o antológico "Agudás" (2003) com um enredo não muito original sobre a agricultura, patrocinado pela cidade mato-grossense de Sorriso, e que motivou inevitáveis comparações com o clássico "Festa no Arraiá" da Vila Isabel de 2013. E o que se viu foi as obras funcionais darem lugar a sambas refinados, densos e de excelente qualidade melódica. O maravilhoso samba-enredo da parceria de Dudu Nobre foi o justo vitorioso e será candidato ao Estandarte de Ouro no quesito. Dentre os vários ótimos sambas que ficaram pelo caminho na disputa tijucana, escolhi comentar o da parceria de Sereno, defendido por Nêgo e Gabby Moura. Os dois refrães são maravilhosos, o principal possui um laiá laiá que flui perfeitamente no canto e o do meio é mais valente. O conjunto melódico das demais partes é coeso e agradável, possuindo muitos belos momentos como A plantação pra semente dá fruto e raiz e te amar Tijuca sustenta o coração. Eliminado por volta da metade da disputa, também representaria muito bem o Pavão tijucano. Curioso o alusivo entoado por Gabby Moura, cuja melodia se assemelha a "Pra Frente Brasil", além do verso Este chão vou preparar do refrão dar uma sonoridade semelhante a "Exexão" vou preparar nas vozes de Gabby e de Nêgo. Nota do samba: 9,4. Letra do samba


A Águia de Madureira voltou (Portela 2016 - Parceria de Luís Carlos Máximo) - Um belíssimo samba, que também poderia representar muito bem a Águia. Em relação aos anteriores da parceria de Máximo, Toninho Nascimento e cia, possui melodia mais pesada e o andamento é mais pra trás, mas repete a fórmula dos refrães espalhados ao longo da composição, além da excelente poesia que é característica. No primeiro refrão, há a ousadia de versos sem rimas. A sequência mantém o ótimo nível, até chegar no melhor trecho, tanto em termos de letra quanto de melodia: Deserto de gelo de areia/Floresta, planeta, onde for/Te trago uma flor de verdade/Se um dia eu voltar meu amor. O refrão seguinte é novamente de qualidade, utilizando o verbo "balangar" (sinônimo de "balançar") que causa um bom efeito. Por fim, o refrão principal de seis versos é bonito de se ouvir, com a boa sacada da repetição do verso A Águia de Madureira voltou, porém não acreditaria no seu bom funcionamento na avenida devido a uma tendência de arrastamento, já que não há muita explosão. Resumindo: é um samba-enredo de audição deliciosa, mas que dificilmente teria um bom desempenho na Sapucaí. Tanto que, na final portelense, foi o único que não obteve voto dos segmentos. Gilsinho prova na faixa sua profunda identificação com a Portela, escola que defendeu por oito carnavais seguidos, onde deverá retornar em 2016. Nota do samba: 9,5. Letra do samba


Pedrinha Miudinha de Aruanda (Mangueira 2016 - Parceria de Lequinho)- Na gravação, o samba não chama tanta atenção como no registro do samba campeão, além do de Tantinho. Mas na quadra funcionou muito bem, tanto que sua derrota na final deixou muitos simpatizantes órfãos. Se os dois hinos citados prezam mais pela emoção, este destila valentia do primeiro ao último verso, procurando dar ênfase maior à africanidade presente no enredo sobre Maria Bethânia. E os dois refrães centrais de quatro versos inseridos durante o samba inseriram mais ousadia à composição, que se assemelha mais a um samba de temática afro - que a Mangueira historicamente não tem tradição - do que uma homenagem a uma das maiores vozes de nossa MPB (tributos que a verde-e-rosa já se acostumou a fazer). Os destaques melódicos vão para o primeiro refrão Oia matamba de cacurucaia zinguê (da canção "Ponto de Iansã", gravada por Bethânia e também presente no samba da União da Ilha de 1974), além do final Hoje a pedrinha miudinha de Aruanda é o patuá da minha Estação Primeira (referente ao ponto de umbanda "Pedrinha", também registrada por Maria). Nota do samba: 9,4. Letra do samba


Isso é Mangueira! (Mangueira 2016 - Parceria de Tantinho) - Uma nostalgia pura. Samba mais cadenciado e classudo, com uma gravação de uma leveza singular, conduzida de forma magistral por Tantinho, célebre integrante da Velha Guarda mangueirense. Dono de uma voz forte e firme, que lembra a do saudoso Jurandir, Tantinho abrilhanta a obra, que ao estilo de muitos sambas dos anos 80, tem no refrão principal um complemento melódico ao invés de ser a parte mais chamativa, com a cabeça iniciando de fato o canto. Os refrães mais fortes são os centrais, em especial o ôôôô abrem caminhos pra filha de Dona Canô. Todo o samba possui excelentes passagens melódicas, em especial a parte que encerra a segunda, antecedendo o refrão. A letra parece descompromissada com a sinopse, com sua poesia procurando despertar mais emoção por parte do ouvinte. A gravação acompanha o nível do samba, com destaque para as cordas que dão um toque ainda mais especial. Defendido por Bruno Ribas na quadra, acabou desclassificado na semifinal, impedindo assim um duelo na decisão similar ao da Vila Isabel em 2005, quando um samba também lindamente nostálgico (Luiz Carlos da Vila) mediu forças contra outro mais adequado aos padrões atuais (André Diniz) e que se tornaria vencedor. Seria interessante ver o saudosismo que o hino de Tantinho representa desafiar o campeão (Alemão do Cavaco), de mais características do presente. Nota do samba: 10. Letra do samba


Eu tô com Jorge, nada vai me derrubar (Estácio 2016 - Parceria de Dominguinhos do Estácio) - O samba-enredo apresenta a valentia que teria mais identificação com o enredo sobre São Jorge, é um hino mais "guerreiro". Porém, devido ao pragmatismo motivado pela ingrata missão de abrir os desfiles do Especial, a obra foi precocemente cortada nas primeiras eliminatórias. Uma desclassificação com um quê político que nos remete à eliminação prematura do clássico concorrente de 2008 pra Viradouro do mesmo Dominguinhos, fato que motivou sua saída da agremiação de Niterói na época. No entanto, o veterano intérprete segue firme comandando o carro de som estaciano, ao lado de Leandro Santos. O concorrente, também assinado e defendido por Tinga (vencedor do samba junto com Dominguinhos em 2015), é superior ao samba que a Estácio levará para a Sapucaí. Se a vermelho-e-branco tivesse uma posição de desfile distinta, ou ainda continuasse no Acesso, possivelmente teria grandes chances de vencer a disputa. O trecho que antecede o refrão principal, a partir de No galope ligeiro, certeiro ele vem, é o melhor da obra, funcionando como uma excelente transição pro belo refrão, apesar do porém do verso Eu tô com Jorge, coloquial demais. A faixa tem uma particularidade: a introdução de quase quatro minutos em que o velho Domingos entoa o samba na íntegra, apenas acompanhado de violão. Nota do samba: 9,5. Letra do samba


Serrinha, um Caso de Amor (Império Serrano 2016 - Parceria de Paulinho Valença) - O enredo sobre a Serrinha que menciona Silas de Oliveira no ano de seu centenário gerou uma safra da qual se esperava mais, ainda mais em se tratando de Império Serrano e seu histórico de sambas-enredo que dispensa comentários. De todos os concorrentes imperianos, este foi o mais aclamado, de valentia e animação irresistíveis e com um fortíssimo e emocionante refrão principal que invoca a velha "Aquarela Brasileira" do eterno viga-mestre. Toda a melodia é envolvente e coesa, e certamente transmitiria mais garra ao componente em relação ao samba vencedor, que apostará mais na dolência. Sua derrota na final para a parceria de Arlindo Cruz deixou muitos bambas perplexos. Nota do samba: 9,5. Letra do samba


Água (Cubango 2016 - Denise Reis) - Uma síntese da injustiça das disputas atuais de samba-enredo. Denise Reis, desconhecida no mundo do samba, se aventurou sozinha no concurso da Cubango. A gravação original na voz da compositora é artesanal, praticamente caseira, evidenciando a falta de investimento, um contraste total com as parcerias abonadas que injetam rios de dinheiro nas eliminatórias. No entanto, percebe-se na obra uma beleza tão inocente que chega a ser ingênua. É uma composição repleta de sentimento, de melodia dolente, bem distante do padrão de samba-enredo que se é cantado atualmente. A música se enquadraria muito mais na voz de alguma diva da MPB do que numa passagem na Sapucaí. Tanto que seu único refrão de dois versos e o trecho sequencial de seis é entoado por duas vezes durante a passada. O descompromisso do samba também é refletido nos vários versos que se iniciam com "água". Por vezes, a letra é até simplória demais, como água que é mar que é rio, que é neve no frio; que lava tudo que existe; refrigera o coração... Mas tal simplicidade emociona, pouco importando que a letra não abranja boa parte da sinopse. A obra ganhou muitos adeptos nas redes sociais, incluindo Leonardo Bessa, que regravou o samba e o defendeu na quadra. Como esperado, o hino foi desclassificado na primeira eliminatória. Mas Denise Reis fez muito bonito, deixando sua marca entre os grandes sambistas. Nota do samba: 9,7. Letra do samba