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Editorial Sambario
 
Edição nº 61 - 24/05/2015

Os Melhores Sambas Enredo 1977 - Já imaginaram se os principais sambas derrotados nos concursos de cada escola fossem reunidos anualmente num disco nos moldes dos oficiais do Carnaval, regravados num único estilo e padrão? Pelo menos no Carnaval 1977, tirou-se proveito do expediente relatado. Numa louvável iniciativa de não deixarem tão belas obras se perderem no limbo do esquecimento, a RCA, através dos selos Camden e Dynaflex, realizou um digno registro de obras que não foram para a avenida, assinadas por compositores de prestígio. Mário Jorge Bruno, que até hoje é um dos produtores do CD do Grupo Especial, foi o encarregado da gravação e mixagem. As canções, para efeitos de direitos autorais, foram rebatizadas, bem como acontecia quando sambistas gravavam concorrentes que perderam na quadra em seus bolachões. "Estrela de Madureira", que postulou a representação para o enredo imperiano "Záquia Jorge - Vedete do Subúrbio, Estrela de Madureira" em 1975, na voz de Roberto Ribeiro é o exemplo mais clássico.

A capa do álbum reproduzida ao lado apresenta um dos tantos cartões-postais do Rio de Janeiro, através do Pão-de-Açúcar banhado pela Baía de Guanabara. A contracapa é uma preciosidade, com as fotos de todos os compositores registrados no LP. Logo na primeira linha de retratos, desponta Sobrinho, então em início de carreira, que se consagraria como intérprete na década seguinte. É ele quem canta a faixa de abertura, um samba derrotado no concurso do Império Serrano do qual foi um dos compositores. A segunda faixa é primorosa, provando o grande momento artístico que Edeor de Paula, o pai de "Os Sertões" (do ano anterior), vivia na época. "Sambista Pintor", seu samba para a disputa da Em Cima da Hora (que homenageava Heitor dos Prazeres), possui um refrão que gruda logo na primeira audição, defendido com lirismo pelo conjunto vocal As Autênticas, rendendo um belíssimo efeito: Heitor Heitor/quantos Prazeres você deixou/quantos Prazeres você deixou. Para efeitos de curiosidade, a Em Cima da Hora foi convidada, junto com o Paraíso do Tuiuti, a integrar o disco, pois ambos estavam na ocasião no Segundo Grupo. Das 12 agremiações do desfile principal, apenas a Unidos do Cabuçu não figurou com um de seus sambas derrotados.

Numa de suas primeiras gravações da carreira, Rico Medeiros, que substituiria o lendário Noel Rosa de Oliveira a partir do ano seguinte no Salgueiro, participa da faixa inscrita pela Vila Isabel. Talvez por motivos autorais, o famoso concorrente de Martinho da Vila (Minha Vila tá legal/sempre brigando pra ganhar o Carnaval) ficou de fora e a composição de Jonas, Djalma e Tião Grande acabou utilizada. Martinho registrou seu samba no álbum de 1976 "Rosa do Povo". Além de ser um dos responsáveis pela seleção do repertório, Noca da Portela assina, ao lado de Poliba, o samba da Tuiuti que não desfilou. Na faixa mangueirense, Jurandir - que defendeu algumas obras da verde-e-rosa nos LPs oficiais da Top Tape enquanto Jamelão era impossibilitado por questões contratuais - gravou a música que assinou com Hélio Turco, Darcy e Batista na disputa.

Nos anos 70, discos de coletâneas de sambas-enredo sem a voz inigualável de Abílio Martins praticamente não existiam. E como não poderia deixar de ser, o cantor (então "gentileza da Som Livre" de acordo com a contracapa) participa de duas faixas no LP. A portelense "Aclamação" é classuda, com um início que remete a obras ainda mais antigas (Era primavera em 1818...) e o tom menor que caracteriza o samba é ainda mais valorizado pela interpretação magistral do saudoso Bilinho, que também empresta o poderoso timbre para o registro do concorrente da Beija-Flor de Cabana, compositor de inúmeras vitórias pela escola nilopolitana nos anos 50 e 60, quando a Beija ainda estava distante da potência que conhecemos. Outro lendário autor, Toco canta a obra que perdeu com Djalma Gril na Mocidade em 1977.

O representante da União da Ilha no LP é um caso à parte. De autoria de Aurinho da Ilha, Ione do Nascimento, Adhemar Vinhaes e Waldir da Vala, a parceria é a mesma que se sagrou vencedora no concurso insulano que elegeu a obra pra representar o enredo "Domingo". De acordo com o livro "As Primas Sapecas do Samba" (de autoria de Anderson Baltar, Eugênio Leal e Vicente Dattoli - Editora Nova Terra), Aurinho, Ione e Adhemar cansaram de esperar por um atrasado Waldir e concluíram o samba antes que este chegasse à reunião dos compositores. Ao chegar, Waldir relatou que já tinha uma cabeça em mente, cantando os quatro primeiros versos Vem amor/vem à janela ver o sol nascer/na sutileza do amanhecer/um lindo dia se anuncia. Como não seria possível encaixar os lindos versos no samba que já estava pronto, a solução foi compor um outro samba, dando continuidade ao trecho de Waldir da Vala, que defenderia sozinho a obra na disputa, enquanto Aurinho, Ione e Adhemar inscreveriam a primeira obra composta. O quarteto estabeleceu um acordo: se um dos dois sambas vencesse, todos os quatro assinariam. E eis que exatamente os dois sambas foram os finalistas. No fim, o samba iniciado por Waldir foi o campeão e entrou para a história do Carnaval. E o derrotado foi parar neste álbum, registrado por Aroldo Melodia.

Graciette, responsável pelo registro do samba do Império Serrano no LP oficial de 1973, grava o bom concorrente do Império da Tijuca para o enredo sobre Mestre Vitalino. O samba também apresenta um refrão grudento (No cazuá hei/no cazuá/bonecos de Vitalino/feitos de barro tauá). O cantor Joel de Castro, que também aparecia com frequência em coletâneas carnavalescas na época, participa de duas faixas. A da Tuiuti e da Unidos de São Carlos, esta composta por Dario Marciano e Aderbal Moreira (os mesmos de "Festa do Círio de Nazaré", de 1975). Já Cici, um dos autores de "Leilão de Escravos" (samba da Unidos da Tijuca de 1961 gravado por ele mesmo no antológico História do Brasil Através dos Sambas de Enredo), canta o concorrente derrotado da Imperatriz. Fechando o disco, o grande Nei Lopes registra seu samba para a disputa salgueirense de 1977. Um ano depois, faria com Wilson Moreira para a escola Quilombo (idealizada por Candeia) a obra-prima "Ao Povo em Forma de Arte". Confira a contracapa abaixo.



"Os Melhores Sambas-Enredo 1977 - Ala dos Compositores" é louvável por eternizar belos sambas que também poderiam representar muito bem suas respectivas escolas nos desfiles e que estariam condenados ao esquecimento para sempre. Hoje em dia, a internet propaga incontáveis concorrentes de agremiações de todos os grupos e de várias localidades. Mas naquela época, as obras postulantes só eram conhecidas e cantadas por quem comparecia nas quadras. Senão, estariam dependentes de discos como este, além da disponibilidade de intérpretes notáveis para registrá-las, sendo que, na maioria dos casos, se optavam por regravações dos próprios sambas vencedores, que pipocavam em coletâneas ou nos álbuns anuais de cantores reconhecidos. Daí a importância de "Os Melhores Sambas-Enredo 1977" para a história fonográfica do Carnaval Carioca.

A perda de prestígio comercial do samba-enredo aliada à crise nas gravadoras e na indústria de discos que sucumbem ao MP3 e à pirataria infelizmente inviabilizam um CD similar para concorrentes atuais. Atualmente nem se regravam mais as obras campeãs, o que dizer das perdedoras? Seria maravilhoso ouvirmos um álbum com concorrentes recentes inesquecíveis nas vozes de grandes intérpretes do Carnaval. E se Serginho do Porto e Leonardo Bessa regravassem "Menina quem foi teu Mestre?", histórico postulante salgueirense de 2009? Ou uma releitura de Emerson Dias para o samba do Arcabuz surpreendentemente vencido na Grande Rio em 2006? Nêgo teria dezenas de lindos sambas que não saíram da quadra da Imperatriz para escolher pro suposto disco. O histórico concorrente de Dominguinhos do Estácio e Gusttavo Clarão pra Viradouro em 2007 foi adaptado pra samba de quadra, mas também poderia marcar presença... Como forma de utopia nostálgica, fica aí a sugestão.

Ouça as 13 faixas abaixo e baixe o disco neste link.