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Sambas eliminados
Sambas eliminados

Confira as avaliações sobre sambas-enredo derrotados nas eliminatórias

Anos 70 a 90
2001 a 2010
2011 a 2015
2016 a 2020
2022


Voa Majestade, cura minhas dores (Portela 2022 - Samir Trindade e parceiros) - Uma das comoções da temporada a derrota desta obra, é um samba que achei pesado e até melancólico numa primeira audição. Mas que conquistou boa parte da bolha, com esta passando a considerar o grande favorito da disputa portelense. O hino alia muito bem emoção com indignação, esta evidenciada em versos fortes contra o atual governo, como "mito é Paulo Benjamin" e "resistência ao ditador". Apesar desta última palavra eu julgar um pouco forçada, por não combinar tanto com o atual presidente da República...

É difícil você não ficar tocado ao ouvir trechos como "por todo portelense que nos deixou" e "voa majestade, cura minhas dores", que sintetizam o período nebuloso pelo qual ainda estamos passando. A letra é bem objetiva, muito mais simples de compreender que a do samba vitorioso. A primeira parte é dolente, mas no refrão do meio já se nota uma mudança de estilo, através da ginga que homenageia os 50 anos do clássico "Ilu Ayê" (o último enredo afro levado pela Portela), propositalmente parecido com a melodia do trecho de repetição do samba de 1972, reforçado pela rima "rainha/ladainha" de volta depois de meio século.

No começo da segunda, o samba volta a ficar pesado, até a melodia gingada voltar a partir do trecho "sou mais o Brasil da capoeira" e se encerrar com a explosão em tom de lamento do já citado "por todo portelense que nos deixou". Ao refrão principal, apesar de uma letra marcante, talvez falte maior explosão melódica. O concorrente manteve algo que virou moda nessa temporada: a mudança do último verso do refrão na última virada: "e minha luta é te manter de pé/e nossa luta é te manter de pé".

Apesar do clamor nas redes sociais pelo samba da parceria de Samir Trindade, antes mesmo do anúncio do campeão no programa "Seleção do Samba" promovido pela Globo, já circulavam rumores e boatos de que Wanderley Monteiro e parceiros levariam a vitória. Samir parecia estar ciente, tanto que na gravação da final de samba-enredo na Cidade do Samba, o compositor foi o único que não tremeu as mãos na hora em que o apresentador Luís Roberto pediu, como forma de descontrair o nervoso ambiente entre os autores finalistas. E no momento da apresentação do samba, a câmera destacou Samir Trindade aos prantos, como se já soubesse do revés. Enfim, é mais uma das obras que podem ficar mais lembradas que a campeã, a entrar pro seleto grupo dos grandes sambas-enredo que não desfilaram. Clique aqui pra ver a letra do samba - NOTA: 9,9 (Marco Maciel).



Manoel Henrique Pereira (Império Serrano 2022 - Samir Trindade e parceiros) - Só o fato do grande Quinzinho assinar e gravar o samba já o torna um grande chamariz. Xande de Pilares também contribui muito bem para o grande registro, de uma obra que ousou ao ter um único refrão, utilizado como principal e central, em que a palavra "capoeira" finaliza três dos quatro versos. Num expediente pouco repetido, o exemplo mais famoso é Mangueira 1979 ("tem mulata pessoal/na colheita do cacau").

Mesmo sendo um belo refrão, daqueles que te conquistam de cara, considero um pouco difícil de cantar porque há pequenas mudanças na melodia se comparando a primeira e a segunda virada. Tanto que Quinzinho teria errado no canto do trecho na final na quadra imperiana. Mas é um cartão-de-visitas memorável pra obra, que apresenta também uma marcante cabeça: um "Manoel Henrique Pereira" entoado com notas estendidas de forma nostálgica, que faz com que você não se esqueça nunca mais o nome do Besouro Mangangá.

O samba segue numa levada classuda, que remete a sambas mais antigos, em suas duas partes. Um contracanto "nosso herói" aparece por duas vezes seguidas na primeira, em outra ousadia. A audição é deliciosa, ainda mais contando na gravação com excelentes atuações de Xande e, principalmente, Quinzinho. O veterano intérprete se mostra em plena forma, cantando como nos velhos tempos. É outro hino que, mesmo derrotado na final, não foi esquecido por aqueles que acompanham as eliminatórias com afinco. Tanto que o "Manoel Henrique Pereira" passou o ano inteiro sendo mais lembrado que o samba vencedor do Império Serrano, pois a escolha ocorreu ainda em 2020. A gravação oficial será divulgada só agora nesse fim-de-semana.

Arrojar na composição de um samba-enredo é praticamente sinônimo de derrota no patamar atual de escolhas. Porém, o exemplo do samba-carta da Viradouro quem sabe não encoraje os autores a trazerem futuramente novas cartas sinceras e mais refrães repletos de "capoeira". 
Clique aqui pra ver a letra do samba - NOTA: 9,8 (Marco Maciel).



Sete chaves na mão certa (Grande Rio 2022 - Licinho Jr e parceiros) - A Tricolor de Duque de Caxias teve mais uma grande safra à disposição para eleger seu samba. E esta obra que chegou à final possui uma estrutura distinta ao vencedor: é amparado por refrães. Lembrando que o samba que desfilará não possui nenhum, sequer um estribilho.

O falso refrão principal é de efeito, daqueles que grudam fácil em sua mente: "Laroyê Exu, laroyê ea". A linha melódica é mais pesada, apostando nas já citadas repetições como os maiores pontos de explosão, enquanto que as demais partes são cantadas num tom mais baixo, para trás, servindo mais como preparação para os refrães.

Uma frase desta bela obra derrotada dá a ideia do banho de cultura proporcionado pela Grande Rio desde 2020, já que uma das intenções de fazer de Exú o enredo é retirar as referências consideradas pejorativas ao orixá: "ensinando o que a gente não aprende na escola".
Clique aqui pra ver a letra do samba - NOTA: 9,5 (Marco Maciel).



Eh Jurema! (Mocidade 2022 - Domenil e parceiros) - O samba chegou à final da verde-e-branco de Padre Miguel com boas chances de vitória, se pegarmos como parâmetro a torcida pela obra nas redes sociais. Com uma interpretação peculiar de Zé Paulo Sierra, o hino possui uma letra de mais fácil entendimento com relação ao campeão, pois não são usados tantos termos afro.

A levada é bem dolente na primeira parte, com a cabeça mais forte que o refrão principal, através do estribilho "odé odé odé odé, rufam tambores no agueré" que cativa de cara o ouvinte. O samba prossegue pesado, sendo Oxóssi o eu-lírico, falando em primeira pessoa na narrativa. A explosão ocorre no excelente refrão central "Ê Juremá", outro chamariz da música. Apesar que a melodia do trecho é idêntica ao refrão principal da paulistana Combinados de Sapopemba 2019, que desfilou no Grupo de Acesso 2 naquela temporada no Anhembi.

Na segunda parte prolifera a valentia, ao citar as referências da Mocidade. O refrão principal remete (mais uma vez) aos sambas de São Paulo, através da referência à "força da comunidade", sendo bastante agudo, cantado quase de forma gritada. É um samba fortíssimo, que também representaria muito bem a Estrela Guia em 2022.
Clique aqui pra ver a letra do samba - NOTA: 9,6 (Marco Maciel).



Os pés que riscam esse chão sagrado (Salgueiro 2022 - Xande de Pilares e parceiros) - Apontada como favorita absoluta na disputa salgueirense, a parceria de Xande utilizou um caminho arrojado ao praticamente reescrever o enredo "Resistência", contando os enfrentamentos do negro sob a ótica dos grandes baluartes da Academia. O excesso de citações aos nomes históricos da vermelho-e-branco (e inevitáveis aspas, algumas até forçadas) faz com que se perceba na letra mais uma exaltação à história do Salgueiro do que um tema sobre luta. Ainda assim, alguns versos se destacam, como o simbólico "ainda é 12 de maio".

O hino valentíssimo ousa nas variações, sempre procurando se afastar do lugar-comum, sendo muito mais técnico e desprezando qualquer funcionalidade. Depois do falso refrão do meio, a segunda parte é dividida em três partes distintas, dando a impressão que um novo refrão aparecerá antes do principal, o que não acontece. Dessa forma, a segunda flui muito bem e serve como ótima transição pro refrão. Chamo a atenção para a ligação em "calça larga sobre os pés/os pés que riscam esse chão sagrado", em que a repetição de "os pés" gera um bom efeito.

O refrão principal é inspirado e bem gingado, encerrando as homenagens com um "arreda que lá vem Salgueiro", numa justa láurea para o carismático Quinho, que perdeu a oportunidade de cantar esta autoexaltação na Sapucaí. É uma obra tecnicamente superior ao samba vitorioso, no entanto a opção por um samba-enredo mais funcional pode ter acontecido em virtude da letra que desfilará abordar o enredo de uma forma mais direta e sem muitas citações aos salgueirenses notáveis.

A parceria arriscou um caminho diferente, tal qual o lema da escola, até fugindo por muitos momentos da proposta que será levada pra avenida. Isso pode ter acarretado a derrota, para a irritação de quem acompanhou a disputa nas redes sociais, com o público considerando esta obra a franca favorita na eliminatória encarnada. Enfim, mais uma tumultuada escolha de samba pelos lados da Silva Teles.
Clique aqui pra ver a letra do samba - NOTA: 9,6 (Marco Maciel).



Pretos Reis (Mangueira 2022 - Paulinho Bandolim e parceiros) - Outro revés que causou comoção à bolha, a obra era de longe a melhor da trinca que foi para a final verde-e-rosa no "Seleção do Samba" da Globo. A parceria utilizou uma poesia refinada para exaltar Cartola, Jamelão e Delegado, numa melodia lírica e classuda, até nostálgica em muitos momentos, desprovido da pragmática funcionalidade na avenida. Afinal, Guilherme Sá, Paulinho Bandolim e Renan Brandão costumavam integrar a parceria do saudoso Tantinho, falecido em 2020.

Talvez por isso, a letra extensa e a gigantesca dolência da obra, que em algumas ocasiões remetem a hinos mais antigos, não cativou a direção da Mangueira, que não "sentiu o lirismo" tal qual a Viradouro. Depois do mal-sucedido desempenho do comprido samba de 2020, a verde-e-rosa não quis arriscar, optou por um mais curto e funcional, porém léguas inferior e muito limitado tecnicamente. Uma pena!

Além da excelente interpretação de Bico Doce (que há muito vem merecendo mais destaque no Carnaval), são muitos os versos a serem destacados, como "inebriam meninos que sonham em ser Cartola", "sou mestre-sala/carrego um legado em meus pés/aprendi com Delegado/a flutuar pra ganhar a nota dez", "você sabe o que é ter um amor?", este inspirado no clássico da música brasileira "Nervos de Aço", de Lupicínio Rodrigues, de quem Jamelão era o maior intérprete, e "são pretos reis iluminando a Estação Primeira".

Sobre esta última frase, depois da disputa, o samba foi lançado como canção de meio de ano com o nome de "Pretos Reis", em gravação de Joyce Cândido e Moyseis Marquês, podendo ser escutado aqui.
Clique aqui pra ver a letra do samba - NOTA: 9,7 (Marco Maciel).



A negritude hoje veste verde-e-rosa (Mangueira 2022 - Ailton Graça e parceiros) - Quando ouvi a numerosa safra mangueirense para 2022, esta foi a obra que inicialmente mais me chamou atenção de forma positiva. Também lírico tal qual o samba da parceria de Paulinho Bandolim, ainda que mais valente, o hino apresenta a bela sacada de usar frases do clássico "O Mundo é um Moinho" de Cartola no falso refrão principal, mantendo a melodia original da canção. Aliás, a letra aposta em diversas aspas que remetem à obra do trio homenageado.

Destaco também a transição para o belo refrão do meio, ainda que me pareça brusca numa primeira audição, mas é muito agradável de ouvir e vale pelo arrojo da variação em "e a voz da saudade em mim/ela disse-me assim/minha Mangueira é feito constelação...".

Eliminado na semifinal, poderia tranquilamente integrar a decisão da verde-e-rosa sob as câmeras da Globo na Cidade do Samba. Nem é preciso dizer que também é superior ao que vai pra Sapucaí...
Clique aqui pra ver a letra do samba - NOTA: 9,6 (Marco Maciel).



Balança povo que chegou Martinho (Vila Isabel 2022 - Zé Katimba e parceiros) - O lendário Zé Katimba sempre teve diferenças com Arlindo Rodrigues, saudoso carnavalesco que será homenageado pela sua Imperatriz em 2022, muito por conta das críticas que o figurinista fazia ao clássico "Só Dá Lalá", de autoria de Katimba, antes mesmo da disputa de samba para o Carnaval de 1981. Talvez por conta disso, o velho compositor tenha abdicado da disputa gresilense em prol de homenagear o grande amigo Martinho José Ferreira na Vila Isabel.

E a simpática obra com que disputou o concurso da escola de Noel tem a cara daqueles sambas curtinhos característicos dos anos 70, quase descompromissado, de maneira a lembrar mais uma música de meio de ano. Com apenas 20 versos, a nostalgia do samba chega a ser encantadora. A audição é deliciosa, a gravação da faixa em estúdio é excelente e o próprio Katimba cantando emociona.

A letra é simples, mas objetiva, lembrando o estilo de seus clássicos para a Imperatriz em que dispensa descrições mais detalhadas. Os refrães você canta sorrindo, de tão alegre que é o samba. O baluarte cita a melodia de "Iemanjá Desperta", samba derrotado de Martinho para o Carnaval de 1978, no verso "Valeu Zumbi, valeu demais", gerando um bonito efeito.

Desclassificado na semifinal, infelizmente um samba-enredo desse estilo está em extinção nas disputas atuais tomadas por sambas mais robustos. Evidente que, se produzido na década de 70 ou começo dos 80, teria chances reais de vitória. Mas quase em 2022, você ainda escutar um hino desta estirpe, feito por um dos grandes nomes da história das escolas de samba em homenagem a um dos maiores artistas brasileiros, é uma carícia em nossos corações.

Vida longa pra Zé Katimba!
Clique aqui pra ver a letra do samba - NOTA: 9,7 (Marco Maciel).



Ora Yeyê Beyoncê (Paraíso do Tuiuti 2022 - Eli Penteado e parceiros) - A final da Tuiuti pra 2022 é um caso à parte na história das disputas de samba-enredo. Inicialmente, a obra seria encomendada (expediente utilizado a partir de 2018) ao grupo de compositores que desenvolve os hinos do Paraíso desde o célebre desfile do vice-campeonato e vitorioso na simbólica eliminatória do enredo anterior que não desfilou ("Soltando os Bichos"). Entretanto, a proposta do "Seleção do Samba", com a possibilidade de três concorrentes finalistas de cada agremiação serem cantados em rede nacional na Globo, motivou a escola a convencer duas parcerias a desenvolverem sambas especialmente para a atração. Ou seja, os compositores já sabiam que "perderiam". Mas pelo menos veriam suas músicas serem veiculadas pela principal emissora do país. O próprio narrador e apresentador do "Seleção do Samba", Luís Roberto, comentou o assunto em live para o Mais Carnaval.

Um desses dois sambas "derrotados" foi sem dúvida o mais curioso dos 36 executados na atração carioca. Extenso e interminável, tem a narrativa prejudicada pelo excesso de citações. São poucas ligações de uma menção pra outra, tudo jogado de forma aleatória, remetendo quase ao "Mandamento Palavra Padre" (célebre concorrente imperiano de 2006). Até a melodia é comprometida, com a métrica indo pro espaço em muitos versos.

O trecho que mais chama atenção e divertiu até quem é fora da bolha que acompanhava o "Seleção" nas redes sociais é o pitoresco "ora yeyê Beyoncê", seguido de um "salve um erê Benjamin". Poucas frases depois, desponta um "Wakanda na tela" tendo como sequência referências a Mercedes Baptista e Mãe Stella de Oxóssi. Sim, elas vieram depois de Pantera Negra... Ou seja, já que a obra seria descompromissada e sem a responsabilidade de uma disputa convencional, a fim de servir como fachada para uma atração na TV, os compositores ligaram o "f...se" e buscaram citar todos os elementos que Paulo Barros planeja colocar no desfile, sem muito refinamento poético. A parceria deve até ter se divertido durante a construção da música.

O concorrente, no fim das contas, acaba sendo mais um a entrar pro folclore das obras mais curiosas do gênero. Com a diferença que foi reproduzida por dois minutos em uma das principais emissoras do mundo.
Clique aqui pra ver a letra do samba - NOTA: 8,0 (Marco Maciel).



Quem vai querer, quem vai querer? (Imperatriz 2022 - Tuninho Professor e parceiros) - De autoria de compositores renomados da Imperatriz, como Tuninho Professor, Marquinhos Lessa e Jeferson Lima, o samba era o que particularmente considerava mais apto a desafiar o belo samba de Gabriel Mello, que seria o vencedor da disputa. No entanto, acabou de fora da final.

A levada da obra é deliciosa, com uma valentia que lembra as obras dos anos 90 da escola e uma vibrante interpretação de Nêgo. A obra é envolvente do início ao fim, de ótimos refrães, sendo o principal de explosão com um irresistível "quem vai querer, quem vai querer?/só dá Lalá até o amanhecer" e o central mais gingado. As demais partes apresentam excelentes variações, com direito à cabeça lembrando o clássico "lá lá lá lá lauê" de "Martim Cererê" (1972) e a animada e bem produzida gravação no estúdio proporcionando até a batida da Mocidade no trecho que cita o trabalho de Arlindo em Padre Miguel. A letra, simples e direta, conta sem rodeios a história do lendário carnavalesco.

Uma pena que caiu na semifinal, pois merecia ser reproduzido no bem-sucedido "Seleção do Samba", ainda mais na voz de Preto Jóia (que ainda era intérprete da escola na gravação do programa).
Clique aqui pra ver a letra do samba - NOTA: 9,6 (Marco Maciel).