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EM BRASA RUBRA, AS PAZES COM A HISTÓRIA
   

8 de março de 2024, nº 87

Coluna anterior: Alafiou, Sapucaí!

EM BRASA RUBRA,

AS PAZES COM A HISTÓRIA

Dia desses me lembrei de um texto que o Marco Maciel publicou no site há dez anos. A coluna em questão se chamava “Aos trancos e barrancos, as pazes com a história”, que falava sobre “Os Sertões”, clássico samba de 1976 da Em Cima da Hora e um dos grandes hinos do carnaval brasileiro, ter acertado seus ponteiros com a história e conseguir ter um desfile digno, apesar de absurdos décimos descontados na apuração (com justificativas piores que as notas em si), apenas trinta e oito anos depois de sua apresentação original – ainda que no Grupo de Acesso e já na moderna Marquês de Sapucaí. O título desse texto ficou na minha cabeça por muito tempo. Vez ou outra voltava ali. Pressentia que em algum momento deveria usá-lo.

 

Como é o caso de agora.

 

Começamos com uma pergunta ao leitor: o que Edson Pereira, Wander Pires e o dia 14 de fevereiro tem em comum?

 

A resposta nos traz de volta à madrugada de 15 de fevereiro de 2010.

 

Data em que a Unidos do Viradouro desfilaria na Sapucaí o enredo “México: o paraíso das cores sob o signo do sol”. Enredo de um ainda jovem Edson Pereira – em parceria com Junior Schall. De um samba (o famigerado “Arriba Viradouro, uma tequila pra comemorar”) interpretado por um já consagrado Wander Pires, em mais uma estreia na carreira. Mas alguma coisa estranha pairava no ar desde antes daquela noite. Era um prenúncio de que tudo jogaria contra. Se já não estivesse. A escola enfrentava diversos problemas financeiros e (principalmente) políticos. E ainda contou com o azar de entrar na avenida após a avalanche feita pela Unidos da Tijuca com o antológico “É Segredo” – que se consagraria campeã.

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Como previsto, nada deu certo.

 

Na apuração, o mau prenúncio se confirmou. A Viradouro foi rebaixada para o então Grupo de Acesso e deixou o Grupo Especial após 20 desfiles consecutivos. Edson e Wander deixaram a escola posteriormente. E por anos, carregaram a “culpa” por nada ter dado certo naquela noite, impondo uma incômoda dívida da história da escola com ambos. Haveria a chance da redenção?

 

Haveria.

 

Edson Pereira no barracão da Viradouro durante a preparação para o carnaval de 2018 (Foto: Brenno Carvalho/O Globo)

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Oito carnavais depois, surge a oportunidade de Edson Pereira retornar à Viradouro, agora na já renomeada Série A e num cenário em que a escola esboçava uma reação após fases tão turbulentas como a daquela noite. O casamento, dessa vez, deu certo: como um rolo compressor, os “Loucos Gênios da Criação” criados pelo carnavalesco tocaram a alma, piraram os corações e ajudaram a escola de Niterói a conquistar o título e o retorno ao Grupo Especial – onde havia passado pela última vez três anos antes. Edson, enfim, conseguiu sua glória. Mesmo não tendo dado sequência ao seu trabalho posteriormente, o “artista de uma escola de verdade” (como cita a letra daquele ano) conseguiu cumprir sua missão: reescrever sua história na vermelho e branco.

 

Mas faltava um personagem acertar seus ponteiros com a história.

 

Passam-se mais cinco anos e é anunciada a volta de Wander Pires à Viradouro. A escola, já campeã de novo (quebrando um jejum de quase duas décadas e meia) e sempre disputando as primeiras posições, muito diferente daquela que ele encontrou pela primeira vez, 14 anos atrás. O intérprete, mais experiente, mais tarimbado, campeão novamente e vindo da conquista de um Estandarte de Ouro. Seu retorno ao Barreto, conforme descrevi na análise dos sambas de 2024 publicada pelo site antes dos desfiles, seria para “cumprir seus dois grandes desafios – a responsabilidade de substituir Zé Paulo Sierra no microfone da escola e apagar de vez a nada saudosa passagem por Niterói em 2010”. Daria certo? O veterano sentiu o nervosismo daquele jovem de 22 anos que estreava no carnaval, em 1994. “Eu tive muito medo de tomar uma vaia na minha estreia”, confidenciou o cantor em entrevista ao podcast “Só Se For Agora”, de Jorge Perlingeiro. Pra sorte dele (e do carnaval), aconteceu o efeito inverso: abraçado por sua comunidade, a conduziu – com talento e maestria - para ser um dos destaques do terceiro campeonato da Viradouro. Um retorno dos sonhos. Uma história muito diferente de 14 anos atrás. A hora era essa.

 

Wander Pires durante o desfile da Viradouro em 2024 (Foto: Rio Carnaval)

 

Como num clássico da discografia da escola: mas quem pensou que a luz se apagou, se enganou. Citando uma obra recente: das cinzas voltar, nas cinzas vencer. Cada um em seu tempo e especificidade, Edson e Wander foram recompensados e puderam (enfim!) fechar a página que estava aberta desde aquela noite sombria de 2010. O carnavalesco ajudou a abrir os caminhos para o início da fase vencedora, o intérprete foi um dos pilares a consolidar esta fase.

 

E voltando à pergunta do início desse texto: o que Edson Pereira, Wander Pires e o dia 14 de fevereiro tem em comum?

 

Tanto em 2018, quanto em 2024, a apuração aconteceu num dia 14 de fevereiro. Caprichos que os deuses do carnaval fazem, além das estrelas na imensidão e no poder que rasteja na terra...

 

Na grande potência de fazer carnaval que se tornou a Viradouro nos últimos anos, coube um nobre espaço para que sua história (agora tricampeã) fizesse as pazes com Edson e Wander. Aos trancos, barrancos, loucos e serpentes. Num mesmo 14 de fevereiro.