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Coluna do Rixxa Jr

Carnaval e Política - 2º Turno
SE EU VOTEI CERTO SÓ O TEMPO DIRÁ...

- Top 10 Sambario - Dez Sambas Históricos da Paraíso do Tuiuti

29 de outubro de 2018, nº 36

        Conforme prometido (ao contrário de muito político por aí, eu prometo e cumpro), divulgo o segundo turno do Instituto Data Top 10 Sambario – sem margem de erro – com dez sambas enredos que exaltaram líderes políticos ou simplesmente falam em política e eleições.


        E, por incrível que pareça, ao longo da história dos desfiles, rolaram muitos enredos chapa branca.


        E, parafraseando um samba da Unidos do Cabuçu, se eu votei certo? Só o tempo dirá...

10º lugar: BEIJA-FLOR – “Um griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha de nossa felicidade” 2015.

O título era épico (bem ao estilo da escola) e à primeira percepção, uma intenção nobre: sob a narrativa de um griô (um homem velho e sábio) a Beija-Flor pela enésima vez “resgataria sua alma africana” e prestaria homenagem à pequena e pouco conhecida Guiné Equatorial, pequeno país do continente negro, exaltando-lhe elogiar belezas naturais e lendas da África. Tudo transcorria muito bem no período pré-carnavalesco até que jornalistas e pesquisadores começaram a ir além da página 2: pululavam reportagens e informações de que a deusa da passarela haveria recebido um polêmico patrocínio de R$ 10 milhões para levar à Sapucaí enredo sobre a violenta ditadura de Teodoro Obiang, no comando da Guiné Equatorial desde 1979.

Após a apuração das notas, a Beija-Flor foi consagrada como a grande campeã do carnaval de 2015, dando a volta por cima depois do fiasco do ano anterior, quando ficou em sétimo lugar, ao homenagear o jornalista José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Ainda no clima da comemoração, uma nova informação aumentou as especulações em torno do enredo da escola de Nilópolis. O carnavalesco Fran-Sérgio, integrante da comissão de carnaval da azul e branca em 2015, afirmou que o patrocínio dado à agremiação veio de empresas brasileiras que têm obras no país africano. Ele citou o nome das empreiteiras Queiroz Galvão e Odebrecht, envolvidas em denúncias da Operação Lava-Jato, e do grupo ARG.


Quadra da Beija-Flor de Nilópolis em festa na comemoração do 13º título, em 2015.

O homenageado

Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, de 76 anos, ditador há 39 anos da Guiné Equatorial, é o chefe de Estado há mais tempo no poder na África, e o oitavo governante mais rico do mundo, segundo a revista Forbes, é frequentador discreto do Sambódromo e expectador do desfile das escolas de samba desde 2005. Obviamente, Obiang não desceu de seu luxuoso camarote para desfilar na agremiação nilopolitana.

A Guiné Equatorial é um pequeno país da África Ocidental, formado por duas ilhas e um pedaço estreito de continente, e habitado por 700 mil pessoas. Ao mesmo tempo que é um país miserável, é também o terceiro maior produtor de petróleo da África, perdendo apenas para Nigéria e Angola.

Teodoro Obiang, ditador da Guiné Equatorial desde 1979, é frequentador assíduo e discreto do desfile de escolas de samba.

Para escapar da acusação de ter feito um carnaval financiado por uma das mais cruéis ditaduras do mundo, conforme relatório de 2013 do Departamento de Estado do governo norte-americano, a comissão de carnaval da Beija-Flor preferiu elogiar belezas e lendas da África. Somente em duas passagens, o samba enredo fala diretamente da Guiné. Uma quando a chama de Guiné, rima mais fácil. Outra quando se refere a ela como Guiné Equatorial.

Por exigência do ditador, um verso do samba foi modificado para chamar Guiné de Guiné Equatorial, já que na África mais duas Guinés — a Bissau e a somente Guiné – sendo que as duas são vizinhas. A Guiné é vítima de um surto de ebola e Obiang não quer que a sua Guiné Equatorial seja confundida com a Guiné do ebola.

Com mais este controverso enredo, a Beija-Flor sagrou-se campeã do Grupo Especial, conquistando seu 13º título.

Formosa

Divina ilha testemunha dos grilhões

Eu vi a escravidão erguer nações

Mas a negritude se congraça

A chama da igualdade não se apaga

Olha a morena na roda e vem sambar

Na ginga do Balelé, cores no ar

Dessa mistura faço carnaval

Canta Guiné Equatorial

(J.Velloso, Samir Trindade, Jr Beija Flor, Marquinhos Beija Flor, Gilberto Oliveira, Elson Ramires, Dílson Marimba e Silvio Romai)

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O centenário de Miguel Arraes foi o motivo do enredo da Unidos de Vila Isabel em 2016. Segundo o carnavalesco Alex de Souza, foi um enredo menos biográfico e mais das causas sociais e pelos direitos das pessoas. “Não é a biografia do Miguel Arraes, mas é um enredo politizado, pois fala da luta dos menos favorecidos, fala dos flagelados da seca”, afirmou à época o carnavalesco. O tema foi de autoria de Martinho da Vila, um simpatizante da trajetória política de Arraes.

“Pai Arraia” é o nome pelo qual os habitantes mais humildes de Pernambuco se referiam a Arraes. Mesmo tendo sido a primeira escola a desfilar na segunda-feira de Carnaval, a escola do bairro de Noel Rosa concluiu o desfile aos gritos de “é campeã”, do público que lotava as arquibancadas populares da Praça da Apoteose, no Sambódromo da Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro.

9º lugar: UNIDOS DE VILA ISABEL – “Memórias do ‘Pai Arraia’ - um sonho pernambucano, um legado brasileiro” (2016) 

Mesmo tendo sido a primeira escola a se apresentar, na noite de segunda-feira, a Vila Isabel arranca gritos de ”é campeã”

O homenageado

Cearense que fez carreira política em Pernambuco, Miguel Arraes de Alencar (1916 - 2005) foi um dos maiores expoentes da esquerda brasileira. Formado em direito, Miguel Arraes foi deputado estadual, federal e governador de Pernambuco por três vezes.

Deposto em 1964, Miguel Arraes esteve exilado por treze anos na Argélia. Ao todo, foi eleito governador de Pernambuco por três vezes.

Aliado do ex-presidente João Goulart, exercia seu primeiro mandato como governador de Pernambuco, quando, no dia 1º de abril de 1964, foi deposto pelo regime militar. Arraes ficou 13 anos exilado na Argélia. Voltou ao Brasil em 1979, beneficiado pela Lei da Anistia política. Em 1982, elegeu-se deputado federal pelo PMDB. Em 1986, foi eleito pela segunda vez governador de Pernambuco. Em 1990 fundou o PSB, pelo qual conseguiu, por mais uma vez, ser eleito deputado federal. Foi governador pela terceira ocasião em 1994.

Morreu aos 88 anos, em 2005, no exercício de seu último mandato político (como deputado federal). Três anos depois, em 2008, sua viúva, Magdalena Arraes, criou o Instituto Miguel Arraes com o objetivo de preservar a memória do ex-governador.

Pai Arraia era como a população mais humilde o chamava.

 

O Pai Arraia rendeu o oitavo lugar no Grupo Especial para a Vila.

Com ternura me chamavam Pai Arraia

Onde os arrecifes desenham a praia

Um sentimento no coração, no pensamento, soluções reais

Liberdade se conquista com educação

Juntei os artistas e intelectuais

( Martinho da Vila, Arlindo Cruz, Mart’nália, André Diniz e Leonel)

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8º lugar: UNIÃO DA ILHA DO GOVERNADOR – “Cidade Maravilhosa, o sonho de Pereira Passos” (1997) 

Em 1997 a simpática Ilha teve como enredo a transformação da cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, nos primeiros anos do século XX. A imagem da cidade precisava ser reconstruída e transformada em símbolo de modernidade.

Sob o comando do engenheiro Francisco Pereira Passos (1863-1913) e com inspiração no modelo de arquitetura e urbanismo francês, a cidade se transformou em um imenso canteiro de obras, no que foi denominado na época como o “bota-abaixo”. O Rio de Janeiro deixava de ser a “cidade da morte” para a “cidade maravilhosa”.

         No entanto, a tricolor não foi feliz em seu desfile. Para início de conversa, parte do abre-alas não chegou à avenida. A falta de dinheiro que já atingia várias escolas – como a Estácio de Sá que havia sido campeã do Grupo Especial cinco anos antes e que caiu naquele carnaval – também afetou demais a União da Ilha. O carnavalesco Roberto Szaniecki, nem viu o carnaval assinado por ele passar na Sapucaí: fora demitido pela direção da escola na véspera do desfile. Apesar de todas as intempéries, aquele foi o ano da estreia de Ito Melodia como intérprete absoluto da Ilha, já que até o ano anterior, o filho do legendário Aroldo Melodia era cantor de apoio de seu pai.

“Lá vem a Ilha meu bem / toda gostosa também/ cantando Rio, cidade maravilhosa...”.

Muitos críticos condenaram a escolha desse enredo porque o ex-prefeito Pereira Passos expulsou grande parcela da população carente de sua época do centro da cidade e, sendo as escolas de samba fruto da criação desse segmento da população, homenagear essa personalidade não seria algo confortável.

O homenageado

Na primeira década do século passado, o Rio de Janeiro passava por graves problemas sociais, decorrentes, em grande parte de seu rápido e desordenado crescimento, alavancado pela imigração europeia e pela transição do trabalho escravo para o trabalho livre. Na ocasião em que Pereira Passos assume a Prefeitura da cidade (de 1902 a 1906), o Rio de Janeiro, com sua estrutura de cidade colonial, possuía quase um milhão de habitantes carentes de transporte, abastecimento de água, rede de esgotos, programas de saúde e segurança.

O engenheiro Pereira Passos, que governou o Rio de 1902 a 1906.

Na região central do Rio de Janeiro – a Cidade Velha e adjacências – eclodiam habitações coletivas insalubres (cortiços), epidemias de febre amarela, varíola, cólera, conferindo à cidade a fama internacional de porto sujo ou "cidade da morte", como se tornara conhecida.

A reforma urbana de Pereira Passos visou o saneamento, o urbanismo e o embelezamento, dando ao Rio de Janeiro ares de cidade moderna e cosmopolita. Apesar das melhorias sanitárias e urbanísticas, o plano do plano do ex-prefeito implicou em um alto custo social, com o início das formações de favelas na cidade.

A Ilha ficou em 12º lugar em 1997, quase caindo para o acesso A.

Fiz brilhar

Pintei meu Rio qual retrato de Paris

Com a cidade iluminada

O carioca tem a noite mais feliz

Mostrando ao mundo a riqueza nacional

Meu Rio agora é belle époque tropical

(Bujão, Carlinhos Fuzil e Wanderlei Novidade)

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7º lugar: UNIDOS DE VILA ISABEL – “Aruanã-Açu” (1974) 

Algumas vezes, a censura de um regime político interna afetava a cultura popular, inclusive os desfiles das escolas de samba, que sofriam interferência governamental para que não só calassem sobre fatos desagradáveis para a ditadura, como tivessem que louvar o regime, fazer-lhe propaganda. Assim foi com o Salgueiro de Pamplona, que em 1967 apresentou a “História da Liberdade no Brasil” – o carnavalesco dizia que agentes do DOPS costumavam rondar a quadra da escola e não foram poucas as vezes que subitamente faltava luz durante os ensaios. E também com o Império Serrano quando apresentou “Heróis da Liberdade”, como vimos na coluna 35

Em 1974, o músico e escritor Martinho da Vila, compositor da escola de samba Unidos de Vila Isabel, inscreveu um samba para o carnaval da escola naquele ano, “Aruanã Açu”, em que cantava a resistência dos índios Carajás diante do progresso desenfreado. O samba foi censurado e por imposição do governo militar, a escola foi obrigada a substituir não só o samba como também o viés do enredo. Sai a saga do povo carajá e o tema sofreu uma guinada de 180 graus, passando a elogiar um dos megaempreendimentos do regime, a estrada Transamazônica.

Articulação política de Martinho da Vila junto ao governo do Rio em 1974 fez com que a Riotur decidisse que nenhuma escola caísse para o Segundo Grupo

Segundo contou Martinho, em entrevista, o samba ufanista foi mal recebido pelo público, e ele próprio teve que conspirar politicamente para que a Vila Isabel não fosse rebaixada: “era tempo de opressão e a diretoria da Vila, na época presidida pela Pildes Pereira, foi pressionada pela censura política e, sob ameaça, foi obrigada a cortar o meu samba, tachado de subversivo, e mudar o desenvolvimento do enredo, passando a fazer uma exaltação à estrada Transamazônica”, conta Martinho no documento “Relatório Comissão da Verdade  - Tomo I - Parte II - Violações aos Direitos dos Povos Indígenas.

A Vila desfilou sob vaias, xingamentos e indiferença. O compositor percebeu que a queda para o Segundo Grupo era iminente. Aí, Martinho conta que lembrou da Beija-Flor de Nilópolis que, em anos anteriores, para se segurar entre as grandes, apresentou enredos puxa-saco e se deu bem. “Lá na avenida mesmo eu comecei a articular politicamente”. Martinho explicou que a escola conseguiu uma decisão do governo do antigo estado da Guanabara, na pessoa do ex-governador Chagas Freitas (nomeado pelo Palácio do Planalto) determinando que naquele ano nenhuma escola caísse.

         O samba de Martinho descartado pela Vila foi renomeado para “Tribo dos Carajás” e gravado pelo artista em seu disco “Canta, canta, minha gente”, lançado em 1975.

“Aruanã-Açu é a grande festa do povo do Alto Xingu”, diz o samba de Martinho que fez posterior sucesso em disco de carreira.

Das dez escolas que desfilaram no grupo Especial de 1974, a Vila Isabel tirou o último lugar. No entanto, graças à articulação política liderada por Martinho da Vila junto ao governo do Estado, a Riotur determinou que nenhuma escola cairia para o Segundo Grupo. A decisão beneficiou as duas últimas colocadas (Vila e Unidos de São Carlos), que não desceram. Para o carnaval de 1975, o Grupo Especial contou com 12 escolas: as dez que desfilaram no ano anterior e mais União da Ilha do Governador e Unidos de Lucas, respectivamente as escolas campeã e vice do Segundo Grupo em 74.

A grande estrada que passa reinante

Por entre rochas, colinas e serras

Leva o progresso ao irmão distante

Na mata virgem que adorna a terra

O uirapuru, o sabiá, a fonte,

As borboletas, perfumadas flores,

A esperança de um novo horizonte

Traduzem festa, integração e amores

(Paulinho da Vila e Rodolpho)

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6º lugar: TUPY DE BRÁS DE PINA – “Brasil, glória e integração” (1975) 

        A Tupy de Brás de Pina tem em seu currículo muitos enredos em homenagem a grandes personalidades, especialmente das artes. Fundada em 1948, ao longo de sua trajetória, a azul e branco decantou nomes como Dorival Caymmi (1985), Chiquinha Gonzaga (1972), Wilson das Neves (2017), Gonçalves Dias (1962), Almeida Junior (1960) e Nélson Rodrigues (1982), e da folia, como Clóvis Bornay (1996), Armando Campos (1993) e Oswaldo Sargentelli (1994).

Tupy de Brás de Pina em desfile em 1959, na Avenida Rio Branco, com o enredo “Memórias de um preto velho”.

A Tupy ganhou notoriedade pela apresentação do antológico samba “Seca do Nordeste” no carnaval de 1961, quando foi vice-campeã do antigo Segundo Grupo (atual Grupo de acesso A), perdendo para a Unidos do Cabuçu. No entanto, a escola do subúrbio da Leopoldina também resolveu pegar carona no artifício dos enredos ufanistas que algumas escolas recorreram durante a década de 70. Em 1975, resolveu exaltar o Plano de Integração Nacional, um programa de cunho geopolítico criado em 1970 pelo governo militar brasileiro, durante o mandato do general Emílio Médici.

       A proposta do PIN era baseada na utilização de mão de obra nordestina liberada pelas grandes secas do final da década de 60 e na noção de vazios demográficos amazônicos. É desta época que surgiram os lemas “integrar para não entregar” e “terra sem homens para homens sem terras”. O PIN previa que cem quilômetros em cada lado das estradas a ser construídas deveriam ser utilizadas para a colonização por cerca de quinhentas mil pessoas, ou seja, uma meta de assentar cem mil famílias. A rodovia Transamazônica foi a principal via escolhida para a colonização.

O PIN tinha como proposta fazer com que colonos nordestinos egressos dos locais castigados pelas secas ocupassem os espaços vazios da Amazônia.

A escola venceu o Segundo Grupo em 1975 e obteve o direito de ascender ao Grupo Especial. No ano seguinte, deu seguimento aos temas ufano-nacionalistas, exaltando as cores do pavilhão brasileiro, com o enredo “Riquezas áureas da nossa bandeira”.

Ao todo, a Tupy desfilou na elite do samba em quatro oportunidades: 1958, 1959, 1972 e 1976. Já bastante decadente, a agremiação enrolou sua bandeira em 1998, quando subiu do Acesso E para o D com um terceiro lugar. Ressurgiu das cinzas em 2015, depois de mais de quinze anos sem desfilar. Meses após o carnaval de 2018, foi anunciada a transferência de sua vaga para uma agremiação ligada a torcedores do Botafogo de Futebol e Regatas – a Botafogo Samba Clube. Assim, a charmosa e lendária Tupy de Brás de Pina voltou a se chamar saudade.

Hoje, quando um novo sol

Brilha no horizonte

Um panorama fascinante

Surge a integração nacional

Vejam que o Brasil se enobrece

Dando o valor que merece,

Ao trabalhador rural

(Ala dos Compositores)

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5º lugar: UNIDOS DE VILA ISABEL – “Soy loco por ti América: A Vila canta a latinidade” (2006) 

E deu Bolívar no samba! Rica e profissional como nunca antes imaginado, a Unidos de Vila Isabel se tornou a campeã do carnaval de 2006. Foi o segundo título da escola, que havia vencido pela primeira vez com o histórico “Kizomba”, em 1988. Se no ano do centenário da abolição a escola vinha de uma pobreza quase franciscana, sem quadra, ensaiando na rua, dando sangue, suor e lágrimas em sua apresentação, a situação foi o oposto em 2006. O enredo “Soy loco por ti, América”, de Alexandre Louzada, foi patrocinado pela petrolífera venezuelana PDVSA, que investiu cerca de R$ 1 milhão dos quatro milhões de reais gastos pela escola.

À época do desfile, o presidente da Vila, Wilson Moreira Alves, o Moisés, disse que pretendia fazer uma “gestão empresarial” na escola. Segundo o dirigente, o patrocínio da PDVSA foi fundamental para que a branco e azul pudesse trazer alegorias ricas.

O majestoso abre-alas da Vila Isabel em 2006: escola investiu R$ 4 mi no carnaval

          A euforia com o tema e o patrocínio estrangeiro era tanta que correram boatos de que até o presidente da Venezuela, Hugo Chávez  (1954 - 2013), fosse desfilar com a escola na Sapucaí, fato que não se confirmou na avenida. “Procuramos explorar a união cultural da América Latina, resgatar a identidade de nosso povo. Foi um tema polêmico, que mexeu com diversos interesses políticos. Mas somos artistas. Não fizemos propaganda política. Falamos apenas sobre a integração cultural. Daí vem os pensamentos de Bolívar como espinha dorsal de nosso trabalho. Mas não é a política que nos interessa”, justificou Louzada, que após o título na Vila, se transferiu para a Beija-Flor, onde passou a integrar a poderosa comissão de carnaval, que garantiu à escola de Nilópolis o bicampeonato de 2007/2008 e mais o caneco de 2011.

Chávez em pleno “compasso da felicidade” com uma passista da Vila.

A Vila terminou a apuração empatada com a Grande Rio em 397,6 pontos, mas venceu no principal quesito de desempate, samba-enredo. Curiosamente, foi por causa de seu samba que a Vila se envolveu em uma polêmica meses antes do carnaval. Martinho da Vila, presidente de honra e nome mais importante da escola, brigou com a diretoria por ter tido o samba que inscreveu eliminado, e não participou do desfile.

Arriba, Vila

Forte e unida

Feito o sonho do libertador

A essência latina é a luz de Bolívar

Que brilha num mosaico multicor

Para bailar “La Bamba”, cair no samba

Latino-americano som

No compasso da Felicidade

“Irá pulsar mí corazón”

(André Diniz, Serginho 20, Carlinhos do Peixe e Carlinhos Petisco)

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4º lugar: SÃO CLEMENTE – “Já vi este filme” (1991) 

Depois de apresentar no desfile do Grupo Especial de 1990 o samba-enredo “E o samba sambou” (que será reeditado em 2019) – no qual criticava a privatização que transformou o carnaval em show business – e obter assim a sua melhor colocação de sua história, a agremiação preto e amarelo do bairro de Botafogo anunciou o tema “Já vi este filme”,dos carnavalescos Carlinhos D’Andrade, Roberto Costa e César d’Azevedo. A escola almejava ser ainda mais contundente na crítica e na irreverência que a notabilizaram.

        A letra do samba se refere, ainda que simbolicamente, a personagens da política brasileira. O enredo tem como fio condutor o personagem Clementius e se passa em um futuro muito distante, mais precisamente em 2991, exatos mil anos depois daquele carnaval. Com muita malícia, irreverência, humor, sentido figurado e uma boa dose de cinismo, a escola perpassa toda a história política brasileira, com setores representando o Descobrimento, a escravatura e o tráfico negreiro (os “saturnafricanos”, segundo os carnavalescos), Tiradentes, a chegada da Família Real, a Independência, a Proclamação da República até chegar à presidência de Fernando Collor. Era o auge da criatividade do trio Andrade, Azevedo e Costa, uma espécie de Monty Python da folia carioca.

“Já vi esse filme” representou o auge da criatividade dos carnavalescos clementianos Carlinhos D’Andrade, Cesar d’Azevedo e Roberto Costa.

Devido à excepcional colocação obtida em 1990 (sexto lugar), a apresentação da São Clemente era bastante aguardada. A escola encerrou o desfile de domingo, com 4.500 componentes em 24 alas.

        Apesar do tom irônico e bem-humorado do desfile, havia um quê de pessimismo no ar, pois a escola abria e encerrava a apresentação com a mesma alegoria (ou melhor, dois carros distintos, mas confeccionados exatamente igual, apresentados no início e no final do desfile) representando o final dos tempos, o caos social, a desesperança, a decadência humana, significando que tudo é cíclico, com as coisas terminando da mesma forma que começam. Ou seja: já vimos este filme!

Apesar de bem humorado e da ótima ideia, o enredo São Clemente também tinha muito de pessimismo.

Das 16 escolas daquele inchado Grupo Especial de 1991, a São Clemente chegou em 11º lugar. Como o regulamento previa o rebaixamento das quatro últimas, a escola da zona sul desceu para o Grupo 1-B (atual Série A) junto com Lins Imperial, Império Serrano e Acadêmicos da Grande Rio.

Passaram os anos foi aberta a exceção

Diretamente vai às urnas o povão

Cansado, confiscado, sem saber o que fazer

Vendo “Clementius” novamente no poder

É brincadeira quá, quá, quá

Pau-brasil que nasce torto

Sempre torto vai ficar

(Manoelzinho Poeta, Jorge Melodia, Jorge Moreira, Severo e Haroldo Pereira)

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3º lugar: UNIDOS DO CABUÇU– “Será que eu votei certo para presidente?” (1990) 

Depois de ter sido marcada como a escola das homenagens a personalidades (Beth Carvalho em 1984, Roberto Carlos em 1987, Os Trapalhões em 1988 e Milton Nascimento em 1989), a Unidos do Cabuçu resolveu enveredar para a sátira, vertente que estava muito em voga na época.

Em 1990, graças ao tapetão que a garantiu no Grupo Especial, a escola abriu o desfile de domingo: a Lins Imperial, vice-campeã do Segundo Grupo em 1989, havia impetrado uma ação judicial requerendo o direito de desfilar na categoria principal, vaga já garantida à campeã Acadêmicos de Santa Cruz. Assim, para formar as 16 escolas da elite do carnaval, a Cabuçu foi mantida.

 O enredo questionava: “Será que votei certo para presidente?”. O Brasil vivia dias de esperança no início daquele ano. Depois da primeira eleição direta para presidente, vencida por Fernando Collor de Mello, o povo acreditava que a volta da democracia finalmente seria consolidada e os eternos problemas sócio-econômicos acabariam de uma vez por todas.

O desfile da Cabuçu aconteceu antes da posse de Collor. Cerca de um mês depois, houve o famigerado confisco das poupanças, liderado pela ministra da Economia Zélia Cardoso de Melo, prejudicou milhares de famílias e a inflação galopante não havia sido de todo controlada. O enredo não rendeu o esperado e, apesar da garra dos componentes, de cara a escola manifestava as dificuldades enfrentadas no pré-carnaval.

          A escola presidida por Therezinha Monte usou e abusou da sátira e crítica política. Vários bonecos com componentes representando Collor.

Carro abre-alas da Cabuçu precedido pela comissão de frente, com os componentes trajando um ponto de interrogação. Afinal, a escola questionava se tinha votado certo para Presidente da República.

Outro carro alegórico da escola representava os candidatos derrotados na eleição de 1989 com pernas femininas – uma alusão ao “Cabaré do Barata” um programa humorístico exibido na TV Manchete que era apresentado por Agildo Ribeiro em que ele contracenava com fantoches de políticos como Fernando Collor de Mello, Leonel Brizola, Luiz Inácio Lula da Silva, e outros bonecos oriundos do programa Agildo no País das Maravilhas, que era exibido na TV Bandeirantes.

          Em outra alegoria, uma destaque bem gordinha (hoje em dia se diria “plus size”) representava a inflação enorme que o Brasil vivia.

Alegoria da Cabuçu que fazia menção aos candidatos derrotados na eleição de 1989, com os fantoches do humorístico O Cabaré do Barata.

Das 16 agremiações do Grupo Especial, a Unidos do Cabuçu chegou em último lugar, sendo rebaixada para o Grupo 1-B (atual Série A). Desde então, a agremiação não retornou mais à elite do carnaval.

Senhor Presidente

Pra essa miséria ter fim

Faça um governo capaz

Dê melhor vida, amor e paz

O povão espera assim

(Afonsinho, João Anastácio, Walter da Ladeira e Carlinhos do Grajaú)

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2º lugar: IMPERATRIZ LEOPOLDINENSE – “Liberdade, liberdade. Abra as asas sobre nós” (1989) 

Em um ano, a Imperatriz Leopoldinense foi do oito ao 800. Em 1988, a verde e branco do bairro de Ramos tinha feito “Conta outra que esta foi muito boa”, de Luiz Fernando Reis, ex-carnavalesco da Caprichosos de Pilares. Era um enredo político, de protesto, e a escola não se saiu muito bem: chegou em último lugar.

Salva pelo tapetão, para o ano seguinte, a direção da escola optou por fazer um enredo nos moldes antigos, exaltando o centenário da Proclamação da República. A princesa Isabel passou de vilã a heroína em um ano. Se em 88, o samba falava “De 71 com a realeza / me mandou uma princesa / que fingiu me libertar”, em 89, a escola cantava a plenos pulmões “pra Isabel, a heroína / que assinou a lei divina (...).

         O ano de 1989 também marcou o primeiro desfile do carnavalesco Max Lopes na Imperatriz, que apresentou um espetáculo bem luxuoso. A escola contou a história do fim da monarquia brasileira e a proclamação da república tendo como personagens históricos, D. Pedro II, princesa Isabel e marechal Deodoro, além de citar fatos como a Guerra do Paraguai, a chegada dos imigrantes europeus no final do século 19 e a abolição da escravatura.

Detalhe da coroa da Imperatriz no abre-alas do desfile de 1989

Uma das imagens que mais marcaram este desfile e que simbolizava a grandiosidade da escola foi a de um carro alegórico que retratava a Guerra do Paraguai. Sobre o cavalo mais alto, veio o destaque Zacarias de Oxóssi, representando Duque de Caxias montado em cima de um cavalo, que era mais alto do que a torre de televisão do Sambódromo.

A posição do componente ultrapassava os nove metros e meio da torre de televisão. Ao se aproximar do monumento, um mecanismo fez com que o cavalo abaixasse. O destaque tirou o chapéu e a alegoria passou tranquilamente, para delírio do público que lotava as arquibancadas da Sapucaí.

Não há como deixar de lembrar também que em 1989 houve o duelo luxo versus lixo. Enquanto a Imperatriz vinha riquíssima e soberana, Joãosinho Trinta encheu a avenida de mendigos, com o enredo da Beija-Flor: “Ratos e urubus, larguem a minha fantasia”, que igualmente extasiou o público, marcou época e, há quem diga que foi o maior desfile de todos os tempos.

Alegoria representando a Guerra do Paraguai e o destaque passa raspando pela torre de TV do Sambódromo.

Na apuração, como as menores notas “caíam”, Imperatriz e Beija-Flor terminaram empatadas. O quesito de desempate era samba-enredo, e como “Liberdade, liberdade” só recebeu notas dez (na véspera, o samba havia ganho o Estandarte de Ouro do júri oficioso do jornal O Globo), a escola foi consagrada campeã com um desfile memorável. O título devolveu a Imperatriz ao grupo das grandes escolas na época, já que a entidade vinha chegando nas posições intermediárias nos últimos carnavais.

Na noite quinze reluzente

Com a bravura finalmente

O marechal que proclamou

Foi presidente

Liberdade, liberdade

Abra as asas sobre nós

E que a voz da igualdade

Seja sempre a nossa voz

(Niltinho Tristeza, Preto Jóia, Vicentinho e Jurandir)

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1º lugar: BEIJA-FLOR DE NILÓPOLIS 

“Educação para o desenvolvimento” (1973)

“Brasil Ano 2000” (1974)

“O grande decênio” (1975)

Até hoje quando se fala em enredos ufanistas ou adesistas, a primeira ideia que vem à cabeça são os enredos da Beija-Flor desenvolveu na primeira metade da década de 70.

         É importante contextualizar aquela época. A Beija-Flor nem sonhava em ser a potência carnavalesca que se tornou e nem possuir o gigantismo que a simbolizou nos carnavais seguintes, com a Era Joãosinho Trinta. A Beija era apenas uma escola da Baixada Fluminense que a muito custo lutava para se manter no Grupo Especial.


Beija-Flor de Nilópolis se sagrou vice-campeã do Grupo 2 no carnaval de 1973

A agremiação já era comandada pela família Abraão David desde a década de 60. Em 1965, Aniz Abraão David (o Anísio), então já em ascensão no jogo do bicho, teve uma rápida passagem pela presidência da escola. Posteriormente, seu irmão mais novo, Nelson, foi eleito presidente, em 1972. Naquele ano, em virtude da comemoração do sesquicentenário da Independência do Brasil, várias escolas apresentaram temas de exaltação à pátria.

Para o ano seguinte, a direção da Beija-Flor resolveu ir além no ufanismo e resolveu prestigiar os feitos do governo militar, no sentido de angariar a simpatia do regime e dos jurados dos desfiles, que eram escolhidos pela poderosa Empresa de Turismo do então estado da Guanabara, a Riotur.

A escola apresentou um enredo sobre a educação em 1973 e conquistou o vice-campeonato do Segundo Grupo, retornando à divisão principal treze anos depois.

Veja que beleza de nação

O Brasil descobre a educação

Graças ao desenvolvimento

E a reforma do ensino

O futuro, o amanhã

Está nas mãos destes meninos

Vamos exaltar

Vamos exaltar

As professoras

Que ensinam o bê-a-bá

(César Roberto Neves e Darvin)

Propaganda veiculada nos veículos impressos sobre o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral)

          A partir da chegada da Beija-Flor ao Grupo Especial, Anísio tornou-se patrono e presidente de honra da escola, transformando-se numa espécie de mecenas, e assumindo cada vez mais as decisões na entidade.

         Em 1974, a escola contratou uma carnavalesca novata, recém-formada pela Escola de Belas Artes, que havia sido aluna de Fernando Pamplona e tinha trabalhado na equipe de carnavalescos do Salgueiro: a jovem Rosa Magalhães. A artista desenvolveu para a Beija-Flor o enredo “Brasil Ano 2000”, na qual fazia uma projeção  de como seria o país na virada do século caso prosperassem todos os programas desenvolvimentistas dos governos militares.


Transamazônica, a estrada que cortava a mata em pleno sertão, segundo o enredo da Beija-Flor em 1974.

Apresentando uma competente organização, bom desenvolvimento dos quesitos e contando com a adesão da comunidade, a Beija-Flor chegou em 7º lugar. Como não houve rebaixamento naquele ano, como vimos quando falamos sobre a Vila Isabel e seu “Aruanã-Açú”, a escola de Nilópolis se manteve por mais um ano na divisão principal.

É estrada cortando

A mata em pleno sertão

É petróleo jorrando

Com afluência do chão

Sim chegou a hora

Da passarela conhecer

A idéia do artista

Imaginando o que vai acontecer

No Brasil no ano dois mil

Quem viver verá

Nossa terra diferente

A ordem do progresso

            Empurra o Brasil pra frente

(Walter de Oliveira e João Rosa)

Como não houve rebaixamento em 1974, a Beija-Flor se manteve na divisão principal.

        Em 1975, Beija Flor teve como tema de seu desfile o “Grande Decênio”, samba de autoria do cantor e compositor Bira Quininho (ver seção Intérpretes). A escola, que encerrou o desfile, exaltou as realizações dos 10 primeiros anos dos governos militares do Brasil. Assim, a escola encerrava a trilogia de exaltação aos feitos do regime de exceção.

“O” Beija-Flor exalta com galhardia o grande decênio em 1975 e encerra o ciclo de exaltação aos feitos do governo militar.

Revista Manchete de 1975 com relato do desfile da Beija Flor, que naquele ano teve como enredo o tema “O Grande Decênio", destacando as realizações dos governos militares brasileiros.

Das doze concorrentes no Grupo Especial, a escola de Nilópolis classificou-se com folga, ao obter o sétimo lugar, e mantendo sua vaga para o carnaval de 1976, que viveria uma revolução provocada por um baixinho maranhense. Mas isso é assunto para outra coluna.

É de novo carnaval

Para o samba este é o maior prêmio

E o Beija-Flor vem exaltar

Com galhardia

O Grande Decênio

Do nosso Brasil que segue avante pelo céu, mar e terra

Nas asas do progresso constante

Onde tanta riqueza se encerra

Lembrando PIS e PASEP

E também o FUNRURAL

Que ampara o homem do campo

Com segurança total

 (Bira Quininho)



Gerson Brisolara (Rixxa Jr.)
rixxajr@yahoo.com.br