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Coluna do Rixxa Jr

DEZ MÚSICAS CONCEBIDAS À LA SAMBA-ENREDO

 . Leia também: Top 10 Sambario - Dez Sambas Históricos da Paraíso do Tuiuti

23 de abril de 2018, nº 34

O anúncio pegou o mundo do samba de surpresa. O Império Serrano escolheu a música “O que é o que é”, composta e gravada por Gonzaguinha, em 1982, no disco Caminhos do Coração, como enredo para Carnaval 2019. O próprio carnavalesco da verde e branco de Madureira, Paulo Menezes, foi o autor da ideia, avalizada pela direção da escola.

Será a segunda vez que uma agremiação do Grupo Especial do Rio de Janeiro lança mão do expediente de se apropriar de uma canção da música popular brasileira que tem a configuração de samba-enredo – porém, não concebida para a avenida – com intenção de disputar o carnaval com esta canção. Foi assim com a Unidos do Viradouro, no desfile de 2015. A escola de Niterói levou para o sambódromo da Sapucaí o enredo Nas veias do Brasil, é a Viradouro em um dia de graça, uma homenagem ao poeta e compositor Luiz Carlos da Vila. O samba que os cerca de 2,5 mil componentes da Vira desfilaram foi uma fusão de duas músicas do sambista falecido em 2008: “Nas veias do Brasil” e “Um dia de graça”, ambas compostas e gravadas na década de 1980, por Beth Carvalho e Simone, originalmente.

Assim, o Top Dez Sambario – não tendo a vergonha de ser feliz – surfa na onda imperiana e lista dez músicas compostas e gravadas por astros e estrelas da MPB que estão na configuração de samba-enredo clássico, mas não foram originalmente pensadas como trilha sonora de desfile de passarela, mas caso essa tendência seja seguida por outras entidades, não fariam feio ao menos em tirar uma nota diferente de 10 no quesito samba-enredo.

Obs: Este texto é apenas uma maneira de exercitar a imaginação e elucubrar se estas poderiam canções poderiam servir um dia para musicar a apresentação de uma GRES no sambódromo. Vale lembrar que este colunista defende a existência e o fortalecimento das alas de compositores das escolas de samba assim como as disputas de samba-enredo.

10º lugar: O MESTRE-SALA DOS MARES – Autores: João Bosco e Aldir Blanc (1974)

“O Mestre-Sala dos Mares” foi gravada inicialmente por Elis Regina, em seu álbum de estúdio Elis (1974), numa versão mais lenta e mais emepebezada, próximo à bossa nova, com pitadas de jazz, sendo executada com instrumentos elétricos, como guitarras e sintetizadores, comandados magistralmente pelo maestro César Camargo Mariano. Um estrondoso sucesso. No ano seguinte, a música foi gravada por João Bosco, no disco Caça à Raposa, e aí sim ganhou uma versão de samba, com bastante batucada e com corais de pastoras. A icônica canção trouxe a público a figura do marinheiro gaúcho João Cândido Felisberto (1880-1969), o líder da Revolta da Chibata (1910), personagem que a história oficial soterrou nos porões da memória nacional. Entre outras alterações na letra, destacam-se a substituição de marinheiro por feiticeiro e navegante no lugar de almirante. A saga de João Cândido já mereceu homenagens de várias escolas de samba pelo país. As mais notórias: União da Ilha do Governador, com “Um enredo, um herói, uma canção” (1985) – além de João Cândido também foi homenageada a própria música “Mestre-Sala dos Mares” e sua mais notória intérprete, Elis Regina. Anos mais tarde, foi a vez do Camisa Verde e Branco homenagear o navegante negro com um sambaço em 2003, reeditado em 2017.

Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o navegante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas no cais


 João Bosco e Aldir Blanc nos anos 70 e a imagem do Almirante Negro

9º lugar: O ENREDO DE ORFEU (HISTÓRIA DO CARNAVAL CARIOCA) – Autores: Caetano Veloso e Gabriel O Pensador (1999)

A música-tema do filme Orfeu, do diretor Cacá Diegues, é um sambão-enredo composto especialmente por Caetano Veloso, com uma estrofe em rap no meio, de Gabriel O Pensador, e acompanhamento dos ritmistas da bateria da Unidos do Viradouro, regida por Mestre Jorjão, o mesmo que encantou a Sapucaí em 1997, com a legendária paradinha-funk, com a mesma Viradouro, campeã do Grupo Especial daquele ano.

O samba “O enredo de Orfeu” foi encomendado a Caetano (diretor da trilha sonora do filme) para figurar nas cenas em que aparecia a fictícia Unidos da Carioca, escola de samba do personagem-título, interpretado na tela pelo cantor e ator Toni Garrido (na época, vocalista do grupo Cidade Negra, então no auge do sucesso).

Na realidade, a Unidos da Carioca era a Unidos do Viradouro. As cenas de carnaval que aparecem na película foram filmadas na Marquês de Sapucaí durante o desfile da vermelho e branco de Niterói em 1998, com um enredo de autoria de Joãosinho Trinta, que também falava sobre o mito grego (Orfeu, o negro do carnaval). Uma feliz e espetacular “venda casada” entre ficção e vida real.

Quando Caetano Veloso apresentou pela primeira vez o samba do filme, em um ensaio com a bateria da Viradouro na quadra da escola, o então patrono da agremiação, José Carlos Monassa, ficou tão empolgado com a composição que convidou Caê a compor para a escola no ano seguinte. O baiano ficou honradíssimo e agradeceu o convite, mas disse que não tinha essa capacidade. “Meu samba é só ficcional”, declarou Caetano.

Nosso carnaval
É filho dos rituais das bacantes
Do coro das tragédias gregas
Das religiões afro-negras

Das procissões portuguesas católicas

 Cena do Desfile da Unidos da Carioca:


Caetano Veloso, diretor da trilha sonora de Orfeu e compositor da música-tema

Os atores Patrícia França e Toni Garrido, protagonistas de Orfeu, durante as gravações na Marquês de Sapucaí

8º lugar: NAÇÃO – Autores: João Bosco, Aldir Blanc e Paulo Emílio (1982)

João Bosco e Aldir Blanc gostam de fazer músicas na configuração de samba-enredo. Para Elis, fizeram o já mencionado “Mestre-Sala dos Mares” e também “O bêbado e a equilibrista”, mais lenta na gravação da Pimentinha e em ritmo de batucada na voz de João. Para Clara Nunes, a dupla (acompanhada do parceiro Paulo Emílio) concebeu a épica “Nação”, que também dá nome ao derradeiro álbum de Claridade.

Nação (a música) é, em uma primeira audição, uma obra um tanto quanto hermética, no sentido de “saber oculto, esotérico, reservado a poucos”. Mas, destrinchando, podemos verificar que a canção faz um paralelo com a clássica “Aquarela do Brasil”, de Ari Barroso. Assim, o arco-íris de Nação nos remete à imagem de uma aquarela; as “fontes murmurantes” da obra de Ari agora são “labarágua, Sete Quedas em chamas”; além da óbvia citação do Hino Nacional com a expressão “berço esplêndido”. O arco-íris também é o símbolo do orixá Oxumaré e também é o símbolo da diversidade. O Brasil é a nação da diversidade de cores (mestiçagem).

“Nação” também é construída sobre uma base imagética de mitologia do Candomblé. A nação Jeje, uma das três correntes preponderantes no candomblé, provinda principalmente dos escravos trazidos da região do Daomé (hoje Benin), é identificada com todo o povo brasileiro. A palavra Jeje vem do yorubá adjeje, que significa estrangeiro, forasteiro. O próprio título da música então já é uma referência múltipla e mesmo contraditória a princípio, ao colocar um povo estrangeiro como protagonista de uma canção que faz referência a inúmeros símbolos nacionais (Caramuru, Anhenguera,uirapuru, mangue, bananeira...). Todos estes mitos, sucedendo-se misturados na letra, vão criando menos um significado explícito e sim algo mais próximo de uma sensação; as inúmeras referências religiosas são acompanhadas de um modo de tratar o tema que não é linear, mas vai criando uma atmosfera sem se preocupar em contar uma história.

A criação desta atmosfera se dá também pela construção da harmonia e dos arranjos, usando clichês harmônicos idênticos aos que servem de base à “Aquarela do Brasil”, em especial acordes de quinta aumentada, mas também acordes menores com sétima maior, conseguindo com isto passagens suaves, de semitom a semitom, de um acorde para outro. Os acordes de “Ouro cobre o espelho esmeralda” seguem os de “Ô, abre a cortina do passado”.

“Nação” é ao mesmo tempo um sambão e uma cantiga suave, com uma orquestração leve sobre uma batucada típica de escola de samba.

Dorival Caymmi falou pra Oxum
Com Silas to em boa companhia
O céu abraça a terra
Deságua o rio na Bahia

 Clipe: 

Clara Nunes, no clipe de “Nação”, gravado para o Fantástico

 7º lugar: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (E AGORA, JOSÉ?) – Autores: Dona Ivone Lara e Jorge Aragão (1984)

Acadêmicos do Encantado era a fictícia escola de samba da novela Partido Alto, escrita por Aguinaldo Silva e Glória Perez para a Rede Globo, em 1984. “Carlos Drummond de Andrade (E agora, José?)” foi o samba-enredo apresentado pela escola em seu desfile, no último capítulo da novela.

Na trama, o samba era de Piscina (personagem interpretada pelo então jovem José Mayer), um compositor de samba-enredo que sonhava em ver uma música sua no carnaval. No dia em que a carnavalesca da escola, Maria Augusta (a própria, vivendo ela mesma), entregou a sinopse, Piscina convidou para dividir parceria nada mais, nada menos do que Dona Ivone Lara e Jorge Aragão (ambos autores de “Enredo do meu samba”, tema de abertura da novela, numa interpretação funkeada de Sandra de Sá).

No capítulo final, a Acadêmicos do Encantado desfila na avenida em busca da vaga para o Grupo Especial, ao som do samba composto por Piscina, Dona Ivone e Aragão, na voz de Neguinho da Beija-Flor. Para a gravação deste desfile, a produção da novela interrompeu o trânsito da Avenida Rio Branco, no centro do Rio, e organizou um desfile de carnaval, com a participação de mil passistas de seis escolas de samba. Cerca de vinte mil pessoas assistiram à gravação, que durou 12 horas.

O samba não entrou na trilha sonora oficial da novela mas, um ano mais tarde, Dona Ivone faria um registro vibrante que seria incluído no álbum Ivone Lara (1985), lançado pela Som Livre.

E agora José
A festa começou
A luz já se acendeu
O povo até cantou
A porta já se abriu
O mar já não mais secou
Nem tudo lhe fugiu
Seu terno não quebrou


Samba na versão Dona Ivone Lara:
 

Acadêmicos do Encantado na avenida (samba na voz de Neguinho da Beija-Flor):

Jorge Aragão e Dona Ivone Lara, na época da novela Partido Alto (Foto: Jorge Antunes)


Comissão de frente da Acadêmicos do Encantado (novela Partido Alto – 1984)

6º lugar: AMOR À NATUREZA – Autor: Paulinho da Viola (1975)

Paulinho da Viola lançou em 1975 um superdisco. Nele constavam  clássicos absolutos, como “Argumento”, “Jaqueira da Portela” (de Zé Ketti), “Pecado Capital” (tema de abertura da novela homônima) e excelente samba-enredo “Amor à Natureza”, um grito de socorro em favor da cidade do Rio de Janeiro que começava a ser poluída intensamente naquele ano.

O clima pessimista do tema já começava na introdução, na qual Paulinho anunciava tratar-se do samba do também fictício Grêmio Recreativo Escola de Samba Cenário de Tristeza, que apresentava “seu enredo para o inverno e a primavera de 1975”.

Num ritmo dolente, lembrando a cadência das baterias das décadas de 50 e 60, Paulinho antecipava de forma lírica e poética os absurdos contra o meio ambiente e a degradação da natureza da Cidade Maravilhosa. No entanto, a possibilidade de uma pérola musical como “Amor à Natureza” ir para a avenida é tão remota quanto uma reedição do maravilhoso “Cinco bailes da história do Rio”, primeiro samba composto por uma mulher (Dona Ivone Lara), juntamente com Silas de Oliveira e Bacalhau.

Cinzentas nuvens de fumaça
Umedecendo meus olhos
De aflição e de cansaço
Imensos blocos de concreto
Ocupando todos os espaços
Daquela que já foi a mais bela cidade
Que o mundo inteiro consagrou
Com suas praias tão lindas
Tão cheias de graça, de sonho e de amor

 


Avelino (no microfone), Catoni (fazendo sinal de paz e amor), Jair do Cavaquinho e Paulinho da Viola, no desfile da Portela em 1971


Paulinho da Viola, na época da gravação de “Amor à Natureza”

5º VAI PASSAR – Autores: Chico Buarque e Francis Hime (1984)

O samba “Vai passar”, de Chico Buarque e Francis Hime, foi lançado no final do ano de 1984. A música havia tomado conta do país como símbolo da transição para o primeiro governo civil após 21 anos de ditadura militar. "Vai passar" é uma alegoria crítica dos anos sombrios e, ao mesmo tempo, uma celebração da resistência e da esperança, características da produção musical de Chico Buarque naquele período.

A canção começou a ser composta no início de 1984, durante a campanha pelas Diretas, e acabou por se tornar o símbolo musical da chamada Nova República. Em ritmo de samba-enredo, a letra é um saboroso acerto de contas do compositor com o regime que o perseguiu, prendeu, exilou e censurou, mas não conseguiu calar seu talento nem sua identificação com o público e com a luta pela democracia.

Vai passar
Nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo
Da velha cidade
Essa noite vai
Se arrepiar

Clipe para o Fantástico: 

 


Chico Buarque e Francis Hime, autores de “Vai passar”, na década de 80.

4º lugar: O DIA QUE O SOL DECLAROU SEU AMOR PELA TERRA – Autor: Jorge Ben Jor (1981)

Um samba de melodia simples, mas extremamente alto astral e contagiante. A brincadeira com o desfile de carnaval começa já na introdução: após o trilar de um apito, a música inicia com um coral repetindo, a plenos pulmões, “Eu sou o sol! Eu sou o sol! Eu sou o sol!”. Com a voz equalizada como se falasse de um megafone, a exemplo dos diretores de harmonia do passado, Jorge Ben Jor (na época assinando ainda apenas Jorge Ben) anuncia a entrada na avenida da fictícia escola de samba Unidos da Simpatia que pede licença e pede passagem para apresentar o seu samba-enredo “O dia em que o sol declarou o seu amor pela terra”. Após a primeira e única passagem da letra do samba, novamente volta a voz megafonada do diretor de harmonia que anuncia que o contingente está passando e chama atenção dos vários setores da escola para a passagem em frente aos “juízes” e nas câmeras de TV (olha a televisão a cores), além de pedir cuidado com as alegorias. O samba se tornou um dos mais populares do repertório de Jorge e fez um estrondoso sucesso na programação das emissoras de rádio e, claro, nas ruas e nos salões no carnaval de 1981.

Terra, terra, terra, terra... amor
Eu sou o sol sou eu que brilho
Pra você, meu amor
Eu sou o sol, eu sou o astro rei
A maravilha cósmica que Deus fez
Por isso eu lhe dou de presente todo o meu calor
Com muito amor
E lhe dizer que eu sou o sol


Clipe para o Fantástico na Globo Play:
https://globoplay.globo.com/v/1772945/


Jorge Ben Jor e passista, em desfile do Salgueiro em 1977

3º lugar: EPOPEIA DE ZUMBIAutor: Nei Lopes (1983)

Grandes sambas foram feitos para celebrar a existência de Zumbi dos Palmares. Mas a preferência deste colunista recai no brilhante samba-enredo do pesquisador, escritor, militante da causa negra e mestre na arte de compor Nei Lopes que, sem dúvida, é um dos melhores de todos os tempos, uma verdadeira aula do gênero. “Epopeia de Zumbi” traduz, numa poesia fabulosa e numa melodia idem, a trajetória de um herói que durante muitos e muitos anos foi excluído da história oficial do país.

A primeira versão – e, a meu ver, a melhor – com a velocidade de ritmo típico dos anos 80, foi lançada no disco Negro mesmo(1983), um álbum que por si só, já é uma ode à negritude. “Epopéia de Zumbi” canta a formação de Palmares, passando pela chegada de Zumbi à liderança da comunidade e todo o mito que se tornou até seu fim, devido à traição. E na letra, Nei Lopes louva o quilombo de Palmares como o primeiro estado livre do Brasil. Emocionante!

O samba foi regravado, em cadência mais acelerada no disco Zumbi 300 anos – Canto Banto (1996), outro verdadeiro diamante da cultura brasileira, que além de conter música da melhor qualidade, engloba a arte, a cultura e é um passeio por diversos ritmos afrolatinos e de várias temáticas.

E a luta prosseguia
Contra a ignorância e ambição
Até que surgiu Zumbi
Nosso Deus, nosso herói, nosso irmão
Ciente de que nenhum negro ia ser rei
Enquanto houvesse uma senzala
Ao invés de receber a liberdade
Zumbi preferiu conquistá-la

 

 


Nei Lopes


Zumbi dos Palmares

 2º lugar – AMOR NO CORAÇÃO – Autores: Almir Araujo, Balinha, Marquinho Lessa, Hércules Correa e Carlinhos de Pilares (1985)

Ao lançar o disco Delírios e Delícias quase no final de 1983, a cantora Simone obteve um estrondoso e até surpreendente sucesso com a regravação do samba-enredo “O amanhã”. Surpreendente porque em um álbum cheio de hits, o samba de autoria de João Sérgio que a União da Ilha levou para a passarela em 1978 foi o que caiu nas graças do povão tomando de assalto a programação das emissoras de rádio e programas de TV. Com isso, a cantora, que já era líder de vendagem de discos na época, descobriu um novo filão: a cada álbum lançado anualmente, a artista incluía uma faixa em formato de samba-enredo, geralmente composta por craques do gênero. Foi assim no álbum seguinte, Desejos (1984), que trazia “Um dia de graça”, composta por Luiz Carlos da Vila, cuja gravação teve o auxílio luxuoso de seu afilhado musical Neguinho da Beija-Flor e a bateria da Portela regida por Mestre Marçal.

Em 1985, com um desfile histórico, a Caprichosos de Pilares consolidou um estilo de fazer carnaval de forma irreverente, com uma mistura de política e humor no enredo E por falar em saudade. A agremiação não venceu o carnaval, chegou em quinto lugar, mas foi consagrada naquele ano como a “campeã do povo”. Simone resolveu então surfar na popularidade obtida com a escola de Pilares: encomendou um samba aos compositores de “E por falar em saudade” (o samba do bumbum de fora), chamou para gravar junto o intérprete da escola Carlinhos de Pilares e mais o diretor de bateria Paulinho Botelho (na época, chamado Paulinho de Pilares). O resultado foi avassalador, com direito até a gravação de clipe no Fantástico.

Simone gravar um samba dos compositores da Caprichosos (a campeã do povo de 1985) com a bateria de Paulinho de Pilares seria o equivalente hoje a uma Maria Rita gravar um samba composto por Moacyr Luz, Claudio Russo & Cia junto com os ritmistas da Super Som 80, já que a Paraíso do Tuiuti em 2018 foi também a campeã do povo. Ouso dizer que “Amor no Coração” é o melhor samba que a Caprichosos NÃO levou para a avenida. Triste ver que a simpática azul e branco de Pilares, pouco mais de 30 anos desse auge, hoje amarga nas profundezas da Série D.

De nossas raízes
Dos dias felizes que temos pra dar
O que é semeado no nosso roçado
Se quiser vai plantar
(Chega de me-dá me-dá)
E chega de me-dá, me-dá
Agora é toma lá-da-cá

Clipe para o Fantástico:


Simone, na época da gravação de “Amor no Coração”


Caprichosos de Pilares, a campeã do povo em 1985

1º lugar – COM A PERNA NO MUNDO – Autor: Gonzaguinha (1979)

Nessa lista de músicas concebidas ao formato samba-enredo, não poderíamos deixar de fora mais uma da cepa de Gonzaguinha. Se “O que é o que é” tem um formato de samba-enredo, é porque foi precedida de outro épico do filho de Gonzagão.

A canção “Com a perna no mundo” detalha, autobiograficamente, a infância de Luiz Gonzaga Júnior. Órfão de mãe – que morreu de tuberculose aos 22 anos – e com o pai ausente, Gonzaguinha foi criado no morro de São Carlos por um músico, Enrique Xavier, e sua mulher, Dina, amigos do Rei do Baião. O guri viveu com eles parte da infância e da adolescência. Até o dia em que, já na faculdade, pega o violão, desce o São Carlos e vai morar com o pai.

Na gravação original, presente no disco Gonzaguinha da Vida (1979), a música foi executada pela fina-flor de instrumentistas especialistas em samba: Alceu Maia (cavaquinho), Waldir (violão 7 cordas), As Gatas – grupo vocal feminino presente em TODOS os discos oficiais de samba-enredo das escolas de samba do Rio de Janeiro (coro), Conjunto Nosso Samba – grupo vocal e instrumental responsável pelo acompanhamento musical nos discos oficiais de samba-enredo nas décadas de 70 e 80 (ritmo e coro), Neném (cuíca) – músico da Banda do Zé Pretinho de Jorge Ben. Na empolgação, ouvimos Genaro Soalheiro – também integrante do Conjunto Nosso Samba – com sua característica voz grave, responsável por cacos inusitados como taí o refrão da Dina; ah, gente!; Nossa Senhora,e demais. A maior surpresa na gravação de “Com a perna no mundo” é a participação especial do então emergente artista Djavan (colega de Gonzaguinha na gravadora Odeon), responsável pelos solfejos principalmente na primeira parte da música.



O Dina... Teu menino desceu o São Carlos
Pegou um sonho e partiu
Pensava que era um guerreiro
Com terras e gente a conquistar
Havia um fogo em seus olhos
Um fogo de não se apagar 

Diz lá pra Dina que eu volto
Que seu guri não fugiu
Só quis saber como é
Qual é
Perna no mundo sumiu


Gonzaguinha, na época da gravação de “Com a perna no mundo”



Stenio, Genaro, Barbosa, Carlinhos do Cavaco, Nô e Gordinho, responsáveis pela maravilhosa “cozinha” na gravação de “Com a perna no mundo”


O então emergente artista Djavan participou com os solfejos na gravação de “Com a perna no mundo”


Gerson Brisolara (Rixxa Jr.)