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RETROSPECTIVA DO CARNAVAL 2025 (PARTE 2): PELAS CURVAS DA SAUDADE - OS BAMBAS QUE SE DESPEDIRAM
                    

16 de dezembro de 2025, nº 108


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A Noite em que o Carnaval Sambou no Ritmo do Tri de Senna

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RETROSPECTIVA DO CARNAVAL 2025 (PARTE 2): PELAS CURVAS DA SAUDADE - OS BAMBAS QUE SE DESPEDIRAM

"Silêncio, o sambista está dormindo / Ele foi, mas foi sorrindo / A notícia chegou quando anoiteceu”. Os versos de “Silêncio no Bixiga”, escritos por Geraldo Filme e eternizados na regravação de Beth Carvalho nos anos noventa, embalam o momento mais doloroso da vida enquanto apaixonados por esta cultura: a partida de um sambista. Como escrevi certa vez neste espaço: o coração dói quando um de nós parte para o outro plano.

E como choramos este ano. Como o coração sambista sofreu tanto. Doeu tanto. Perdas repentinas. Perdas inesperadas. Tantas vezes a cortina se fechou. Tradicionalmente, o obituário da retrospectiva feita por este espaço fica restrito à um parágrafo, geralmente o último da parte final. Mas a lista de partidas no universo do carnaval neste 2025 é infinda e fica impossível restringir a poucas linhas. Pelas curvas da saudade, a nossa homenagem.

 

Um janeiro doloroso

O fim de semana dos dias 18 e 19 de janeiro foi um dos mais dolorosos para o sambista nos últimos tempos, com a perda de três importantes nomes num espaço de 24 horas. Na tarde do sábado, o carnaval se despediu de Zé Glória, compositor de sambas em Mocidade, Viradouro, Inocentes de Belford Roxo e outras agremiações. Horas depois do mesmo sábado, as cortinas se fecharam para o intérprete Luizinho Andanças, cantor de marcantes passagens por Porto da Pedra (onde somou 8 anos) e Santa Cruz, além de defender a própria Mocidade, a Unidos de Padre Miguel e outras. No domingo, outra despedida: a carnavalesca Márcia Lage, que estava em seu carnaval de retorno à estrela-guia de Padre Miguel ao lado do inseparável companheiro Renato – no mesmo domingo também morre o jornalista Léo Batista, de incontáveis participações nas transmissões dos desfiles pela TV Globo.

No mesmo mês ainda perderíamos Zuzuca do Salgueiro, autor de um dos sambas mais clássicos do carnaval: “Festa Para Um Rei Negro”, que embalou o título salgueirense de 1971 com o famoso “Pega no Ganzê, Pega no Ganzá”.


Zé Glória, Luizinho Andanças, Márcia Lage e Léo Batista partiram em janeiro

A voz que foi na ginga

Era o fim da tarde do dia 30 de setembro quando o mundo do carnaval foi pego de surpresa com um duro golpe: a partida do intérprete Gilsinho, com apenas 55 anos e uma carreira ainda a percorrer, por complicações de uma cirurgia bariátrica. Voz portelense nos últimos vinte carnavais (com um hiato em 2014 e 2015) que também defendia a Tom Maior, onde foi campeão este ano. E por uma triste coincidência do destino, Gilsinho faleceu oito meses após a partida de seu primo Luizinho Andanças... Ainda é difícil assimilar a ausência física de um dos maiores cantores de samba-enredo da nossa geração, que foi ídolo nos dois maiores carnavais do país e teve a honraria de cantar pra Milton Nascimento (em seu último desfile pela Portela) e pra Elis Regina (no título do Vai-Vai em 2015). E quem nunca sentiu o corpo arrepiar ao ouvir Gilsinho cantar? Quem nunca se empolgou a cada “é tudo nosso!” ou a cada “quem é portelense aí?”. Tudo melhorava na sua voz. E como imaginar a avenida sem essa voz...


Gilsinho atuando pela Tom Maior no carnaval de 2025 (Foto: Ewerton Fintelman [1992-2025]/SAMBARIO)

 
O banjo e a caneta inconfundíveis

Arlindo Cruz era sinônimo de samba. E o samba era sinônimo de Arlindo. Feitos um para o outro, como naquela canção que um dia o próprio escreveu “que bom termos nos encontrado, a vida não podia por muito mais tempo nos ter separado”. Falar desse artista brasileiro com A maiúsculo é até difícil, tamanha era sua genialidade. A caneta de sucessos que embalaram a nossa vida é a mesma de “Festa no Arraiá”, “E Verás Que Um Filho Teu Não Foge à Luta” e tantos clássicos do carnaval. Vida e obra que foi reverenciada na Sapucaí pelo seu Império Serrano em 2023. O cantor e compositor morreu em 8 de agosto por consequências do AVC que sofreu em 2017. Mas sua obra fica. Que bom que fica.

 

Arlindo Cruz - O Sambista Perfeito


O sonho nas estrelas

A história do desfile das escolas de samba viu Maria Augusta Rodrigues fazer da vida e da trajetória um grande “colorido como o sol”. Do surgimento na Revolução Salgueirense na virada para os anos 70, dos marcantes desfiles na União da Ilha do Governador nos anos 70, do “Uni-Duni-Tê” da Beija-Flor em 1993, do Tuiuti e dos primeiros passos da Tradição. Sem assinar desfiles, também fez história: sendo comentarista nas transmissões de Globo, Manchete, CNT e outros canais. A carnavalesca nos deixou em 11 de julho.

 

Maria Augusta marcou época como carnavalesca e comentarista - Foto: Mônica Imbuzeiro (Jornal Extra)

Outras perdas do ano

De maior ou igual importância à história do carnaval, outros tantos nomes se despediram em 2025. Aqui lembramos com saudade de Seo Carlão (baluarte e fundador da Unidos do Peruche, que parte na semana do desfile da escola em sua homenagem), dos compositores Jacy Inspiração (autor de “No Mundo da Lua”, Grande Rio 1993, e de obras para Arrastão de Cascadura, Unidos da Tijuca e outras), Paulo Onça (amazonense autor de dois sambas no Rio: Salgueiro 1998 e Grande Rio 2017), Dadinho (de oito sambas na Viradouro, incluindo o do campeonato de 2020), Marquinho PQD (de incontáveis sucessos no pagode e que assinou duas obras na Mocidade – 1995 e 2000), Fernando Macaco (autor de quatro sambas na Porto da Pedra, incluindo o de 2026), Luizinho Professor (obras em Salgueiro e Tradição), Líbero (assinou dois sambas no Salgueiro – 1999 e 2023), Beto do Pandeiro (autor de seis obras da Unidos da Tijuca) e Mestre Damasceno (ícone da cultura marajoara e autor do samba de 2025 da Grande Rio), dos intérpretes Almir Saint-Clair (de marcante passagem pelo Império da Tijuca nos anos 70 e 80) e Xande (que defendia o Amizade Zona Leste desde 2003), do mestre-sala João Carlos Camargo (de marcante passagem pelo Águia de Ouro, que defendeu até o último carnaval), da ex-porta-bandeira Helenice Catharina (fundadora da Grande Rio), do coreógrafo Fábio de Mello (multicampeão na Imperatriz e responsável por revolucionar o quesito comissão de frente nos anos 90), do carnavalesco José Félix (de passagem marcante pela Portela, onde desenvolveu “Gosto Que Me Enrosco”, de 1995, além de outras agremiações), do ex-dirigente Uberlan Jorge de Oliveira (presidente da Porto da Pedra entre 2002 e 2010), do trabalhador Rodrigo de Oliveira (vítima fatal do incêndio na fábrica de fantasias em Ramos, que jamais pode ser esquecido), de Bira Presidente, fundador do Cacique de Ramos e do grupo Fundo de Quintal, e de Haroldo Costa, comentarista das transmissões dos desfiles na Globo e Manchete, ícone do carnaval e da cultura negra brasileira.

 

Pilares da nossa história

Dentre tantas perdas no universo do carnaval em 2025, duas delas atingiram em cheio ao nosso coração, a nossa alma e a nossa essência. Inesperadamente, dois pilares fundamentais da história do SAMBARIO saíram de cena cedo demais.

Ewerton Fintelman era um idealista por natureza – literalmente na palavra, já que era biólogo de profissão. Sempre ativo em várias frentes, Etho (como carinhosamente o chamávamos) sempre encontrava tempo pra ser aquele comunicativo e brincalhão que fazia piada de tudo e todos – este colunista que o diga, principalmente. Ritmista por quase toda vida, passou por várias escolas com seu inseparável tamborim e assinou no site a coluna Quesito Bateria ao lado de Bruno Guedes, além de colaborar com as coberturas do site no carnaval de São Paulo nos últimos anos. Ao mesmo tempo, presidia a Liga das Escolas de Samba Virtuais (LIESV) e iniciava uma carreira como produtor musical. Uma trajetória que foi tragicamente interrompida em 26 de julho num acidente automobilístico em Niquelândia, região norte de Goiás. Mas uma coisa que ele nos ensinou jamais perdemos: o pioneirismo em ser idealista de um jeito que só ele tinha.

Pioneirismo que também era marca de Alessandro Ostelino. Um dos primeiros colaboradores do SAMBARIO, entrou para a equipe após vencer um concurso ao lado do hoje consagradíssimo Fábio Fabato no primeiro aniversário do site, em 2005. Lamentavelmente, o destino lhe pregou um duro golpe: conviveu os últimos anos de vida com as dores das consequências de uma neurotoxoplasmose, causa de seu falecimento em 21 de outubro. Certa vez, numa coluna, Ostelino escreveu: “O sambista fiel às escolas de samba, na sua maioria, quer mesmo que sejam priorizadas as raízes dos desfiles. Uma fusão de passado e presente, recriação da narrativa carnavalesca e síntese das mudanças ocorridas no tempo. Quer ter a alma lavada por um desfile emocionante, ver a passista dando sua alma com o samba no pé e o folião, mesmo escondido numa ala gigantesca, cantar até ficar rouco”. Palavras que seguem atuais. E seguirão.

Ostelino. Ewerton. Enquanto existir samba e carnaval, suas luzes seguirão guiando o SAMBARIO.


Ewerton Fintelman e Alessandro Ostelino: duas perdas da família SAMBARIO - Fotos: Redes Sociais

 

Encerramos este tributo declamando os versos cantados pela Portela em seu último campeonato, em 2017:

 

“Cantam pastoras e lavadeiras pra esquecer a dor

Tristeza foi embora, a correnteza levou

Já não dá mais pra voltar (ô iaiá)

Deixa o pranto curar (ô iaiá)

Vai inspiração, voa em liberdade

Pelas curvas da saudade”

 

No próximo (e último) capítulo da retrospectiva, as principais notícias do ano além da avenida.

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