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AS CURTAS AVENTURAS DE MESTRE MARÇAL POR NITERÓI
                   

10 de setembro de 2025, nº 105


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AS CURTAS AVENTURAS DE MESTRE MARÇAL POR NITERÓI

 

A Viradouro hoje tem Ciça, seu mestre e também enredo para 2026.

Mas quase teve Marçal.

Quer dizer, teve. Mas por curto tempo.

Reportagem do jornal O Globo relata a chegada de Mestre Marçal à Viradouro (Foto: Reprodução/Acervo O Globo)

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A biografia de Nilton Delfino Marçal (1930-1994) dispensa maiores apresentações. Filho de um dos fundadores do Recreio de Ramos (que originaria a Imperatriz Leopoldinense), foi de um compositor de mão cheia à um dos mais consagrados mestres de bateria da história do carnaval carioca. “Este cidadão não foi somente um mestre de bateria. Foi um mestre da MPB. Não apenas regia instrumentistas no acompanhamento musical de samba-enredo como adorava cantá-los e gravá-los também. Um sambista completo.”, como perfeitamente resume sua ficha publicada neste SAMBARIO.

E foi com este currículo de respeito que Marçal desembarcou no outro lado da Guanabara para comandar a bateria da Viradouro no carnaval de 1992. A escola vinha de um bom resultado em sua estreia no Grupo Especial, na memorável homenagem à Dercy Gonçalves (1907-2008), e se preparava para alçar voos ainda maiores na Marquês de Sapucaí. Numa entrevista concedida ao jornal O Globo em abril de 1991, Marçal se mostrava bastante empolgado com o novo desafio: “Vou arrebentar à frente da Viradouro. Podem contar. [...] Estou pensando em começar os ensaios mais cedo. A escola tem organização e, por isso, o trabalho é muito mais produtivo”. Ainda sobrou tempo e espaço pra dar uma cutucada: “Vou chegar na frente da Portela”, em clara insatisfação com a escola onde fez história durante onze anos no comando de seus ritmistas.

Tinha tudo pra dar certo. Mas não foi bem assim.

A começar por um grande problema, digamos, diplomático: a Viradouro também contratou Paulinho para comandar sua bateria, formando uma improvável parceria com o veterano. Nos anos anteriores, o mesmo Marçal criticara o ainda novato mestre (então na Caprichosos de Pilares) durante as transmissões da Rede Manchete. Imaginem a “torta de climão”, em tempos que o termo nem existia...

Mas o samba foi seguindo... e ganhando a rua! Uma reportagem do jornal O Fluminense datada de outubro de 1991 mostrava um dos primeiros ensaios da vermelha e branca para o carnaval seguinte na Avenida Amaral Peixoto, no centro da cidade, com Marçal comandando os ritmistas.

 

Os primeiros ensaios da Viradouro para 1992, ainda com Marçal (Foto: Reprodução/Acervo Jornal O Fluminense/Hemeroteca Digital)

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Acabou sendo o último registro. Virou o ano e Marçal não mais estava lá. Pediu demissão. Em janeiro de 1992, o jornal O Globo já noticiava o convite que a Mangueira fez ao veterano para sair na verde e rosa, com aceno positivo: “Quero sair de verde e rosa, não importa em que função”. A explicação dada pela publicação (pelo menos a oficial) era a relação com Paulinho, que já não era muito boa, ter azedado de vez. Sem falar de suas características ferrenhamente tradicionais que não conseguiu implantar. Também pudera, e não custa relembrar, que além de ser avesso a novidades, Marçal não deixava de ter a língua bem afiada. Pérolas antigas como “Tô vendo vários ritmistas tocarem caixa e tarol em cima do ombro. ‘Merrrmão’, o que se toca em cima do ombro é violino. Vou mandar tocar surdo de terceira em cima do ombro, aí que eu quero ver!” é um exemplo clarividente disso.

Fato é que chegou o carnaval de 1992 e a Viradouro desfilou tendo apenas Mestre Paulinho comandando sua bateria. O início promissor e o final trágico daquele desfile, todos já conhecem. Mestre Marçal voltou aos comentários na televisão – e cumpriu a promessa de ser imparcial com a escola de Niterói, ainda que não tenha citado Paulinho em seu comentário. Ele ainda lançaria mais um disco (Sambas-Enredo de Todos os Tempos) até sua trajetória ser fatalmente interrompida aos 64 anos, em 9 de abril de 1994.

E a campeã daquele carnaval de 1992 foi a Estácio de Sá... do Mestre Ciça, que desembarcara em Niterói sete anos mais tarde. Mas isso aí já é história pra outro dia.


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Carlos Fonseca
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