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25 de junho de 2025, nº 72 Coluna anterior: Intérpretes que se Aposentaram no Carnaval - Quem é que vai no lugar deles?
Série de coluna anterior: A História do Carnaval na TV Brasileira
A Portela anunciou um enredo poderoso para o Carnaval 2026, mergulhando nas raízes afro-gaúchas com “O Mistério do Príncipe do Bará — A Oração do Negrinho e a Ressurreição de sua Coroa sob o Céu Aberto do Rio Grande”. A
azul e branco de Madureira vai contar a trajetória de Osuanlele
Okizi Erupê Custódio Joaquim Almeida, príncipe do
Benin que deixou um legado espiritual marcante no sul do Brasil.
É mais uma vez que o Rio Grande do Sul ganha destaque na Sapucaí, com suas histórias sendo contadas por grandes escolas. Outros
enredos gaúchos já brilharam no carnaval carioca. E o RS
também é berço de sambas inesquecíveis.
Alguns deles, inclusive, premiados com o Estandarte de Ouro. Uma
conexão de fé, cultura e resistência entre Sul e
Rio. Confira: Vila Isabel: Martinho, cavalgadas e epopeias gaúchas A Vila Isabel já se rendeu duas vezes ao fascínio do Rio Grande do Sul. E sempre com pompa de epopeia. A
primeira foi em 1970, com “Glórias Gaúchas”,
de Martinho da Vila. O desfile foi quase uma ode aos símbolos
mais clássicos da cultura sulista: o gaúcho, o cavalo, a
tradição. Um desfile que, à sua maneira, celebrava
uma identidade regional marcada por orgulho e resistência.
Depois,
em 1996, veio “A Heroica Cavalgada de um Povo”. O enredo, assinado por Max
Lopes (1939 – 2023), foi ainda mais ambicioso: transformou a colonização do
Sul, as lutas territoriais e as influências culturais da região em narrativa
carnavalesca. A escola apostou numa leitura épica — com direito a tropeiros,
batalhas, bombachas e chimarrão. Epopeia farroupilha, clamor de voz
A
Beija-Flor, conhecida por seus desfiles luxuosos e impactantes, também foi
buscar inspiração no Sul. E fez isso duas vezes com abordagens bastante
diferentes. Em
2002, com o enredo “O Brasil Dá o Ar da sua Graça. De Ícaro a Rubem Berta, o
Ímpeto de Voar”, a escola homenageou Rubem Martin Berta (1907 - 1966),
gaúcho que presidiu a VARIG e sonhou com a aviação brasileira como símbolo de
soberania nacional.
A ousadia foi premiada: o samba, nascido da junção de duas composições finalistas, venceu o Estandarte de Ouro de melhor samba-enredo. Era a primeira vez que uma fusão (made by Laíla) vencia o prêmio. E a Beija-Flor mostrava que, sim, era possível transformar as dores coloniais do Sul em arte e samba — com respeito e potência narrativa.
CAPRICHOSOS DE PILARES
E CABUÇU: FESTA DA UVA, PORTO ALEGRE, SETE POVOS E ATÉ XUXA A
irreverente Caprichosos de Pilares foi ao Rio Grande do Sul para falar de
festa.
Em 1978, a escola levou para a avenida a “Festa da Uva no Rio Grande do Sul”, com um samba leve e cheio de cor. O desfile celebrou a tradicional festividade da imigração italiana em Caxias do Sul. O samba, assinado pelos compositores Ratinho e Valadão, e interpretado por Carlinhos de Pilares (1942 - 2005), foi agraciado com o Estandarte de Ouro de melhor samba do Grupo 2 (atual Série Ouro ou segunda divisão do carnaval carioca).
Décadas
depois, em 2002, a Caprichosos voltou a homenagear o estado. Dessa vez com o
enredo “Deu pra Ti! Tô em Alto Astral! Tô com Porto Alegre, Trilegal!”,
celebrando a capital gaúcha. A proposta era valorizar a cultura urbana de Porto
Alegre, com direito a gírias locais, música popular e referências ao cotidiano
da cidade. Gauchei, caprichei, tô que tô
Dois anos depois, em 2004, a escola homenageou a apresentadora Xuxa Meneghel, uma das mais famosas gaúchas da história recente, com “Xuxa e seu Reino Encantado no Carnaval da Imaginação”.
A apresentadora fora tema anteriormente do
enredo da Unidos do Cabuçu, em 1992, no Grupo A, com “Xuxa, o Sonho Vira
Realidade no Xou da Cabuxu”.
MANGUEIRA, SALGUEIRO E
PORTELA: TRÊS VISÕES SOBRE GETÚLIO VARGAS Três
das escolas mais tradicionais do Rio decidiram olhar para o político mais
emblemático do Sul — Getúlio Vargas (1882 – 1954).
Mangueira, já em 1956, fez um enredo sobre o ex-presidente poucos anos após seu suicídio. Era uma abordagem respeitosa, solene, quase como se a avenida virasse um velório simbólico. A ditadura de Getúlio ainda era recente, mas o samba optou por olhar o legado como reformador trabalhista. O samba, uma obra-prima. E uma verdadeira aula de história em 25 linhas.
A plástica estava impecável, mas a crítica do salgueirense Fernando Pamplona – ex-carnavalesco da escola – ecoou: “o Salgueiro, que sempre cantou a liberdade, homenageia um ditador fascista?”, questionou ele durante a transmissão do desfile pela TV Manchete, sentindo cheiro de “puxação de saco” ao então governador do Rio, o também gaúcho Leonel Brizola.
No
carnaval temático de 2000 (em homenagem aos 500 anos do Descobrimento do
Brasil), a Portela, última a se apresentar no primeiro dia de desfile, levou
novamente o personagem Getúlio Vargas para a Sapucaí. Com o enredo “Trabalhadores
do Brasil – A Época de Getúlio Vargas”, o carnavalesco José Félix optou por não
fazer uma biografia do político, mas sim um mergulho histórico na Era Vargas
(1930 – 1945). A escola celebrou a época, seguindo a historiografia oficial e
mostrando a força de um tempo que marcou o Brasil. Aclamado pelo povo, o "Estado Novo" ELIS
REGINA NA MOCIDADE: O CANTO QUE VIROU TREM Em 1989, a Mocidade Independente de Padre Miguel decidiu prestar uma homenagem carregada de afeto: “Elis, um Trem Chamado Emoção”. O nome já entregava a proposta — levar para a Sapucaí a história e o legado de Elis Regina (1945 – 1982), a cantora nascida em Porto Alegre que conquistou o país com sua intensidade.
LUPICÍNIO
RODRIGUES NO JACAREZINHO: DOR-DE-COTOVELO EM TOM MAIOR Em
1987, a Unidos do Jacarezinho fez um desfile que muita gente
talvez tenha esquecido, mas que merece ser lembrado com carinho. O enredo era “Lupicínio
Rodrigues, Dor-de-Cotovelo” — e o nome já dizia tudo.
Mestre da dor de cotovelo, Lupi transformou o sofrimento amoroso em arte com músicas como “Nervos de Aço” e “Esses Moços”. A escola rosa e branco apostou em um carnaval sem luxo, mas cheio de alma: botequim, boemia, coração partido e violão. O samba enredo era melódico, quase uma seresta. Sem exageros, o desfile tocou quem assistiu. Foi simples, mas verdadeiro. E quando a verdade canta, a avenida escuta com o coração.
JOÃO CÂNDIDO: O ALMIRANTE NEGRO DESFILANDO DUAS VEZES
A
primeira, em 1985, pela União da Ilha do Governador, com o enredo
“Um Herói, um Enredo, uma Canção”. A segunda, em 2024, pela Paraíso
do Tuiuti, com “Glória ao Almirante Negro”. A
Ilha prestou uma homenagem ao herói da Revolta da Chibata e também um tributo à
canção “Mestre Sala dos Mares”, de João Bosco e Aldir Blanc, que eternizou
Cândido na memória popular. Aliás, ambos os compositores desfilaram com a
tricolor insulana. A
interpretação ficou por conta de Quinho (1957 — 2024), em sua estreia
como voz principal da escola. Elis Regina, que havia dado voz definitiva à
música, também foi lembrada na avenida — um elo poético entre dois ícones
gaúchos. Quem não viu com bons olhos a homenagem foi a Marinha Brasileira. A força armada expressa resistência à ideia de que João seja herói nacional, argumentando que a revolta foi uma afronta à hierarquia e à disciplina militar. João Cândido foi anistiado pelo governo brasileiro em 2008, 39 anos após sua morte.
Quase
40 anos depois, a Tuiuti resgatou o personagem com mais densidade política. O
desfile de 2024 – “Glória ao Almirante Negro” – mergulhou nas contradições da
Marinha do Brasil, na luta de João Cândido por dignidade e na sua posterior
perseguição. Um desfile potente, crítico, feito para não deixar esquecer. O
projeto que torna insere João Cândido no Livro de Aço dos Heróis e Heroínas da
Pátria ainda tramita no Congresso, sob resistência da Marinha. O nome do
marinheiro está inscrito no Livro dos Heróis do Estado do Rio de Janeiro.
Um
negro gaúcho que ousou se insurgir contra a violência institucional. E o
carnaval carioca entendeu sua grandeza — duas vezes. João Candido recebeu outras homenagens no mundo do samba e do Carnaval. Além da Ilha e da Tuiuti, a paulistana Camisa Verde e Branco (2003 e reeditou em 2017), a santista Metropolitana (2010), e em 2017, a Renascer de Jacarepaguá celebrou o encontro fictício do marinheiro com a catadora e poetisa Carolina Maria de Jesus com o enredo “O Papel e o Mar”. Leonel
Brizola: da campanha da legalidade à avenida Outro
gaúcho que ganhou enredo no samba carioca foi Leonel Brizola (1922 – 2004),
o político nascido em Carazinho que comandou dois dos maiores estados do país.
Em
2009, a Inocentes de Belford Roxo levou à Sapucaí o enredo “Do
Rio Grande do Sul ao Rio de Janeiro a Inocentes Canta: Brizola, a Voz do Povo Brasileiro”,
na Série A (atual Série Ouro). O desfile era um panorama da trajetória do
político: do exílio à campanha da legalidade, do trabalhismo ao projeto
educacional (CIEP’s) e brigas com a imprensa com a construção do sambódromo da
Sapucaí.
O samba foi um dos destaques do ano. Forte, melodioso, guiado pela voz do inesquecível Dominguinhos do Estácio (1941 – 2021), que dava ao enredo o tom exato entre respeito e crítica. Foi uma leitura popular de uma figura que, para muitos, era vista como ícone da luta por justiça social. BARÃO
DE MAUÁ NA CUBANGO: INDÚSTRIA E EMPREENDEDORISMO NO SAMBA O
Barão de Mauá, ou Irineu Evangelista de Sousa (1813 – 1889), nasceu
em Arroio Grande, no sul do RS, e virou uma das figuras mais ricas e
influentes do Brasil imperial. Em 2012, a Acadêmicos do Cubango decidiu contar sua trajetória no enredo “Barão de Mauá — Sonho de um Brasil moderno”. Um desfile que misturava locomotivas, bancos, navios e visões de progresso.
Era
um tema difícil — como transformar capitalismo e empreendedorismo em carnaval? Cubango
falou sobre Mauá, empresário que queria modernizar o país, mesmo sendo sabotado
pelas elites do império. O desfile não teve tantos holofotes, mas foi um belo
trabalho de pesquisa e criatividade.
NEGRINHO
DO PASTOREIO NA TUPY: O FOLCLORE DE FÉ DESFILANDO EM VERSOS No
carnaval de 1981, a Tupy de Brás de Pina, uma escola da Zona
Norte do Rio (infelizmente já extinta), resolveu apostar em um enredo que
carregava uma das mais conhecidas lendas do folclore sulista: “Negrinho do
Pastoreio”.
Mesmo
sendo uma agremiação modesta, a Tupy fez um desfile respeitoso e simbólico, com
samba doce na voz de Carlão Elegante. Foi um raro momento em que a fé
afro-cristã do Sul brilhou na folia carioca. A azul e branco ficou em 6º lugar
no antigo Grupo 2-A, atual Série Prata (terceira divisão do carnaval).
SALAMANCA
DO JARAU NO IMPÉRIO DO MARANGÁ: O MISTÉRIO DOS PAMPAS EM FANTASIA Pouca
gente lembra, mas em 1978, a Império do Marangá, escola
localizada na Praça Seca, ousou ao apresentar o enredo “Salamanca do Jarau”.
Inspirada
em uma das mais misteriosas lendas do folclore gaúcho, a saudosa escola
explorou o universo fantástico da Teiniaguá — a criatura encantada que
vive numa caverna em Quaraí, no Cerro do Jarau.
O
enredo do Marangá levou à avenida uma lenda do Sul repleta de simbolismo: um
sacristão apaixonado, uma princesa moura que vira lagartixa, pedras preciosas e
tesouros ocultos. Pouco se sabe sobre o visual do desfile, mas a escolha ousada
de uma escola do subúrbio carioca por um tema tão específico da mitologia meridional
já revela a força do samba como espaço de brasilidade profunda.
UNIDOS
DE SÃO CARLOS (ESTÁCIO DE SÁ): O SAMBA QUE FEZ HISTÓRIA COM O “PRETO FORRO” Em
1972, a então Unidos de São Carlos (que onze anos mais tarde viria
a se tornar a Estácio de Sá), fez história com o enredo “Rio Grande
do Sul na Festa do Preto Forro”. E quando a gente fala que fez história, é
literal: esse foi o primeiro samba-enredo a ganhar o Estandarte de Ouro,
prêmio recém-criado naquele ano pelo jornal O Globo, ainda hoje considerado o
mais respeitado do carnaval carioca.
O
enredo exaltou uma festa celebrada por negros libertos, com instrumentos
tradicionais e saudações aos orixás na comunidade Boca do Mato, localizada na
serra dos Pretos Forros, um antigo quilombo no Rio de Janeiro. Boca do Mato é
uma comunidade antiga, possivelmente ocupada desde o século XVII e a serra dos
Pretos Forros recebeu esse nome devido aos seus primeiros moradores, negros
alforriados e foragidos. A
comunidade já teve sua própria escola de samba, a Aprendizes da Boca do Mato, fundada
no ano de 1954. Foi nela que Martinho da Vila começou a dar seus primeiros
passos no mundo do samba. Lá, ele venceu por sete vezes consecutivas a disputa
de sambas-enredo nos anos 60. A
história da comunidade Boca do Mato é marcada por processos de marginalização
social e racial, refletindo a exclusão das comunidades negras na narrativa
histórica.
Embora
o título mencione o Rio Grande do Sul, a festa retratada é simbólica e
representa a diversidade cultural do Brasil. A letra evoca imagens de capoeira,
tambores e religiosidade sob o luar. O “Preto Forro” simboliza espaços de
resistência e celebração após a escravidão. O samba se tornou um marco na
valorização da cultura negra. E mesmo sem retratar o Rio Grande do Sul
diretamente, reconhece seu povo nessa grande festa afro-brasileira. Em 1998, a Acadêmicos do Grande Rio surpreendeu ao levar à Sapucaí o enredo “Prestes, o Cavaleiro da Esperança”, celebrando os 100 anos de nascimento do gaúcho Luiz Carlos Prestes (1898 – 1990), figura importante da política brasileira no século XX.
O
desfile fez uma leitura épica e politizada da trajetória do líder comunista,
destacando sua luta por justiça e coragem. Com samba de versos fortes e clima
denso, a escola de Duque de Caxias apostou em um tema ousado para afirmar sua
identidade.
A escolha dividiu opiniões, mas marcou época. Ao homenageá-lo, a Grande Rio fez mais que um tributo: fez um ato político. E cravou a história gaúcha no asfalto carioca. Coluna anterior: Intérpretes que se Aposentaram no Carnaval - Quem é que vai no lugar deles?
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Gerson
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