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“RIO GRANDE DO SUL, SEU FOLCLORE, SUA GENTE, TAMBÉM PARTICIPARAM DESSA FESTA DIFERENTE...”
     
 
“RIO GRANDE DO SUL, SEU FOLCLORE, SUA GENTE, TAMBÉM PARTICIPARAM DESSA FESTA DIFERENTE...”


25 de junho de 2025, nº 72

 

A Portela anunciou um enredo poderoso para o Carnaval 2026, mergulhando nas raízes afro-gaúchas com “O Mistério do Príncipe do Bará — A Oração do Negrinho e a Ressurreição de sua Coroa sob o Céu Aberto do Rio Grande”. 

A azul e branco de Madureira vai contar a trajetória de Osuanlele Okizi Erupê Custódio Joaquim Almeida, príncipe do Benin que deixou um legado espiritual marcante no sul do Brasil.


Mosaico do Bará do Mercado Público de Porto Alegre, formado por sete chaves em pedras e bronze, onde está assentado o Bará (Exu), orixá que tem o poder de abrir caminhos. Foi assentado, ou seja, fixado em algum objeto através de rituais, pelo Príncipe Custódio – Foto: Guilherme Fernandes/Destino POA

É mais uma vez que o Rio Grande do Sul ganha destaque na Sapucaí, com suas histórias sendo contadas por grandes escolas. 

Outros enredos gaúchos já brilharam no carnaval carioca. E o RS também é berço de sambas inesquecíveis. Alguns deles, inclusive, premiados com o Estandarte de Ouro. Uma conexão de fé, cultura e resistência entre Sul e Rio. Confira:

Vila Isabel: Martinho, cavalgadas e epopeias gaúchas

A Vila Isabel já se rendeu duas vezes ao fascínio do Rio Grande do Sul. E sempre com pompa de epopeia.

A primeira foi em 1970, com “Glórias Gaúchas”, de Martinho da Vila. O desfile foi quase uma ode aos símbolos mais clássicos da cultura sulista: o gaúcho, o cavalo, a tradição. Um desfile que, à sua maneira, celebrava uma identidade regional marcada por orgulho e resistência.


Vila Isabel em foto de desfile no início da década de 70: era um tempo em que a valorização das culturas regionais começava a ganhar espaço na avenida


Desfila a Vila novamente incrementada
E desta vez tem o Rio Grande na jogada
Com suas glórias e tradições
Suas histórias e seus brasões
(Martinho da Vila – 1970)

Depois, em 1996, veio “A Heroica Cavalgada de um Povo”. O enredo, assinado por Max Lopes (1939 – 2023), foi ainda mais ambicioso: transformou a colonização do Sul, as lutas territoriais e as influências culturais da região em narrativa carnavalesca. A escola apostou numa leitura épica — com direito a tropeiros, batalhas, bombachas e chimarrão.

Epopeia farroupilha, clamor de voz
Chimangos ou Maragatos
O gaúcho é aclamado o grande herói
(Tião Grande e Cafu Ouro Preto – 1996)


Beija-Flor: dos ares de Rubem Berta às missões guaranis

A Beija-Flor, conhecida por seus desfiles luxuosos e impactantes, também foi buscar inspiração no Sul. E fez isso duas vezes com abordagens bastante diferentes.

Em 2002, com o enredo “O Brasil Dá o Ar da sua Graça. De Ícaro a Rubem Berta, o Ímpeto de Voar”, a escola homenageou Rubem Martin Berta (1907 - 1966), gaúcho que presidiu a VARIG e sonhou com a aviação brasileira como símbolo de soberania nacional.


Ruben Berta, o “gaúcho sonhador” homenageado pela Beija-Flor no desfile 2002


    Foi uma leitura moderna do “homem que queria voar”, ligando mitologia, tecnologia e identidade nacional. Nunca é demais lembrar que a introdução da faixa gravada remete aos acordes do jingle de Natal da Varig, que caiu no gosto de Ruben Berta, que permitiu a criação da campanha natalina, que foi ao ar pela primeira vez em 1960, com o tema “Papai Noel voando a jato pelo céu”. E ao final da faixa, o arranjo da gravação lembra a marca sonora “Varig, Varig, Varig”.


Glória a um gaúcho sonhador
Fez da moderna aviação
A integração nacional
No seu desejo profundo
Este cidadão do mundo
Lutou pela igualdade social
(Wilsinho Paz, Elcy, Gil das Flores, Alexandre Moraes, Tamir, Tom-Tom e Igor Leal – 2002)

 Três anos depois, em 2005, veio um dos enredos mais densos e arriscados da escola: “O Vento Corta as Terras dos Pampas. Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Guarani. Sete Povos na Fé e na Dor... Sete Missões de Amor”. O título já dava o tom. O desfile abordava as reduções jesuíticas e os Sete Povos das Missões, episódio histórico de violência, fé e colonização.


Ruínas da redução jesuítica de São Miguel Arcanjo. Foto: Rafaela Ely
 

A ousadia foi premiada: o samba, nascido da junção de duas composições finalistas, venceu o Estandarte de Ouro de melhor samba-enredo. Era a primeira vez que uma fusão (made by Laíla) vencia o prêmio. E a Beija-Flor mostrava que, sim, era possível transformar as dores coloniais do Sul em arte e samba — com respeito e potência narrativa.


Em nome do pai, do filho
A Beija-flor é guarani
Sete povos na fé e na dor
Sete missões de amor
(J.C. Coelho, Ribeirinha, Adilson China, Serginho Sumaré, Domingos PS, R. Alves, Sidney de Pilares e Zequinha do Cavaco – 2005)

CAPRICHOSOS DE PILARES E CABUÇU: FESTA DA UVA, PORTO ALEGRE, SETE POVOS E ATÉ XUXA

A irreverente Caprichosos de Pilares foi ao Rio Grande do Sul para falar de festa.


Festa da Uva em 1972, ocasião em que foi realizada a primeira transmissão a cores pela TV. Crédito: Flickr

Em 1978, a escola levou para a avenida a “Festa da Uva no Rio Grande do Sul”, com um samba leve e cheio de cor. O desfile celebrou a tradicional festividade da imigração italiana em Caxias do Sul. O samba, assinado pelos compositores Ratinho e Valadão, e interpretado por Carlinhos de Pilares (1942 - 2005), foi agraciado com o Estandarte de Ouro de melhor samba do Grupo 2 (atual Série Ouro ou segunda divisão do carnaval carioca).


Atualmente de três em três anos
Caxias do Sul se enfeita
Graças a Joaquim Pedro Lisboa
Criador de uma feira-exposição
A qual denominou Festa da Uva
Em homenagem a imigração
(Ratinho e Valadão – 1978)

Décadas depois, em 2002, a Caprichosos voltou a homenagear o estado. Dessa vez com o enredo “Deu pra Ti! Tô em Alto Astral! Tô com Porto Alegre, Trilegal!”, celebrando a capital gaúcha. A proposta era valorizar a cultura urbana de Porto Alegre, com direito a gírias locais, música popular e referências ao cotidiano da cidade.

Gauchei, caprichei, tô que tô
Parabéns pra você, meu amor
Bate forte o meu peito varonil
Sou Caprichosos! Porto Alegre do Brasil
(Mazarim e André Fullgáz – 2002)


A proposta era valorizar a cultura urbana de POA, com direito a gírias locais, música popular e referências ao cotidiano da cidade. Crédito: João Wainer/Folha Imagem

Dois anos depois, em 2004, a escola homenageou a apresentadora Xuxa Meneghel, uma das mais famosas gaúchas da história recente, com “Xuxa e seu Reino Encantado no Carnaval da Imaginação”.


Xuxa foi personagem do carnaval carioca duas vezes: na “Caprixosos”,em 2004, (foto acima) e, antes, na “Cabuxu”


Em Santa Rosa
O “cara lá de cima” fez nascer a flor
E o mágico destino embalou
Lindos sonhos da menina
A princesa o mundo consagrou
Na modelo ideal
O baixinho sorriu, a rainha surgiu
Em uma nave espacial
(Ney Negrone, Silvio Araújo e Riquinho Gremião – 2004)

 

A apresentadora fora tema anteriormente do enredo da Unidos do Cabuçu, em 1992, no Grupo A, com “Xuxa, o Sonho Vira Realidade no Xou da Cabuxu”.


Voando em sua nave de ilusões
A Xuxa alegra milhões de corações
Para os baixinhos e altinhos
Ela canta com eterna emoção
(João Ferreira, Orlando Negão, Sereno e Robertinho da Matriz – 1992)


Em 1992, aos 28 anos, Xuxa se tornou a personalidade mais jovem a ser homenageada no Sambódromo da Sapucaí até então


        A Cabuçu já vinha flertando com o Rio Grande do Sul desde a década de 70. A azul e branco apresentou o enredo “Os Sete Povos das Missões”, no carnaval de 1977, ao estrear no grupo principal.


Desfile da Cabuçu na década de 70. Autor desconhecido/Arquivo Nacional


Vamos cantar
Os jesuítas e os índios do Brasil
Que com heroísmo fundaram
Os Sete Povos das Missões
(Waldir Prateado – 1977)

MANGUEIRA, SALGUEIRO E PORTELA: TRÊS VISÕES SOBRE GETÚLIO VARGAS

Três das escolas mais tradicionais do Rio decidiram olhar para o político mais emblemático do Sul — Getúlio Vargas (1882 – 1954).


Getúlio Vargas. Crédito: Getty Images

  Mangueira, já em 1956, fez um enredo sobre o ex-presidente poucos anos após seu suicídio. Era uma abordagem respeitosa, solene, quase como se a avenida virasse um velório simbólico. A ditadura de Getúlio ainda era recente, mas o samba optou por olhar o legado como reformador trabalhista. O samba, uma obra-prima. E uma verdadeira aula de história em 25 linhas.


No ano de 1883
No dia 19 de abril
Nascia Getúlio Dorneles Vargas
Que mais tarde seria o governo do nosso Brasil

Ele foi eleito deputado
Para defender as causas do nosso país
E na revolução de 30 ele aqui chegava
Como substituto de Washington Luiz
(Padeirinho – 1956)

 Quase 30 anos após a verde e rosa, a história de Getúlio Vargas virou samba também na Acadêmicos do Salgueiro, com o enredo “Anos Trinta, Vento Sul – Vargas”. Os carnavalescos Edmundo Braga e Paulino Espírito Santo transformaram a vida do estadista em um poema épico medieval, exaltando das tradições gaúchas do caudilho à criação da Petrobrás.

A plástica estava impecável, mas a crítica do salgueirense Fernando Pamplona – ex-carnavalesco da escola – ecoou: “o Salgueiro, que sempre cantou a liberdade, homenageia um ditador fascista?”, questionou ele durante a transmissão do desfile pela TV Manchete, sentindo cheiro de “puxação de saco” ao então governador do Rio, o também gaúcho Leonel Brizola.


Soprando forte do Sul
Um ciclone feiticeiro
Venta pelos anos trinta
E traz Vargas, o mago justiceiro
Veio cumprir nobre missão
E mudar o destino da nossa nação
(Bala, Jorge Melodia e Jorge Moreira – 1985)


 

No carnaval temático de 2000 (em homenagem aos 500 anos do Descobrimento do Brasil), a Portela, última a se apresentar no primeiro dia de desfile, levou novamente o personagem Getúlio Vargas para a Sapucaí. Com o enredo “Trabalhadores do Brasil – A Época de Getúlio Vargas”, o carnavalesco José Félix optou por não fazer uma biografia do político, mas sim um mergulho histórico na Era Vargas (1930 – 1945). A escola celebrou a época, seguindo a historiografia oficial e mostrando a força de um tempo que marcou o Brasil.

Aclamado pelo povo, o "Estado Novo"
Getúlio Vargas anunciou
A despeito da censura
Não existe mal sem cura
Viva o trabalhador ô ô ô
(Amilton Damião, Ailton Damião, Edynel, Zezé do Pandeiro e Edinho Leal - 2000)


ELIS REGINA NA MOCIDADE: O CANTO QUE VIROU TREM

Em 1989, a Mocidade Independente de Padre Miguel decidiu prestar uma homenagem carregada de afeto: “Elis, um Trem Chamado Emoção”. O nome já entregava a proposta — levar para a Sapucaí a história e o legado de Elis Regina (1945 – 1982), a cantora nascida em Porto Alegre que conquistou o país com sua intensidade.


O enredo da Mocidade de 1989 partia de uma metáfora poderosa: Elis como um trem que atravessa o Brasil com sua voz


Lá pelas bandas de lá
No sul do meu país
Eternamente a cantar, Elis, Elis, Elis
(Paulinho Mocidade, Dico da Viola e Cadinho – 1989)


LUPICÍNIO RODRIGUES NO JACAREZINHO: DOR-DE-COTOVELO EM TOM MAIOR

Em 1987, a Unidos do Jacarezinho fez um desfile que muita gente talvez tenha esquecido, mas que merece ser lembrado com carinho. O enredo era “Lupicínio Rodrigues, Dor-de-Cotovelo” — e o nome já dizia tudo.


O compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues (1914 — 1974), nascido em Porto Alegre, foi homenageado com emoção e autenticidade em um desfile do Jacarezinho

Mestre da dor de cotovelo, Lupi transformou o sofrimento amoroso em arte com músicas como “Nervos de Aço” e “Esses Moços”. A escola rosa e branco apostou em um carnaval sem luxo, mas cheio de alma: botequim, boemia, coração partido e violão. O samba enredo era melódico, quase uma seresta. Sem exageros, o desfile tocou quem assistiu. Foi simples, mas verdadeiro. E quando a verdade canta, a avenida escuta com o coração.


Entra meu amor fique à vontade
Para homenagear
O grande artista e poeta popular
Que se faz vestir de rosa e branco
É por aqui a vida e obra de Lupi

(Milton de Luna, Madeira, Benê do Feitiço, Lúcio Bacalhau e J. Andrade – 1987)

JOÃO CÂNDIDO: O ALMIRANTE NEGRO DESFILANDO DUAS VEZES


João Cândido (1880 – 1969), o “Almirante Negro”, símbolo da Revolta da Chibata, foi homenageado duas vezes no grupo especial
 

A primeira, em 1985, pela União da Ilha do Governador, com o enredo “Um Herói, um Enredo, uma Canção”. A segunda, em 2024, pela Paraíso do Tuiuti, com “Glória ao Almirante Negro”.

A Ilha prestou uma homenagem ao herói da Revolta da Chibata e também um tributo à canção “Mestre Sala dos Mares”, de João Bosco e Aldir Blanc, que eternizou Cândido na memória popular. Aliás, ambos os compositores desfilaram com a tricolor insulana.

A interpretação ficou por conta de Quinho (1957 — 2024), em sua estreia como voz principal da escola. Elis Regina, que havia dado voz definitiva à música, também foi lembrada na avenida — um elo poético entre dois ícones gaúchos.

Quem não viu com bons olhos a homenagem foi a Marinha Brasileira. A força armada expressa resistência à ideia de que João seja herói nacional, argumentando que a revolta foi uma afronta à hierarquia e à disciplina militar. João Cândido foi anistiado pelo governo brasileiro em 2008, 39 anos após sua morte.


O desfile da Ilha em 1985 era uma tripla homenagem: ao herói João Cândido, aos compositores João Bosco e Aldir Blanc, e à cantora Elis Regina


Taí, Elis, taí
Olha o feiticeiro negro
Na Sapucaí
(Didi, Aurinho da Ilha e Aritana – 1985)


Quase 40 anos depois, a Tuiuti resgatou o personagem com mais densidade política. O desfile de 2024 – “Glória ao Almirante Negro” – mergulhou nas contradições da Marinha do Brasil, na luta de João Cândido por dignidade e na sua posterior perseguição. Um desfile potente, crítico, feito para não deixar esquecer.

O projeto que torna insere João Cândido no Livro de Aço dos Heróis e Heroínas da Pátria ainda tramita no Congresso, sob resistência da Marinha. O nome do marinheiro está inscrito no Livro dos Heróis do Estado do Rio de Janeiro.


Ôôô, a casa grande não sustenta temporais
Ôôô, veio dos Pampas pra salvar Minas Gerais
Lerê, lerê, mais um preto lutando pelo irmão
Lerê, lerê, e dizer: Nunca mais escravidão
(Cláudio Russo, Moacyr Luz, Gustavo Clarão, Júlio Alves, Alessandro Falcão, Pier Ubertini e W Correia – 2024)


Alegoria de João Cândido (no desfile da Tuiuti). O velho marinheiro não foi só personagem: virou símbolo de resistência
 

Um negro gaúcho que ousou se insurgir contra a violência institucional. E o carnaval carioca entendeu sua grandeza — duas vezes.

João Candido recebeu outras homenagens no mundo do samba e do Carnaval. Além da Ilha e da Tuiuti, a paulistana Camisa Verde e Branco (2003 e reeditou em 2017), a santista Metropolitana (2010), e em 2017, a Renascer de Jacarepaguá celebrou o encontro fictício do marinheiro com a catadora e poetisa Carolina Maria de Jesus com o enredo “O Papel e o Mar”.

Leonel Brizola: da campanha da legalidade à avenida

Outro gaúcho que ganhou enredo no samba carioca foi Leonel Brizola (1922 – 2004), o político nascido em Carazinho que comandou dois dos maiores estados do país.


Brizola (de branco) ao lado de Darcy Ribeiro, em visita ao CIEP localizado no sambódromo da Sapucaí, construído por eles


Em 2009, a Inocentes de Belford Roxo levou à Sapucaí o enredo “Do Rio Grande do Sul ao Rio de Janeiro a Inocentes Canta: Brizola, a Voz do Povo Brasileiro”, na Série A (atual Série Ouro). O desfile era um panorama da trajetória do político: do exílio à campanha da legalidade, do trabalhismo ao projeto educacional (CIEP’s) e brigas com a imprensa com a construção do sambódromo da Sapucaí.


Lutando por seus ideais
Mostrando o seu valor
Na vida pública se consagrou

Do Sul para o Rio de Janeiro
Brizola, a voz do povo brasileiro
(Billy County, Ediespuma, Abilio Mestre-Sala, Licinho Jr., Marcelinho Santos e Alex Bahia – 2009)


 

O samba foi um dos destaques do ano. Forte, melodioso, guiado pela voz do inesquecível Dominguinhos do Estácio (1941 – 2021), que dava ao enredo o tom exato entre respeito e crítica. Foi uma leitura popular de uma figura que, para muitos, era vista como ícone da luta por justiça social.

BARÃO DE MAUÁ NA CUBANGO: INDÚSTRIA E EMPREENDEDORISMO NO SAMBA

O Barão de Mauá, ou Irineu Evangelista de Sousa (1813 – 1889), nasceu em Arroio Grande, no sul do RS, e virou uma das figuras mais ricas e influentes do Brasil imperial.

Em 2012, a Acadêmicos do Cubango decidiu contar sua trajetória no enredo “Barão de Mauá — Sonho de um Brasil moderno”. Um desfile que misturava locomotivas, bancos, navios e visões de progresso.


Novos tempos
O império em transformação
Um nome surgia então
Renovando as esperanças
O sonho da modernidade
Seguiu Irineu em viagem
No Rio a cidade, seu grande destino
E descobriu valores
(Beto Gama, Belo, Regina Angélica, Emerson e Totonho – 2012)


 

Era um tema difícil — como transformar capitalismo e empreendedorismo em carnaval? Cubango falou sobre Mauá, empresário que queria modernizar o país, mesmo sendo sabotado pelas elites do império. O desfile não teve tantos holofotes, mas foi um belo trabalho de pesquisa e criatividade.


A Cubango apostou na figura do Barão de Mauá, um empreendedor visionário. Crédito da foto: site Iconografia da História
 

NEGRINHO DO PASTOREIO NA TUPY: O FOLCLORE DE FÉ DESFILANDO EM VERSOS

No carnaval de 1981, a Tupy de Brás de Pina, uma escola da Zona Norte do Rio (infelizmente já extinta), resolveu apostar em um enredo que carregava uma das mais conhecidas lendas do folclore sulista: “Negrinho do Pastoreio”.


Através de nossa história
Na imensidão dos Pampas
Rodas formadas
De muito peões
Numa estância
Situada nos sertões
(Ariel Matias, Walter Gaguinho e Luiz Reza Forte – 1981)



A história do menino escravizado que se torna entidade espiritual emocionou o público. Escrita por Simões Lopes Neto, a lenda ganhou vida no asfalto do Rio em 1981. Crédito: Turma do Folclore

Mesmo sendo uma agremiação modesta, a Tupy fez um desfile respeitoso e simbólico, com samba doce na voz de Carlão Elegante. Foi um raro momento em que a fé afro-cristã do Sul brilhou na folia carioca. A azul e branco ficou em 6º lugar no antigo Grupo 2-A, atual Série Prata (terceira divisão do carnaval).


A saudosa Tupy de Brás de Pina na Sapucaí no carnaval de 1989. Crédito: André Wanderley

SALAMANCA DO JARAU NO IMPÉRIO DO MARANGÁ: O MISTÉRIO DOS PAMPAS EM FANTASIA

Pouca gente lembra, mas em 1978, a Império do Marangá, escola localizada na Praça Seca, ousou ao apresentar o enredo “Salamanca do Jarau”.


Casal de mestre-sala e porta-bandeira do Marangá em desfile no carnaval de 1980

Inspirada em uma das mais misteriosas lendas do folclore gaúcho, a saudosa escola explorou o universo fantástico da Teiniaguá — a criatura encantada que vive numa caverna em Quaraí, no Cerro do Jarau.


Marangá orgulhoso apresenta
Salamanca do Jarau
Lenda de mistério e magia
De amor e fantasia
Neste carnaval
Vindo de terra distante
Do Rio Grande do Sul
(Batista, Didi e Adilson – 1978)

O enredo do Marangá levou à avenida uma lenda do Sul repleta de simbolismo: um sacristão apaixonado, uma princesa moura que vira lagartixa, pedras preciosas e tesouros ocultos. Pouco se sabe sobre o visual do desfile, mas a escolha ousada de uma escola do subúrbio carioca por um tema tão específico da mitologia meridional já revela a força do samba como espaço de brasilidade profunda.


Uma das histórias clássicas do folclore gaúcho foi levada à avenida pela saudosa Império do Marangá
   

UNIDOS DE SÃO CARLOS (ESTÁCIO DE SÁ): O SAMBA QUE FEZ HISTÓRIA COM O “PRETO FORRO”

Em 1972, a então Unidos de São Carlos (que onze anos mais tarde viria a se tornar a Estácio de Sá), fez história com o enredo “Rio Grande do Sul na Festa do Preto Forro”. E quando a gente fala que fez história, é literal: esse foi o primeiro samba-enredo a ganhar o Estandarte de Ouro, prêmio recém-criado naquele ano pelo jornal O Globo, ainda hoje considerado o mais respeitado do carnaval carioca.


Rio Grande do Sul
Seu folclore sua gente
Também participaram
Dessa festa diferente
(Nilo Mendes e Dário Marciano – 1972)


O enredo exaltou uma festa celebrada por negros libertos, com instrumentos tradicionais e saudações aos orixás na comunidade Boca do Mato, localizada na serra dos Pretos Forros, um antigo quilombo no Rio de Janeiro. Boca do Mato é uma comunidade antiga, possivelmente ocupada desde o século XVII e a serra dos Pretos Forros recebeu esse nome devido aos seus primeiros moradores, negros alforriados e foragidos.

A comunidade já teve sua própria escola de samba, a Aprendizes da Boca do Mato, fundada no ano de 1954. Foi nela que Martinho da Vila começou a dar seus primeiros passos no mundo do samba. Lá, ele venceu por sete vezes consecutivas a disputa de sambas-enredo nos anos 60.

A história da comunidade Boca do Mato é marcada por processos de marginalização social e racial, refletindo a exclusão das comunidades negras na narrativa histórica.


Desfile da São Carlos no carnaval de 1972, com presença de Beth Carvalho, uma das artistas que gravou o samba. Foto: Jorge Peter
 

Embora o título mencione o Rio Grande do Sul, a festa retratada é simbólica e representa a diversidade cultural do Brasil. A letra evoca imagens de capoeira, tambores e religiosidade sob o luar. O “Preto Forro” simboliza espaços de resistência e celebração após a escravidão. O samba se tornou um marco na valorização da cultura negra. E mesmo sem retratar o Rio Grande do Sul diretamente, reconhece seu povo nessa grande festa afro-brasileira.

GRANDE RIO 1998: PRESTES E O CAVALEIRO DA ESPERANÇA EM MARCHA NA SAPUCAÍ

Em 1998, a Acadêmicos do Grande Rio surpreendeu ao levar à Sapucaí o enredo “Prestes, o Cavaleiro da Esperança”, celebrando os 100 anos de nascimento do gaúcho Luiz Carlos Prestes (1898 – 1990), figura importante da política brasileira no século XX.


Desperta, nasceu
Cem anos nos pampas, que herança
Coração vermelho a palpitar

Cavaleiro da Esperança
(João Carlos, Carlinhos Fiscal e Quaresma – 1998)


O desfile fez uma leitura épica e politizada da trajetória do líder comunista, destacando sua luta por justiça e coragem. Com samba de versos fortes e clima denso, a escola de Duque de Caxias apostou em um tema ousado para afirmar sua identidade.


Prestes, nascido em Porto Alegre, foi militar, senador e líder da Coluna que denunciou desigualdades pelo país. Crédito: Memorial Luiz Carlos Prestes.

A escolha dividiu opiniões, mas marcou época. Ao homenageá-lo, a Grande Rio fez mais que um tributo: fez um ato político. E cravou a história gaúcha no asfalto carioca.


Gerson Brisolara (Rixxa Jr.)
rixxajr@yahoo.com.br