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Os sambas de 2018 por Victor Raphael

Os sambas de 2018 por Victor Raphael
E-mail: vraphael86@outlook.com

As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile
Victor Raphael é compositor do Carnaval de Corumbá-MS, tendo disputado alguns concursos no Rio de Janeiro

A GRAVAÇÃO - Todos nós sabemos que a receita do CD de Sambas de Enredo do Rio de Janeiro vem sendo repetida com alguma frequência desde 2010, com algumas modificações pontuais sem que haja alterações na sua essência. Para 2018 isso muda de maneira mais veemente, com as escolas optando por uma passada no pedal, salvo as faixas de Mocidade, Portela, Grande Rio e Império Serrano, e privilegiando a voz dos cantores. E de certa forma o grande diferencial desse ano é a nitidez que o vocal dos interpretes aparece nas gravações. De forma muito limpa e explorando o que há de melhor, podemos perceber todas as nuances que o samba tem através dessa “limpeza” nos áudios. Isso deixa o CD mais interessante de ouvir. A alteração de andamento das faixas, respeitando o que as escolas optaram, e não pasteurizando a cadencia dos sambas é ponto positivo, embora nos comentários, vocês vejam que eu criticarei algumas faixas exatamente por isso, mas louvo os produtores por deixar mais livre pra que as escolas escolhessem qual seria o ponto ideal para execução de suas faixas. Se for falar de capa, contracapa e encarte, a minha opinião segue a da opinião pública. Falta cuidado. Porém, isso cada vez mais é assunto para colecionadores, já que o público geral já está ouvindo os sambas no Deezer, Spotify e afins, e nem olha para cara da capa. Nas obras em si, é o ano dos refrãos bem construídos. Tem vários, seja de cabeça ou de meio, tem para todos os estilos e gostos. Nota 9,0

1 - MOCIDADE -
O samba que causa frisson em 11 entre 10 torcedores independentes e em 9 entre 10 pessoas que acompanham carnaval realmente é muito bom. Não é perfeito. Em termos de faixa de CD, a introdução, que não vou contar para a nota final, é um verdadeiro tiro no pé. Não é plausível começar um CD de sambas de enredo com o samba aparecendo mais de um minuto e meio depois e, entre isso, o refrão sussurrado entre ritmo de templo hindu. Indo ao samba propriamente dito, Wander Pires surpreende pela sobriedade na faixa. Sua potente voz já é conhecida há décadas no mundo do samba e suas firulas também. Essas firulas não dão as caras em 2018 e o povo agradece por sentir o Wander cantando o samba como ele é. A primeira do samba e estupenda, mesmo com uma das frases mais interessantes sendo modificada. “Colher o sal da liberdade, há tempo ainda” tem uma potência que o seu substituto não consegue alcançar. Na segunda, a coisa fica menos atrativa, inclusive com uma pronuncia meio esquisita no trecho “À Flor de Lotus, símbolo da paz” – o “símbolo” parece “simbolú” e o ouvido percebe isso. E a tão falada virada da segunda para o refrão de cabeça não me convence como inovação, e me parece uma quebra bem brusca para essa retomada. No mais, um samba bem temperado, como se fosse com curry, muita coisa de Padre Miguel perpassa o samba sobre a Índia sem fugir da temática, num grande feito dos compositores. Nota 9.8

2 - PORTELA - Nota positiva para o hino da Portela (mesmo cortado), no início da faixa. Inegavelmente o samba portelense tem o clima do sertão proposto, e identificado na interpretação bem segura de Gilsinho. Como os últimos sambas da parceria campeã, tem ufanismo pra tudo quanto é lado, até por ser a escola campeã, depois de uma fila inquietante, parece fazer a gente lembrar a todo instante que a Portela venceu. O trecho “Vem do arrecife, oio azul cabra da peste... No doce do meu agreste, querendo se lambuzar” tem uma melodia sensacional e o samba em si flerta todo momento com baião, xote e afins. No meu entender poderia até ser menos. Bem como os trechos onde o dito “nordestês” aparece. Se a faixa 1 é temperada com curry, essa tem gosto de baião de dois, e um pinguinho de aguardente. Bom samba – Nota 9,7

3 - SALGUEIRO - Clima pro início da faixa tem de sobra: Zezé Motta num samba sobre mulheres negras é algo a se aplaudir. O trecho acho que podia ser outro, mas o fato em si é mais importante que o trecho. O grande problema da gravação não está no samba em si, no seu andamento, nem no instrumental. Por mais que seja um expediente comum na Academia, a transição de vozes chega a incomodar no decorrer da primeira. O samba flui muito bem na voz de Leonardo Bessa, parece até que foi feito pra ele, porém nas outras parece que ainda há coisas a se lapidar. A supressão da repetição no “Ecoou no quariterê...” não ficou boa, a melodia pede a repetição e ela não vem indo direto para o próximo trecho. O ponto alto do samba é “a tia que me ensinou a comer doce da colher”, numa percepção instantânea a qualquer momento da infância muito bem construída. Exatamente desse doce de colher é o sabor desta obra – Nota 9,6

4 - MANGUEIRA - Diferente dos últimos anos, é um samba com proposta diferente em letra e construção melódica que traz a Estação Primeira, até por ser uma seara que ela visita pouquíssimo que são os sambas críticos. Porém os compositores acertaram em cheio na construção desse hino. O trecho “Outrora marginalizado... já usei cetim barato pra desfilar na Mangueira”, mesmo com a mudança desnecessária de papel para cetim, é emocionante e certamente faz o mangueirense imaginar quantas vezes isso já aconteceu. Fico com dúvida, e acredito que o samba tem esse intuito mesmo, se o “Não, não liga não” tem a ver com a LIESA. Eu, no meu íntimo, acho que tem e acho ótimo, pois a temática abordada pela escola não admite melindres. Ou se coloca o dedo na ferida ou não faz. Os interpretes Ciganerey e Péricles vão muito bem na faixa que peca pelo andamento empregado a ela pela bateria. Trata-se de um samba extremamente melodioso e que merecia maior valorização disso num andamento mais cadenciado. E espero que esse andamento apareça nos ensaios, e principalmente na Sapucaí. O gosto do samba e de cerveja gelada. Típico de quem está com alegrias de sobra. -  Nota 9,9

5 - GRANDE RIO - O samba é pula-pula, animado, o Emerson Dias se dá muito bem com obras animadas.... Mas o samba não tem o mesmo impacto incendiário da obra de Ivete e tem vários problemas. Ela, no início já parece que é uma parte do meio. Mais do que isso, é marcheado ao extremo. Basta tentar tirar um pouco da cadência dele que o caldo entorna. A sacada desse samba, ao menos do que foi possível entender do nexo do enredo, que é recheado com trechos de músicas que tocavam nos programas do Velho Guerreiro, o que contribui muito pra fazer jus a um trecho do samba: “vou te confundir”, é que parece que o enredo será contado ao contrário do usual na avenida. Uma vez que a letra tem na primeira parte “O show não terminou” e desemboca na influência tropicalista... e vem no seu fim retratando onde “nasceu o pequenino”. Dá a entender, e se for é bastante interessante. O gosto e da combinação de bacalhau com abacaxi. Não deu certo. Nota 8,9

6 - BEIJA-FLOR - Um samba perfeito, com andamento perfeito, uma interpretação digna dos melhores momentos de Neguinho da Beija-Flor, com poesia, reflexão e uma temática instigante. O samba da escola nilopolitana é o melhor do ano com passagens inteiras dignas de aplausos, como o refrão do meio que leva qualquer um às lágrimas. “Estendo a mão, meu senhor, pois não entendo tua fé... se ofereces rancor, me alimento de axé...” é absurdo diante da criticidade do enredo e do ambiente que o carnaval carioca anda vivendo, e o circuito cultural da cidade como um tudo… A mudança na tonalidade do samba para encenar a reta final, onde o samba é o alento do povo é sensacional, e faz a dor no peito ir embora de fato. Um samba que desperta sensações acompanhando com a melodia aquilo que é dito na letra de forma impecável. O gosto, por mais que tenha o amargor de todo sofrimento em analogia, se torna um néctar, tamanha a beleza deste hino. Nota 10

7 - IMPERATRIZ - A introdução tradicional dos anos 90 da Imperatriz de volta é digna de nota e aplausos. Com todo respeito ao Arthur Franco, que faz uma exibição muito competente na faixa, pude por um instante ouvir o “dá licença” do Preto Joia, de tão positivamente nostálgica. Tarefa árdua dos compositores em tentar retratar o que tem no Museu Nacional. E a Imperatriz opta por uma melodia mais diversificada e até mesmo pesada, como de costume, para lidar com o tema. Apesar de muita gente falar dessa melodia do samba de Ramos, acho ela tão interessante como alguns sambas de São Paulo, podemos dizer que a parte melódica da obra leopoldinense é “paulista”, e acaba por se diferenciar das demais por isso. Nota positiva para o refrão do meio que é daqueles para a escola cantar a plenos pulmões na avenida, com a sacada do “Quero-quero ver”, algo até ousado para os padrões todos corretos dos carnavais da atualidade. Mas como num samba derivado de um enredo tão recheado de pontos a serem citados, acontecem algumas desconexões na letra, desembocando em “os portões se abrem pro lazer”, que nada tem a ver com o restante de termos tão rebuscados como “solfejos” e “grimpas”. O sabor é daqueles pratos chiques de restaurante. Você gosta, mas a quantidade sempre acaba sendo menor que sua fome. Nota 9,6

8 - UNIÃO DA ILHA - Ito Melodia sempre seguro em suas interpretações, não foge à regra para 2018. A obra, no entanto, tem algumas questões a resolver. O refrão parece que não termina de maneira instigante com o “louca” do fim. As referências às sensações, e termos genéricos ligados à gastronomia na primeira parte também parecem forçadas. O refrão do meio é bem interessante, com um clima mais afro. A segunda também ganha com as citações mais diretas àquilo que se come no Brasil. O final não compromete. Não dá para dizer que o samba é problemático. Nem que tem algum problema mais evidente de construção de melodia. De letra é comum, sem grandes sacadas. Trata-se daquele famoso arroz com feijão de todo dia. Padece daquela misturinha que todo prato brasileiro tem. Nota 9,4

9 - SÃO CLEMENTE - Uma das notas positivas é a prova de que o interprete contribui para o sucesso ou não de um samba. Leozinho Nunes faz um grande trabalho na faixa da São Clemente, uma obra sem grandes destaques. Que passa a ter, sobretudo pelo suingue estabelecido por Leozinho entre o trecho que começa com “Emoldurando...” e indo até o fim do refrão central, que chama atenção. O hino em si não tem grandes momentos a serem elencados, e parece ser um tema distante... mesmo não sendo, já que a EBA é casa de grande parte dos carnavalescos que estiveram ou estão na Sapucaí, e que estarão sendo contados no desfile. O sabor desse samba é como os doces das confeitarias. Via de regra são bonitos, mas as vezes você morde pensando que é brigadeiro e tem bolo dentro. Não é ruim, mas você queria mesmo era o brigadeiro – Nota 9,4

10 - VILA ISABEL - O samba tem trechos de difícil compreensão, como o refrão principal. "O povo do samba é vanguarda popular, mora nos macacos e no Boulevard". Ótimo. Vem aqui aprender. Minha Vila tá legal, o moderno e o tradicional (que, inclusive, esse tradicional parece meio difícil de interpretar) ... fica difícil entender o que o samba quer dizer com isso. O início do samba pretende poetizar a busca pelo conhecimento, e isso fica bem evidente. Na transição pro meio do samba (que tem quebra melódica), já ganha uma outra narrativa, mostrando as forças motrizes, sendo que o samba volta à narrativa anterior e se mistura com a do refrão do meio no meio da segunda. A melodia não tem nada de impressionante, mas também não compromete, embora a segunda me pareça longa pro que a melodia pretende. Pra não perder o bom humor nem o gancho com o enredo, o samba tem sabor de comida da NASA. É nutritivo, mas difícil de dizer o que é – Nota 9,4

11 - UNIDOS DA TIJUCA - Obra possivelmente com a maior carga de preconceito por conta do personagem central do enredo, Miguel Fallabella, por se tratar de artista de televisão. Porém, Miguel é nome recorrente em teatro, cinema, roteirizando, dirigindo e sendo autor nas mais variadas formas de arte, inclusive sendo carnavalesco. Sendo assim, trata-se de algo pueril julgar o livro pela capa. O samba tem a marca dos últimos sambas da Tijuca no que tange à desenhos melódicos. Em letra que há um destaque maior. Apesar do batido espetáculo começando no início da primeira, no refrão do meio começa a ganhar corpo, fazendo uma analogia dos palcos com a passarela. A segunda fica melhor ainda, com a história do homenageado em si. Inclusive as sacadas do “Toma lá da Cá de gente bamba que tira o Pé da Cova quando samba”, referência clara a programas que Fallabella participou são muito bem-feitas. O “Sai de baixo” não acompanha essa perspicácia, mas passa bem. Um samba com a correta interpretação de Tinga. Típico churrasquinho que você não dá nada por ele, prova e é bom. Nota 9,6

12 - TUIUTI - Uma gravação histórica! Grazzi Brasil é excepcional, na execução de uma canção com um tema tão denso como a escravidão. Nino do Milênio, muito confortável com a obra, vai certinho nas entonações e no clima que o samba proporciona. Junta-se a isso a voz potente de Celsinho Mody que dá ainda mais “pegada de africano” a essa pérola da Tuiuti. O samba todo é sensacional e fica difícil escolher um trecho a destacar. Fico com a passagem “E assim quando a lei foi assinada, uma lua atordoada assistiu fogos no céu”, já que se trata de algo pouco usual no carnaval: a criticidade com o contexto da lei Áurea, que, via de regra, sempre foi item de celebração nos enredos das agremiações. A mudança de ritmo, mais festivo, do refrão, vai ao encontro do que diz o samba em primeira pessoa: “Não sou escravo de nenhum senhor” – Obra marcante do Tuiuti, que não merece um sabor destacado, mas um verdadeiro banquete – Nota 10

13 - IMPÉRIO SERRANO - O Império voltou! E o samba faz questão de dizer isso diversas vezes, inclusive reservando o final do samba inteiro pra isso, mesmo que com frases interessantes como a culminância, nos versos “Serrinha custa mas vem pra ficar” – O samba em si tem tiradas melódicas interessantes, como acompanhando na voz o toque do agogô no trecho "Sua 'fortaleza' é o que me faz seguir. Sou mais um guerreiro a lutar por ti” – que deve ser algo inédito, ao menos eu nunca ouvi dessa forma. No mais o samba tem coisas esquisitas como “confio” e “conceda” entre aspas para fazer uma referência à “com fio” e “com seda” – o que é dispensável e sem efeito. Como haveria de ser, o Império Serrano em si entremeia o enredo, mas deixa um clima até legal para curtir o samba. Mas não vi ainda a china combinando com o Império Serrano. É como um frango xadrez. Tem gosto bom, mas não aquele de casa. Nota 9,6