PRINCIPAL EQUIPE LIVRO DE VISITAS LINKS ARQUIVO DE ATUALIZAÇÕES ARQUIVO DE COLUNAS CONTATO |
||
Os sambas de 2018 por João Marcos As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile A GRAVAÇÃO DO CD - Safra um tanto supervalorizada, com alguns bons sambas, e outros bem fracos, de letras verborrágicas, quilométricas e sem muito sentido. A produção do CD melhorou em relação aos anos anteriores, dando mais variedade, fazendo a diferença entre as baterias ficar mais perceptível, e o fato de utilizar a primeira passada com poucos instrumentos fez com que o todo ficasse menos barulhento e cansativo. Ainda é preciso melhorar e diminuir a padronização, mas a produção começa a ficar num meio-termo bem aceitável. Quanto aos sambas, não há um grande destaque, mas existe um grupo acima dos demais com Mocidade, Portela, Beija-Flor e Mangueira. Há uma meiuca interessante e os bois de sempre, principalmente do meio em diante. Num ano que se desenha trágico para o carnaval em tempos de fanatismo religioso, pelo menos os sambas não nos deixam na mão. Só não são tão sensacionais como muita gente anda dizendo por aí. NOTA: 6,5. 1 - MOCIDADE - Diferente de muitos, achei bem
interessante o início da faixa, com um arranjo acústico remetendo à música da
Índia. Geralmente, essas introduções em sambas concorrentes são chatas e, por
isso, os que acompanham carnaval o ano inteiro acabam não tendo muita paciência
com elas. No entanto, achei uma maneira interessante, quase inédita dentro da
discografia oficial, de iniciar o CD do ano, até porque ela entrou criando um
clima, gerando uma emoção diferente, um sentimento de suspense para o ouvinte médio
que não está acostumado com o expediente. Mas apesar de bacana, ressalto que
não é preciso ter essa introdução em todo CD daqui pra frente. A experiência
está de bom tamanho. Quanto ao samba, é um destaque na safra, principalmente a
irrepreensível primeira parte, uma das combinações de letra e melodia mais
felizes dos últimos anos, de beleza e força incontestáveis. No refrão do meio,
há uma mudança de melodia no verso “Oh Madre de Luz”, que é excelente, mas
sinto que poderia ter sido iniciada ainda antes, para valorizada a entrada do
verso “Teresa de Calcutá”. Até mesmo uma terça ali poderia dar um molho
especial ainda maior à repetição do refrão. O samba só não reproduz o extremo
êxito do ano passado pela segunda parte, que não tem o mesmo brilho na melodia.
A modificação do “Deite e Holi' para “Nesse Holi” não resolveu o problema do
discurso do verso em relação ao todo da letra, e a saída do final da segunda
para o refrão de cabeça, apesar de engenhosa, acaba sendo um pouco mais abrupta
do que deveria. Porém, é um sambaço e dá seguimento ao grande momento da
escola. A Mocidade encontrou sua cara. NOTA: 9,1.
2 - PORTELA - Depois de dois sambas mornos, a Portela
acertou em cheio com este, que é bem alegre, tem diversos momento de explosão e
versos extremamente fortes. O clima de forró usado na melodia, apesar de não
ter muita ligação com o enredo, situa a história do ponto de vista geográfico
para o ouvinte que não leu a sinopse, dando molho à faixa. Sucedem versos
fortíssimos para o canto como o “ê,ê, ê viola”, “oi, o mar, maré de saudade,
oi o mar”, “Cada um em seu destino e a tristeza dá um nó”. O samba se
sustenta em várias pequenas repetições de versos que vão arredondando a
melodia, numa construção interessantíssima. O único trecho que poderia ter tido
um pouco mais de cuidado é em “Vixi Maria lá no meio do caminho / Tem pirata
no navio / O pagamento não foi ouro nem foi prata / Essa gente aperriada foi
seguindo / Ô gira ciranda, vai a chuva vem o sol, deixa cirandar”. Aqui,
parece que a entrada dos piratas no enredo dificultou os compositores. Os
versos saíram mais truncados e a melodia segue meio sem rumo, apenas ligando as
demais partes. Mas é um trecho rápido no samba, que, no todo, é empolgante e
diferenciado. NOTA: 9,0.
3 - SALGUEIRO - Um bom samba, que passa o enredo com
clareza e sentimento. Começa um pouco burocrático, mas ganha muita força no seu
primeiro momento de diferencial, que é o trecho “Bendita ela é… E traz no
axé um canto de amor / Magia pra quem tem fé / Na gira que me criou” que
engata no ótimo refrão de meio, o grande momento do samba. Depois de um pequeno
bis, o samba muda de sentimento, fica mais leve, e isso valoriza os versos que
tratam da tia que ensinou a comer doce na colher (bela imagem), as amas de
leite, as mães baianas, aquela coisa mais familiar da criança. O refrão de
cabeça fecha bem um samba que, dentro de sua proposta, conseguiu fugir daquilo
que eu mais temia, que era ser um Candaces II, “a missão”. Não era o melhor da
disputa, mas é um dos melhores do CD. NOTA: 8,5. 4 - MANGUEIRA - Seguindo o nível dos últimos anos, a
escola apresenta mais um bom samba, com melodia redonda, cara de Mangueira. A
letra é clara, sem rebuscamentos desnecessários. Acredito que seja fruto da
ótima sinopse, que passou a mensagem com precisão. Não temos aquela tradicional
impressão de que os versos estão ali apenas enumerando os carros alegóricos do
desfile. O único momento que poderia ter sido mais sutil é justamente no verso
“Vem como pode no meio da multidão”, que apesar de desfarçar a citação à escola
Vai Como Pode, soou levemente distante do resto do discurso poético do samba. É
uma obra muito funcional e dificilmente perderá qualquer décimo na apuração,
mas tenho a impressão de que os compositores optaram pelo caminho mais seguro, poderiam
ter bolado um trecho de maior diferencial em algum momento. É um samba
extremamente competente e profissional no bom sentido. O destaque é o bom
refrão de cabeça, curto e empolgante, e o trecho: A minha escola de
vida é um botequim /Com garfo e prato eu faço meu tamborim / Firmo na palma da
mão, cantando laiálaiá / Sou mestre-sala na arte de improvisar. NOTA:
8,8 5 - GRANDE RIO - Odiado nos fóruns de carnaval, o samba
da escola de Duque de Caxias faz exatamente o que se propõe – é alegre, leve,
divertido, simpático, combinando com a pegada que a escola vem imprimindo em
seus últimos desfiles. A letra não quer rebuscar nada, não tem profundidade,
não tem discurso definido... mas será que isso realmente é importante dentro no
carnaval? Será que todos os sambas precisam ser teses de doutorado? O
especialista pode reclamar, o intelectual espernear, mas é maravilhoso
encontrar um samba diferente no meio de tantas letras metidas a Camões.
Evidente que está longe de ser uma obra prima, a primeira é muito confusa
melodicamente. Porém os excelentes refrões, a ótima sacada da citação do jingle
do programa do Chacrinha e todo o sentimento da faixa fazem com que a gente
esqueça aquele chato que vive na nossa cabeça e deixe a alegria tomar conta.
NOTA: 8,0. 6 - BEIJA-FLOR - A sinopse foi devidamente chutada de
lado pelos compositores da escola, que se apegaram ao lado emocional do enredo.
A metáfora confusa do Frankestein, os cavaleiros do Apocalipse, a Pietá, quase
nada é sequer citado genericamente. E graças a Deus. O que fica é o sentimento
de abandono, algo dificil de se traduzir em melodia, mas que acabou se tornando
a força do samba, o seu grande diferencial. A crítica da letra é dura, talvez
um pouco dificil de se entender plenamente, já que mais parece algo sobre crianças
carentes, mas acredito que funcionará dentro do desfile, com as referências
visuais explicando o tema. A melodia tem trechos bem baixos que podem
atrapalhar um pouco o canto em determinadas partes, mas fazem um lindo
contraste com a parte final, que é poderosíssima, a partir de “Mas o samba
faz essa dor dentro do peito ir embora” indo até o marcante refrão de
cabeça. É um samba de escola grande, que consegue superar alguns pequenos
problemas técnicos valorizando o sentimento. É melhor isso do que perfeição
asséptica. NOTA: 8,9. 7 - IMPERATRIZ - Vem sendo muito elogiado no mundo do
samba desde que saiu a versão concorrente. Talvez por isso, eu esperasse mais.
Acho muito intelecto pra pouco coração. O concorrente não havia me encantado,
mas eu ainda tinha a expectativa de que o samba explodisse na versão do CD. Não
aconteceu. A letra é obviamente bastante trabalhada, tem bons momentos com um
enredo bem difícil por ser muito descritivo. As soluções usadas pelos
compositores são interessantes, mas com um pouco mais de atenção, você percebe
pequenos deslizes como dinossauros bailando com meteoros, flautas soltando pela
grimpa e outras forçações de barra. A melodia, sinceramente, não acontece e não
chama a atenção. O refrão de cabeça é legal e o do meio tem uma repetição no
verso “para o rei de Daomé” que é interessante. Porém, é um samba muito
morno. NOTA: 7,3 8 - UNIÃO DA ILHA - Esse tipo de enredo era bem comum na
Ilha no Grupo de Acesso e produziu um samba do nível dos sambas que a escola
apresentava na época. É simpático, sem grandes deslizes, passa bem o enredo,
mas não tem nenhum diferencial. O destaque é o refrão do meio, mas nada que
chegue a empolgar. A escola ficou devendo bastante este ano. NOTA: 6,9. 10 - VILA ISABEL - Quando
o compositor mais vitorioso da
escola assina um samba como “participação
especial”, você já tem uma indicação
do que vem por aí. O enredo, interessante do ponto de vista de
possibilidade
visual, é um desafio para qualquer compositor. A letra,
então, resolveu passar
as imagens poéticas sem muita conexão entre si, e a
melodia foi sendo esticada
para comportar os versos. No final, o todo não faz o menor
sentido, a melodia
tem poucos momentos inspirados, o refrão força a barra
com o velho expediente
de pegar sambas antigos da escola para criar alguma
ligação emocional com o
componente, sem muito sucesso. Enfim, é um trash sem ter versos
trash, mas se
você pega o samba como um todo, parece que é sobre o nada.
E o que fica da
audição é exatamente isso – a pura
sensação de tempo perdido. NOTA: 6,7. 11 - UNIDOS DA TIJUCA - A escola não vem sendo feliz em seus
sambas nos últimos anos e mantém o nível com este. É uma obra de melodia
genérica, tanto que o refrão de cabeça tem versos que lembram, em melodia, o
refrão da São Clemente deste mesmo ano (!). Compare - “E fez de você um
poema de amor ” com “Fiz da São Clemente o retrato fiel”. A
letra é razoável, fugindo do trash o quanto é possível até entrar na parte da
enumeração dos seriados em que o homenageado participou. Mas não tem nada que
chame muito a atenção ou tenha diferencial. Mais um ano de dívida para a escola
originária do morro do Borel. Nota: 6,8. 12 - TUIUTI - Um samba bastante pretensioso, com
letra rebuscadíssima decorrente do belo enredo, que tem um apelo emocional
gigantesco e óbvio – fazer samba ruim sobre a luta contra a escravidão é quase
impossível. E é visível o esmero dos compositores. Talvez seja a melhor letra
do ano. A melodia, no entanto, não tem o mesmo peso. Não há a catarse, por
exemplo, que encontramos no samba da Beija-Flor. A obra parece o tempo todo
presa, mais preocupada em passar a mensagem do que o sentimento. É interessante
ver uma escola menos poderosa fazendo um aposta dessas, mas é fundamental que o
samba, além de agradar o cérebro, agrade o coração também. Veja a simplicidade
do samba da Mangueira de 1988, sobre tema semelhante, e compare o sentimento. E
com um enredo destes, a encomenda foi uma aposta covarde da escola, que não abriu
a possibilidade para composições ainda melhores. Fica a sensação de que poderia
ter saído coisa ainda melhor. NOTA: 8,3 13 - IMPÉRIO SERRANO - Na volta ao Grupo Especial, o Império comete o erro de apostar num enredo árido e sem apelo emocional. Aliás, comete este erro novamente. Toda vez que a escola volta ao grupo é a mesma coisa. E aí, o compositor tem de buscar algum sentimento onde não existe: foge da sinopse, utiliza 'aspas' e expedientes outros para tentar encontrar alguma empatia. E o resultado quase sempre é fraco. Há exceções, como os dois últimos anos da Mocidade – o recurso utilizado pelos compositores da escola é ampliar o tema e aproximar o brasileiro de povos muito diferentes do nosso, mostrando que, de certa forma, eles são iguais a gente. No caso do Império, no entanto, o samba segue o caminho tradicional de passar os tópicos do enredo de forma genérica, sem muita ligação, sem citar palavras difíceis e dando apenas pequenas pinceladas nos temas dos carros, evitando a todo custo versos 'trash'. A tentativa de emoção fica por conta das citações a sambas antigos. O que aparece na faixa é uma obra profissional, que tem bom refrão, melodia correta, mas não deixa qualquer marca no coração do imperiano. O Império parece querer esquecer sua alma toda vez que volta ao Grupo Especial. É muito pouco. NOTA: 7,0. Veja também o último editorial com a análise de alguns sambas eliminados para 2018 (e 2017 também) |
Tweets by @sitesambario Tweets by @sambariosite |