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Os sambas de 2018 - Série A por Marco Maciel

Os sambas de 2018 - Série A por Marco Maciel
Twitter: @marcoandrews
E-mail: sambariobr@yahoo.com.br


As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile

Veja também o último editorial com a análise de alguns sambas eliminados para 2018 (e 2017 também)

A GRAVAÇÃO DO CD - Como observado por um amigo, o CD da Série A é mais adequado para servir de trilha sonora num chá das cinco no Palácio de Buckingham do que na laje. O produtor Leonardo Bessa apela mais uma vez para o expediente do registro das faixas com riqueza de detalhes nos arranjos, com muitos teclados e cordas para realçar determinados trechos, concedendo ao resultado final a mesma sofisticação dos álbuns de 2015 e 2017 dos sambas do Acesso. A única mudança significativa com relação a estes dois discos é a presença de bateria já na primeira passada, ainda que bem mais discreta do que na segunda. É uma fórmula que Bessa vem consagrando nos últimos carnavais no grupo, dando ao produto uma identidade. Entretanto, temo que tal estilo comece a ficar repetitivo para os próximos anos, tal qual no Grupo Especial, em que as gravações mais pesadas na Cidade do Samba tornam o CD praticamente o mesmo desde 2010. Sobre a safra, é realmente uma das melhores da Série A nos últimos tempos. A briga pelo Estandarte deve ser centralizada nas impecáveis obras de Unidos de Padre Miguel (apesar do registro aquém), Renascer de Jacarepaguá e Unidos de Bangu. Também apresentam ótimos sambas Porto da Pedra, Rocinha, Império da Tijuca, Inocentes de Belford Roxo, Acadêmicos do Sossego e Alegria da Zona Sul. NOTA DA GRAVAÇÃO: 9,5 (Marco Maciel).

1 – VIRADOURO – "Meu mundo especial, meu céu, meu ideal". O cartão-de-visitas do CD é um samba correto para falar dos inventores e suas invenções, de melodia mais funcional, que tem como ponto forte no disco mais uma inspirada atuação de Zé Paulo Sierra, cada vez mais identificado com a vermelho-e-branco de Niterói. Me agrada o efeito do bom refrão principal "é de enlouquecer, Viradouro – já enlouqueceu, Viradouro", que remete ao mesmo procedimento no samba da Vila/2013 ("a Vila vem plantar-colher"). Todavia, soam forçados os trocadilhos "E ter na mente o dom da criação”, “Une verso à melodia” e “Vinci fazer acreditar”, que prejudicam a qualidade da primeira parte, apesar de gostar do estilo de transição desta para o bom refrão do meio, como se este fosse complemento da primeira, prosseguindo a melodia ao invés da criação de uma nova para o refrão. As duas partes lembram várias obras que desfilam no Carnaval de São Paulo. NOTA DO SAMBA: 9,1 (Marco Maciel).

2 – ESTÁCIO – "E no me dê me dá, comércio popular". O tema lembra o utilizado pela escola em 1994, sobre feira livre e comércio popular, focando mais no SAARA naquela época. O refrão principal “Bota banca na avenida, meu Leão” em termos de estrutura é parecido com o de 2008 ”Pisa forte na avenida, meu Leão”, apesar das melodias serem distintas. No mais, é outro samba funcional também correto, igualmente chamando pouca atenção na safra. Destaques para as referências ao “me dê me dá” de 1992 na segunda parte (uma pena a alteração na letra no trecho que mencionava os balangandãs e jóia rara de 94) e também para o retorno de Serginho do Porto ao Leão de São Carlos depois de oito anos, fazendo crescer o samba no disco. Emocionante a homenagem ao saudoso Luiz Melodia no fim da faixa, com a citação ao seu clássico “Estácio Holly Estácio”. NOTA DO SAMBA: 8,9 (Marco Maciel).

3 – UNIDOS DE PADRE MIGUEL – "Auê Brasil, passista de cunha-poranga". Ainda é o melhor samba da ótima safra da Série A-2018, no entanto o registro no CD não favoreceu a obra, sobre a lenda amazônica de Parintins. A diferença da faixa no disco para a gravação dos compositores na voz de Wander Pires é gritante. A impressão dada é que o estilo de Pixulé não casou com o belíssimo samba-enredo, diferentemente da ótima atuação do intérprete no samba de 2017, bem como a impecável produção para a escola no ano passado de Leonardo Bessa, que dessa vez errou a mão principalmente no trecho “Oh Iara, oh Iara”. Trata-se de uma das mais arrebatadoras melodias do ano no Carnaval Carioca. No entanto, a mesma perde muita força no CD, com um coral apenas discreto e uma voz feminina fazendo o canto da sereia de acordo com o contexto, abafando completamente o trecho. E infelizmente os vibratos desnecessários da Iara aparecem nas duas passadas. Houve uma supressão de um verso na segunda parte com relação à versão dos compositores que também não precisava, prejudicando a transição para a sequência que se inicia em “Meu boi-bumbá, a pajelança dos Parintintins”. Enfim, a queda de qualidade do samba no disco oficial lembra muito a de 2008, quando o registro de Edson Carvalho ficou devendo em relação ao de Bruno Ribas na versão concorrente. Sobre o samba, impressiona como ele cresce a cada verso, corroborando a grande fase de Cláudio Russo, que opta por uma melodia forte com uma primeira parte belíssima e um refrão do meio que, se não é tão envolvente, tem como função preparar para a explosão dos versos da Iara. Como relatado, os dois versos que antecedem o “Meu boi bumbá...” ficaram estranhos depois da alteração com relação à versão na voz de Wander Pires. A sequência que encerra o hino “ecoa toada no samba/auê Brasil, passista de cunha-poranga” reforça uma idéia que vem dando certo ultimamente, que é a mistura de elementos do samba com a cultura que aparece como tema. Uma pena que a gravação não tenha ficado à altura do samba-enredo. Não fossem os problemas relatados, a nota seria 10. NOTA DO SAMBA: 9,9 (Marco Maciel).

4 – PORTO DA PEDRA – "Um súdito aos teus pés eu sou". Para exaltar as rainhas do rádio, dando continuidade a uma sequência que iniciou com a homenagem às marchinhas de Carnaval em 2017, o Tigre de São Gonçalo conta com um histórico reforço: o retorno de Luizinho Andanças. O intérprete, que defendeu a Porto da Pedra no Grupo Especial de 2005 a 2011, tem uma grande atuação no disco, abrilhantando a dolente obra sobre dez divas da canção, tornando uma das melhores faixas do álbum, de audição muito agradável e combinando perfeitamente com o estilo de produção de Leonardo Bessa. A opção é por uma letra mais subjetiva, sem se apegar às citações da sinopse. Destaque para o efeito no refrão do meio (ecoou... reluziu). NOTA DO SAMBA: 9,4 (Marco Maciel).

5 – ROCINHA – "Qual muié pôs o cão na garrafa?". Encomendada, a obra da Acadêmicos da Rocinha é complexa, mas de muita qualidade, que cresce a cada audição e desperta ainda mais simpatia ao ouvinte. Para falar sobre a xilogravura, os compositores tiveram uma missão complicada, pois a letra é repleta de citações, devido à difícil sinopse. A estrutura do samba também é um tanto diferente, com uma primeira parte curta, um pequeno refrão central que serve de complemento da primeira, e uma segunda parte bastante extensa, marcada por alguns estribilhos (repetições de apenas um verso), mas que em nenhum momento cansa, virtude das excelentes variações melódicas ao longo do hino. A ótima interpretação de Leléu também é um dos pontos fortes da faixa, uma das melhores do CD. NOTA DO SAMBA: 9,6 (Marco Maciel).

6 – IMPÉRIO DA TIJUCA"Pode ter fé, a magia do velho não falha". A escola do Morro da Formiga traz mais um samba afro, algo bastante comum na história recente da Império da Tijuca. A novidade fica por conta de Daniel Silva, na escola desde o Carnaval 2017, mas gravando pela primeira vez para o Primeiro Império do Samba e fornecendo uma atuação segura para o ótimo hino, de exaltação a Obaluaiê, o rei do céu e da terra, que recebe uma grande cerimônia (Olubajé) em sua louvação, em culto a Omolu. Como não deve deixar de ser para a temática, o samba é forte e valente, repleto de expressões africanas e com bons refrães. NOTA DO SAMBA: 9,5 (Marco Maciel).

7 – CUBANGO"Tingi de verde a minha história". O samba segue uma linha semelhante à obra de 2017, num formato extenso, menos convencional, porém com mais refrães espalhados, para homenagear o artesão Arthur Bispo do Rosário. Estreante na Cubango, Evandro Malandro tem bom desempenho conduzindo a obra, que utiliza no refrão o lema “Resgata Cubango”, da nova chapa que recentemente assumiu a escola. O hino poderia ter mais variações melódicas, o que cansa um pouco o ouvinte. Possui tendência de arrastamento. NOTA DO SAMBA: 9,3 (Marco Maciel).

8 – INOCENTES DE BELFORD ROXO"Querem pemba, querem guia, querem figa de guiné". Encomendado aos renomados compositores Cláudio Russo e André Diniz, este samba (divulgado ainda no primeiro semestre) que fala da cidade de Magé também é extenso, de estrutura complexa, mas possui ótimas variações, proporcionando um resultado final muito bom. O refrão principal é envolvente. A cabeça do samba é igualmente ótima, tendo como sequência um falso refrão (“Toca o atabaque...”, com um dedilhar de teclados divertido na primeira passada) que mantém o bom ritmo, seguido por uma segunda que serve de transição para um curto refrão (“Auê auê na riqueza da pingueira...”), muito bem defendido pelo coral no disco. O hino ainda tem uma terceira parte mais dolente, que cita personalidades da cidade como Garrincha e Heitor dos Prazeres, terminando muito bem o samba, devolvendo para o refrão. O estreante Ricardinho Guimarães recebe a parceria de Anderson Paz na condução do samba. E o veterano intérprete exerce mais segurança no canto da obra, valorizando muito bem a ótima faixa. NOTA DO SAMBA: 9,7 (Marco Maciel).

9 – RENASCER DE JACAREPAGUÁ"Villa Lobos brasileiro, faz da Renascer a sua sinfonia". Impressiona a sequência de sambas extraordinários que a simpática escola vem presenteando os amantes da folia desde 2014, quando passou a recorrer ao expediente de encomenda. Para 2018, Cláudio Russo, Moacyr Luz e Diego Nicolau mais uma vez proporcionam uma obra cheia de requinte, dolente e que passa emoção em praticamente todos os versos, recebendo um arranjo impecável de Rildo Hora, que enriquece a faixa com seu realejo. O hino traça uma relação entre a obra musical de Villa Lobos e a fauna e flora brasileira, com musicalidade ímpar e uma soberba interpretação de Diego Nicolau (agora solo, sem o antigo parceiro Evandro Malandro). É mais um samba que se assemelha a qualquer clássico da MPB, uma obra que prova que o gênero samba-enredo a cada ano se fortalece novamente, ao contrário do que muitos pensam. NOTA DO SAMBA: 9,9 (Marco Maciel).

10 – ACADÊMICOS DO SOSSEGO - "Moringa, água de cheiro, arruda e guiné". A escola niteroiense mais uma vez desponta com um samba bastante curioso, dando à parceria de Felipe Filósofo total liberdade para ousar em suas criações. Depois do samba sem rima de 2016 e do samba-diálogo de 2017, agora temos para 2018 uma letra sem verbos. Alguns vocábulos presentes originados de verbos na poesia aparecem como substantivos ou interjeições, como "proteção", "lavagem" e "salve". Também encomendado, a ausência dos verbos torna as muitas citações e vírgulas inevitáveis, dificultando assim a compreensão do enredo (ainda mais que a sinopse não foi divulgada). Entretanto, a excelente melodia torna o samba um dos melhores do grupo, ainda que umas palavras a mais em alguns versos dificultem a métrica (por exemplo, é impossível se cantar "crânios no altar", o experiente Nêgo não evita um "kâniusnualtar"). Mas a valentia da melodia compensa este tipo de problema. A faixa é muito bem produzida, com destaque para o agogô na segunda passada. NOTA DO SAMBA: 9,5 (Marco Maciel).

11 – SANTA CRUZ - "Deu Santa Cruz, pode acreditar". Quando o recém reeleito Zezo anunciou os reforços de Max Lopes e Quinho, imaginou-se que enfim a verde-e-branco poderia tentar voos maiores ao invés de fazer apresentações apenas para se manter no grupo, como vem realizando nos últimos anos. No entanto, o tema abstrato sobre fé e esperança gerou mais um samba morno, que pouco chama a atenção na safra. O carisma do experiente Quinho deixa a faixa até agradável (o estreante Roninho também participa da gravação), mas a melodia é comum, pesada e com poucas partes se destacando. A letra em muitos momentos se assemelha a livros de auto-ajuda. O refrão do meio, que na versão original dos compositores era o trecho que mais apreciava e tinha cinco versos (a partir de "eu levo trevo e figa de guiné"), ficou resumido a apenas dois, tirando ainda mais o brilho do samba-enredo, que outra vez passa desapercebido pelos idos de Santa Cruz. NOTA DO SAMBA: 8,8 (Marco Maciel).

12 – ALEGRIA DA ZONA SUL - "Ô saudade que navega em águas claras". Para exaltar a alforriada e guerreira Luiza Mahin, a Alegria apresenta mais um samba afro forte, como vem fazendo muito bem em carnavais recentes. O hino segue toda a fórmula dos destinados à temática, com refrães envolventes e o tom menor proliferando. A letra se apresenta em primeira pessoa, como se Luiza Mahin conduzisse a narrativa. A impecável interpretação de Igor Vianna torna a faixa excelente no álbum. NOTA DO SAMBA: 9,4 (Marco Maciel).

13 – UNIDOS DE BANGU - "Eu quero ver o negro ser coroado". Fechando muito bem a bolacha digital, a Bangu retorna à Sapucaí com mais uma obra de temática afro, cheia de pegada. A qualidade melódica do samba sobre a nobreza negra impressiona. A começar pelo envolvente refrão iorubá, cuja melodia lembra "Tupinicópolis" (Mocidade/87). É um samba muito forte, que ao mesmo tempo em que exala valentia, também emociona. No ótimo refrão do meio, também aposta na mudança de um dos versos na virada ("velho prisioneiro da desigualdade/oceano inteiro é pranto de saudade"). Destaque também para a excelente sintonia entre Thiago Brito e Leandro Santos, que demonstram bastante entrosamento na gravação. Se o belíssimo hino render no desfile, merece a permanência no grupo. NOTA DO SAMBA: 9,9 (Marco Maciel).

Veja também o último editorial com a análise de alguns sambas eliminados para 2018 (e 2017 também)

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