PRINCIPAL    EQUIPE    LIVRO DE VISITAS    LINKS    ARQUIVO DE ATUALIZAÇÕES    ARQUIVO DE COLUNAS    CONTATO

“FALA, CRIOULO” – RÉQUIEM PARA HAROLDO COSTA*

       

 

"FALA CRIOULO" – RÉQUIEM PARA HAROLDO COSTA*


14 de dezembro de 2025, nº 74


Leia as colunas anteriores de Gerson Brisolara

Coluna anterior:
 
"Saudade daquela voz que se calou..." - Parte 2

Coluna anterior:
 
"Rio Grande do Sul, seu Folclore, sua Gente, também participaram desta Festa Diferente..."

Coluna anterior:
 
Intérpretes que se Aposentaram no Carnaval - Quem é que vai no lugar deles?

Série de coluna anterior: A História do Carnaval na TV Brasileira

 

Haroldo Costa em 1964. Crédito: Arquivo Nacional

 

Haroldo Costa, ator, escritor, produtor, sambista e comentarista histórico do Carnaval carioca, morreu no dia 13 de dezembro de 2025, no Rio de Janeiro, aos 95 anos. Figura central da cultura afro-brasileira e do ativismo negro, nasceu em 13 de maio de 1930, data simbólica por coincidir com a assinatura da Lei Áurea, 42 anos antes (para quem conhece as religiões de matriz africana, sabe que coincidência não existe!). O número 13 marcou sua trajetória: do nascimento à despedida, passando pelos 13 carnavais transmitidos pela TV Manchete, onde se consagrou como o principal comentarista dos desfiles da Sapucaí.

 

A trajetória artística e ativista de Haroldo Costa foi tema de documentário do cineasta Silvio Tendler.

 

A formação clássica da Manchete

Costa era o último remanescente da chamada “formação clássica” da Manchete, equipe que reuniu nomes como Fernando Pamplona, José Carlos Rego, Maria Augusta, Roberto Barreira, Mestre Marçal, Sérgio Cabral, Albino Pinheiro, Beth Carvalho, Tharlis Batista e Paulo Stein. Sua presença era sinônimo de credibilidade e paixão pelo samba.

 

Dream Team: em pé: Haroldo, Roberto Barreira (de camiseta vermelha com o icônico M da Revista Manchete), profissionais não-identificados, Paulo Stein (de headset) e Fernando Pamplona (de boné). Sentados: profissional não identificado e José Carlos Rêgo (em primeiro plano com os fones no pescoço).

 

Programas que marcaram época

Na emissora da família Bloch, Haroldo apresentou programas que se tornaram referência, como Na Passarela do Samba, Botequim do Samba, Feras do Carnaval, Jornal do Carnaval e Debates de Carnaval. Mas foi com Esquentando os Tamborins que conquistou definitivamente o público. O boletim diário de três minutos mostrava os bastidores das escolas de samba e se tornou um ritual para os amantes da festa.

 

Haroldo Costa foi a “voz do carnaval da Manchete”, totalizando 13 coberturas dos desfiles entre os anos 80 e 90.

 

Ator e homenageado

Como ator, participou de diversas peças e filmes que abordavam temáticas sociais relevantes, como “Orfeu da Conceição” (1956), “O Pagador de Promessas” (1962) e “Xica da Silva” (1976).

Protagonista da peça “Orfeu da Conceição”, em 1956.

 

Haroldo foi ainda ator de novelas marcantes da Manchete, como Kananga do Japão, Pantanal e A História de Ana Raio e Zé Trovão. Sua versatilidade o levou a ser homenageado em quatro desfiles, três de forma indireta e um diretamente. Em 2026, a União do Parque Acari apresentará o enredo Brasiliana, lembrando a companhia teatral criada em 1949, da qual Haroldo foi um dos pilares.

 

Inspiração para enredos

Sua paixão pelo samba o levou a fundar uma companhia de danças brasileiras, com a qual viajou por diversos países, divulgando a cultura afro-brasileira para o mundo. Também atuou como produtor de shows de folclore e carnaval, contribuindo para a preservação e difusão das tradições populares.

 

Desfilando na comissão de frente do Salgueiro, escola do seu coração, em 1986.

 

Sua contribuição ultrapassou os microfones, as telonas e as telinhas. Em 1982, a União da Ilha levou à avenida o enredo “É Hoje”, inspirado em seu livro homônimo, ilustrado pelo caricaturista Lan, seu concunhado. O Salgueiro, escola de seu coração, também bebeu de sua obra em dois momentos: “Skindô, Skindô” (1984), baseado em seu show Na Pista do Samba, e “Salgueiro, Minha Paixão, Minha Raiz – 50 Anos de Glória” (2004), fruto de seu livro comemorativo. A Arrastão de Cascadura homenageou o artista em vida no carnaval 1988, com o enredo “Festa para Orfeu Negro”, conquistando, inclusive, o título do então Grupo 2-A (atual Série Prata).

 

“É Hoje – As Escolas de Lan”, livro escrito por Haroldo e seu concunhado, o desenhista Lan, que serviu de inspiração para o enredo da União da Ilha do Governador em 1982.

 

Água de cheiro pra ioiô... O enredo “Skindô, Skindô”, que o Salgueiro desfilou em 1984 foi inspirado no espetáculo “Na Pista do Samba”, dirigido e produzido por Haroldo Costa, e abordava a influência negra na música brasileira.

 

Raízes familiares no samba

Casado com Maria Luiza “Mary” Marinho, uma das lendárias passistas do Salgueiro, Haroldo integrava uma família profundamente ligada ao samba. Mary e suas irmãs Norma e Olívia — esta última casada com Lan — ficaram conhecidas como as “Irmãs Marinho”, símbolos da elegância da vermelho e branco da Tijuca.

 

Mary Marinho e Haroldo Costa.

 

Olívia (cunhada de Haroldo e casada com o cartunista Lan), Mary e Norma: as irmãs Marinho, estrelas do Salgueiro nos anos 60.

 

Globo e o Estandarte de Ouro

Com o fim da Manchete, em 1999, fundou a Haroldo Costa Produções Artísticas e passou a comentar o Carnaval na Rede Globo, ao lado de Maria Augusta, além de seguir com suas pesquisas e livros. Também foi jurado decano do Estandarte de Ouro, prêmio extraoficial promovido pelo jornal O Globo, função que exerceu desde 1974 até 2025.

Haroldo Costa na transmissão do carnaval Globeleza em 2004.

 

Legado

Haroldo Costa deixa um legado que atravessa gerações. Sua voz, seus textos e sua militância ajudaram a construir a memória do Carnaval carioca e da cultura popular brasileira.

Obrigado por tudo, crioulo, griô, Orfeu, Xangô, Nzambi. Axé!

Haroldo Costa (1930 – 2025)

 

    *Em 1982, Haroldo Costa reuniu depoimentos de nomes representativos do sangue negro, de classes sociais e culturais diversas, sobre suas expectativas e desesperanças em um país em que seus ancestrais chegaram como escravizados. O resultado foi o livro “Fala, crioulo”, um verdadeiro ensaio sobre o tema. Quase 30 anos depois, o autor relançou a obra, com novos testemunhos que enfocavam a mesma questão: o que é ser negro no Brasil.

“Crioulo” era como eram chamados escravizados negros nascidos na América, e, no Brasil, a pessoas negras em geral, muitas vezes com conotação pejorativa, embora também usada afetuosamente (como foi no caso do livro de Haroldo). A origem do termo está ligada a “cria”, significando “criado na terra”.

 

Capa do livro “Fala Crioulo”

Leia as colunas anteriores de Gerson Brisolara

Coluna anterior:
 
"Saudade daquela voz que se calou..." - Parte 2

Coluna anterior:
 
"Rio Grande do Sul, seu Folclore, sua Gente, também participaram desta Festa Diferente..."

Coluna anterior:
 
Intérpretes que se Aposentaram no Carnaval - Quem é que vai no lugar deles?

Série de coluna anterior: A História do Carnaval na TV Brasileira

Gerson Brisolara (Rixxa Jr.)
Jornalista, comentarista carnavalesco e colaborador do SAMBARIO desde 2004
rixxajr@yahoo.com.br