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Coluna anterior: A Passarela da Democracia: A Construção da Sapucaí e a Batalha de Narrativas na Imprensa em 1984 Coluna anterior: Fernando Vanucci e o carnaval na TV: a trajetória de um âncora que virou parte da festa A CIDADE EM DISPUTA: O SAMBÓDROMO NAS PÁGINAS DO JORNAL DO BRASIL Quando
o projeto de construção de uma passarela fixa para os
desfiles das escolas de samba começou a ganhar forma concreta no
início da década de 1980, o Jornal do Brasil já
vinha acompanhando, há pelo menos uma década, o
deslocamento progressivo do Carnaval carioca de uma
manifestação espontânea e territorialmente difusa
para um espetáculo cada vez mais organizado, televisionado e
integrado às políticas públicas de turismo e
cultura. A decisão do governo estadual de implantar, na Rua
Marquês de Sapucaí, uma estrutura permanente para os
desfiles não surgiu, portanto, como um fato isolado nas
páginas do JB, mas como o ponto culminante de um debate que
atravessava temas caros àquele jornal: planejamento urbano,
preservação da memória da antiga Praça
Onze, impacto social das grandes obras e a
instrumentalização simbólica da cultura popular
pelo poder público.
Desde os primeiros anúncios oficiais, o JB tratou a futura passarela — posteriormente batizada de Sambódromo da Marquês de Sapucaí — como um acontecimento urbano de grande porte, capaz de reorganizar fluxos, redefinir paisagens e alterar de maneira definitiva a experiência do Carnaval. Reportagens publicadas ainda em 1983 informavam sobre a escolha do local, o desenho preliminar das arquibancadas, o número de espectadores previstos e a intenção declarada do governo de “dar dignidade estrutural ao desfile das escolas de samba”, expressão recorrente em declarações oficiais reproduzidas pelo jornal. Ao mesmo tempo, o JB não abdicava de sublinhar a pressa com que a obra era conduzida, ressaltando que o calendário do Carnaval de 1984 impunha prazos exíguos e decisões administrativas aceleradas, o que, para muitos especialistas ouvidos pelo jornal, ampliava os riscos técnicos e sociais do empreendimento. A presença do arquiteto Oscar Niemeyer como autor do projeto foi tratada pelo JB como um elemento de prestígio e de legitimação simbólica da obra. As matérias destacavam os traços monumentais das arquibancadas, a linearidade da passarela e a concepção do espaço como um “teatro popular a céu aberto”, expressão atribuída ao próprio arquiteto em entrevistas reproduzidas parcialmente pelo jornal. Fotografias de maquetes, croquis e do canteiro de obras ocuparam páginas inteiras, acompanhadas de textos explicativos que buscavam traduzir para o leitor comum a lógica arquitetônica do projeto e sua inserção no tecido urbano da Cidade Nova. Entretanto, se o discurso arquitetônico aparecia frequentemente associado à ideia de modernização e grandiosidade, o Jornal do Brasil fez questão de registrar, de maneira sistemática, as reações críticas à intervenção. Moradores da região, advogados de associações locais e representantes de movimentos comunitários encontraram espaço nas páginas do jornal para expressar preocupações com remoções, valorização imobiliária forçada e perda de referências históricas. Em uma reportagem de cunho claramente social, publicada ainda durante a fase de terraplenagem, um líder comunitário afirmava que “a cidade se mobiliza para quatro dias de festa, mas ignora décadas de abandono cotidiano”, frase que o JB destacou como síntese da tensão entre espetáculo e cidadania. Essa ambivalência — entre o reconhecimento da importância cultural do Carnaval e a crítica às assimetrias produzidas por grandes obras — atravessou toda a cobertura do jornal. O Jornal do Brasil parecia consciente de que o Sambódromo não era apenas uma infraestrutura festiva, mas um marco de política cultural e urbana, inserido num contexto político particularmente sensível. À frente do governo estadual estava Leonel Brizola, figura central da redemocratização e personagem recorrente nas páginas do JB, tanto em matérias informativas quanto em colunas políticas. Embora o confronto mais direto de Brizola com a grande imprensa se desse, notoriamente, com o grupo Globo, o clima de tensão entre governo e meios de comunicação formava o pano de fundo sobre o qual toda grande iniciativa administrativa era avaliada. Nesse contexto, o Jornal adotou uma postura que combinava distanciamento crítico e rigor informativo. Noticiou, por exemplo, os custos estimados da obra, as fontes de financiamento e as decisões administrativas que permitiram sua execução em tempo recorde, mas também publicou artigos e editoriais que questionavam prioridades orçamentárias num estado marcado por carências estruturais profundas. O Sambódromo surgia, assim, simultaneamente como símbolo de afirmação cultural e como alvo de questionamentos sobre o papel do Estado na mediação entre festa, mercado e direitos sociais. Outro aspecto recorrente na cobertura foi a evocação da memória da antiga Praça Onze, território simbólico do samba carioca, destruído pelas reformas urbanas do início do século XX. Frequentemente, se lembrava que a Marquês de Sapucaí está situada nas imediações desse espaço histórico, estabelecendo uma narrativa de continuidade e ruptura: continuidade na centralidade do samba para a identidade da cidade; ruptura na forma como esse samba passava a ser apresentado, enquadrado e consumido. Em textos de cunho mais ensaístico, publicados no caderno cultural, articulistas do JB sugeriam que o Sambódromo institucionalizava o desfile, transformando-o definitivamente em espetáculo programado, com consequências estéticas e políticas ainda difíceis de medir. Às vésperas do Carnaval de 1984, quando a inauguração da passarela já era dada como certa, o tom das matérias passou a incorporar um certo suspense. Reportagens diárias acompanhavam o avanço das obras, descrevendo a montagem das arquibancadas, a instalação da iluminação e os testes de segurança. O Jornal do Brasil registrou, com minúcia quase cronística, a ansiedade das escolas de samba diante da nova configuração do desfile, bem como as adaptações exigidas pelos regulamentos e pela própria arquitetura do espaço. Após a realização dos primeiros desfiles, o jornal publicou balanços críticos, apontando acertos e problemas, desde a visibilidade do público até a dinâmica da evolução das escolas na passarela. O conjunto dessa cobertura revela um jornal atento à complexidade do fenômeno que narrava. Ao registrar vozes oficiais e dissidentes, ao combinar dados técnicos, memória histórica e análise política, o Jornal do Brasil deixou um testemunho fundamental para compreender como a cidade do Rio de Janeiro reinventou seu Carnaval e, ao mesmo tempo, projetou sobre ele as contradições de sua vida urbana no início da Nova República.
Jornalistas e repórteres do Jornal do Brasil ligados à cobertura urbana e do Sambódromo Gilberto Velho Antropólogo
e colaborador frequente do JB, publicou artigos e ensaios no Caderno B
e em espaços de opinião tratando da
transformação das festas populares, da
institucionalização do Carnaval e da
relação entre cultura, cidade e poder público.
Seus textos não eram reportagens factuais de obra, mas
análises interpretativas fundamentais para compreender o
enquadramento simbólico do Sambódromo como projeto urbano.
Janio de Freitas Colunista
político de grande influência no JB, tratou reiteradamente
das relações entre governo estadual, mídia e
grandes projetos públicos durante a gestão Brizola. Seus
textos ajudaram a moldar a leitura crítica sobre obras
emblemáticas, entre elas o Sambódromo, ainda que de forma
indireta, inserindo-as no debate sobre prioridades administrativas e
uso político da cultura.
Lúcio Flávio Pinto Atuando
como repórter e articulista, publicou textos relacionados a
políticas públicas, Estado e sociedade. No contexto do
Sambódromo, sua contribuição se deu principalmente
no ambiente de crítica estrutural às decisões
governamentais e aos impactos sociais das grandes obras.
Jornalistas do Caderno Cidade e reportagens urbanas Carlos Leonam Embora
mais conhecido pela editoria científica, participou de
reportagens especiais e matérias explicativas que cruzavam
técnica, planejamento e impacto urbano — abordagem
utilizada pelo JB para explicar projetos como o Sambódromo ao
público leitor.
Tânia Malheiros Repórter
do Caderno Cidade, assinou matérias sobre
transformações urbanas, cotidiano dos bairros e impactos
de obras públicas. Seu nome aparece em reportagens sobre a
região da Cidade Nova e temas correlatos ao período da
construção da passarela.
Colaboradores e articulistas do Caderno B (Cultura) Muniz Sodré Colaborador
eventual do JB, publicou textos analíticos sobre cultura
popular, mídia e espetáculo. Seus artigos dialogam
conceitualmente com a transformação do Carnaval em evento
institucionalizado — leitura frequentemente associada ao
surgimento do Sambódromo.
Hermano Vianna No
início da carreira, colaborou com reflexões sobre
música e cultura popular. Embora ainda não fosse figura
central na redação, seus textos ajudam a entender o campo
intelectual que dialogava com o Carnaval naquele momento.
Victor
Raphael
Ex-presidente da Liga Independente das Escolas de Samba de Corumbá (LIESCO) |
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