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Editorial Sambario
Edição nº 82 - 19/06/2021

LAÍLA - ARUANDA EM FESTA

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Laíla partiu pra Aruanda. Os orixás estão em festa, recebendo o ilustre filho que honrou cada guia que trazia no peito. Adornos inconfundíveis de seu vestuário, cultivava um altar no pescoço, como bom herdeiro de Xangô osso duro de roer que era. Luiz Fernando Ribeiro do Carmo era o nosso griô!

Seu semblante quase sempre fechado sintetizava toda a imponência que fazia o sambista lhe venerar, como se fosse de fato um orixá na Terra. Conduzia com excelência um desfile de escola de samba. A batuta? O machado de seu pai maior.

Ninguém entendia mais daquele espetáculo tão colorido e apoteótico do que o menino que adorava laranjas, mas que ao pronunciar o nome da fruta na infância remota, soava "laíla". Denominação que seria não apenas um sinônimo de Carnaval, mas também de disciplina, de organização e de uma revolução cultural a fim de consolidar a festa como um cartão-postal global, a identidade do brasileiro lá fora.


Laíla e Joãosinho Trinta em janeiro de 1979 - FOTO: Otavio Magalhães (Agência O Globo)

Contemporâneo de Joãosinho Trinta, foi seu parceiro de décadas. Testemunhas oculares de como Fernando Pamplona ajudou a consagrar a negritude do célebre Salgueiro dos anos 60. Discípulos que não só honraram seu legado, como carimbariam suas marcas para a eternidade a partir do decênio seguinte. Os anos 70 escancariam a dupla Lennon e McCartney da folia.

Enquanto João assumia a titularidade salgueirense, o expediente de Laíla naquele longínquo 1974 seria pouco casual na carreira que se desenharia próspera. Sua voz ecoou no disco oficial, defendendo com maestria o belo samba "Rei da França na Ilha da Assombração". O casamento deu o campeonato ao Salgueiro. Na avenida, puxou junto com o compositor Zé Di e o lendário Noel Rosa de Oliveira, um dos fundadores da vermelho-e-branco. 

A fórmula do sucesso seria fortalecida com o bi no ano seguinte. "O Segredo das Minas do Rei Salomão" mais uma vez teria o já renomado diretor de harmonia gravando o samba no vinil. Mas com uma particularidade. A obra era fruto de uma fusão de mais de um hino concorrente, algo nunca feito até então. Junções que seriam uma marca do nosso filho de Xangô, até hoje utilizadas com frequência.

A missão da dupla na Academia estava cumprida. Chegava a hora de redesenhar o mapa do samba do Rio de Janeiro. De modernizar a história dos desfiles das escolas. De furar o bloco das quatro grandes. A Beija-Flor de Nilópolis, outrora agremiação ioiô e sobrevivente no grupo principal graças às contestadas exaltações ao regime, estava pronta pra ser protagonista. O dinheiro de Aniz Abraão David proporcionaria o luxo nunca visto antes na pista. O tricampeonato nilopolitano significava o penta particular de Laíla-João, que reinariam na Deusa da Passarela também nos anos 80.


Sentado, o saudoso Zacarias de Oliveira exibe o CD de 2004 juntamente com Mário Jorge Bruno e Laíla

Já na década de 70 se tornaria produtor dos discos oficiais de samba-enredo, contribuindo para a época de maior vendagem dos álbuns, abastecendo a velha guerra com os lançamentos anuais de Roberto Carlos no Natal. Baterias e maestros para reger os músicos de base no estúdio, lendários registros no Teatro de Lona da Barra da Tijuca... Obras da equipe que encabeçava com Genaro Soalheiro, Rivaldo Santos, Mário Jorge Bruno e Zacarias Siqueira de Oliveira.

Idealizou o histórico "Ratos e Urubus, Larguem minha Fantasia" com João, mas muito de suas conhecidas rusgas com o carnavalesco vinha do episódio da real autoria da ideia da lona no abre-alas do Cristo Mendigo e os famosos dizeres, após a proibição da Igreja Católica. Laíla teria dado a sugestão ao maranhense, que a princípio reagira com indiferença. João se isolou por alguns minutos, até regressar com empolgação e anunciar a notícia para os presentes no barracão: "vamos cobrir o Cristo com uma lona e uma faixa escrito 'mesmo proibido, olhai por nós'". Todos aplaudiram a "genialidade" de João Jorge Trinta. Menos o verdadeiro autor intelectual e furioso Laíla, é claro!

Já sem Joãosinho, seguiu sua trajetória em Nilópólis nos 90 com mais uma inovação: a Comissão de Carnaval a partir de 1998. A equipe não estaria mais centralizada num único carnavalesco. O campeonato dividido com a Mangueira naquela temporada daria início a mais uma era vitoriosa da Beija-Flor, superando quatro vices consecutivos pela diferença mínima na virada do milênio para enfileirar outra sequência de troféus.

Laíla é como Pelé. Não haverá outro diretor de Carnaval igual. Um bamba completo. Cuja autoridade no conhecimento dos atalhos, em corrigir erros imperceptíveis, em coordenar cada ala, na orientação aos componentes, será singular.

O Brasil se despede de um dos pais da cultura popular contemporânea. 
A Sapucaí continuará nas próximas eras sendo o terreiro da ilusão. Laíla seguirá sisudo realizando os despachos antes da escola adentrar a avenida. Dessa vez espiritualmente, guiando de Aruanda todos os que apreciam e ajudam a construir o maior espetáculo audiovisual do planeta.


Adorei as almas!

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