O que um diretor de
bateria estaria fazendo numa galeria de intérpretes de
samba-enredo? Pois este cidadão não foi somente um
mestre de bateria. Foi um mestre da MPB. Não apenas
regia instrumentistas no acompanhamento musical de
samba-enredo como adorava cantá-los e gravá-los
também. Um sambista completo.
Nilton Marçal pertenceu à segunda
geração de uma fantástica dinastia de bambas. Era
filho do percussionista e sambista Armando Vieira Marçal
(autor do clássico "Agora é cinza", em
parceria com Bide) e pai do também percussionista e
atual diretor de bateria da Portela Marçalzinho. Mestre
Marçal foi um dos mais consagrados mestres de bateria e
percussão da música brasileira, uma quase unanimidade
entre os músicos. Começou tocando tamborim na escola
Recreio de Ramos, em seguida foi para a Unidos da Capela,
Império Serrano e Portela, onde ficou por mais de 20
anos mas saiu após o carnaval de 1986, depois de
desentendimentos com o presidente da escola. Ganhou o
título de Cidadão Samba em 1982.
Fora do universo
carnavalesco, foi presença constante em estúdios de
gravação. Participou de discos de Beth Carvalho, tocou
com Alcione, Chico Buarque e praticamente todos os
grandes nomes da MPB. O trio de ritmistas que formava com
Luna e Eliseu foi responsável pela percussão nas
principais gravações de samba dos anos 60 a 90. Em
1978, gravou um LP dedicado à obra musical da dupla
Bidê & Marçal.
Curiosamente, foi após
sair da Portela que a carreira de Mestre Marçal como
cantor de samba (apadrinhado por Chico Buarque)
deslanchou. Em 1985, quando ainda era integrante da banda
de Chico, assinou contrato com a Barclay/Polygram e
gravou o disco Recompensa. No ano seguinte, com o disco
Senti Firmeza, ocupou as paradas de sucesso com a música
"Facho de esperança", de Sereno e Julinho
(Sorri pra mim/ porque preciso enganar a dor/ surpreender
o mal interior/ qualquer motivo pra me libertar...).
Paralelamente à
carreira de cantor, Marçal continuava atuando como
mestre de bateria. Depois da Portela, regeu os
batuqueiros da Unidos da Tijuca (de 1987 a 1989). Em
1990, foi convidado por Fernando Pamplona para ser
comentarista nas transmissões de carnaval da TV
Manchete. Suas análises recheadas de bom humor e
sarcasmo foram as marcas da cobertura da emissora, mas
também foi alvo de polêmica. Numa delas, Marçal
criticou abertamente o Mestre Paulinho de Pilares - na
época, responsável pela bateria da Caprichosos, e uma
estrela em ascensão no mundo do samba - por acelerar o
andamento do ritmo no desfile. O comentário não soou
bem entre os sambistas de Pilares, que rechaçaram as
críticas de Marçal. Por ironia do destino, no ano
seguinte, a então emergente Unidos da Viradouro
contratou Marçal para ser diretor de bateria juntamente
com... Paulinho de Pilares (!). Claro que a parceria não
durou muito tempo e Mestre Marçal voltou a comentar
carnaval pela TV Manchete em 91 e 92. Em 93, foi
convidado a ser o presidente da bateria da Império
Serrano, onde ficou até 94, em seu último carnaval.
Mestre Marçal, dono de
uma bela voz e de uma incrível divisão rítmica, gravou
oito discos e, em todos, sempre cantava sambas enredos,
seja de qualquer escola que fosse, contanto que belo. Em
seu último álbum, dedicou o repertório ao que
considerava os melhores sambas de enredo de todos os
tempos.
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Início:
Recreio de Ramos, em seguida Unidos da Capela e Império
Serrano.
1964 a 1986 - Portela
1987 a 1989 - Unidos da Tijuca
1993 e 1994 - Império Serrano
DISCOGRAFIA:
1978 - Marçal interpreta Bide e Marçal
(EMI-Odeon)
1985 - Recompensa (Barclay/Polygram)
1986 - Senti Firmeza (Barclay/Polygram)
1987 - Sem meu tamborim não vou (Polydor)
1988 - A incrível bateria de Mestre Marçal (Polydor)
1989 - Pela sombra (BMG)
1990 - Entre amigos (BMG)
1993 - Sambas enredos de todos os tempos (Velas)
SAMBAS ENREDOS GRAVADOS POR MARÇAL:
- Como era verde o meu Xingu (Adil,
Paulinho Mocidade e Tiãozinho da Mocidade);
- Contos de Areia (Dedé da Portela e Norival Reis);
- Os Malês (Adalto Magalha e Wilson Moreira) - samba
derrotado na disputa do enredo "Salamaleikum, a
epopéia dos insubmissos Malês" - Unidos da Tijuca
1984;
- Festa para um rei negro (Zuzuca);
- O mundo melhor de Pixinguinha (Evaldo Braga e Jair
Amorim);
- Os Sertões (Edeor de Paula);
- Ilu-Ayê (Cabana e Norival Reis);
- No reino da Mãe do Ouro (Rubens da Mangueira e
Tolito);
- Bumbum Paticumbum Prugurundum (Aluisio Machado e Beto
Sem Braço);
- Imagens poéticas de Jorge de Lima (Delson, Mozart e
Tolito);
- Lendas e mistérios do Amazonas (Catoni, Jabolô e
Waltenir);
- Tiradentes (Estanislau, Penteado e Mano Décio);
- A festa do Divino (Nezinho, Campo e Tatu);
- Heróis da Liberdade (Silas de Oliveira, Mano Décio e
Manoel Ferreira);
- Seca do Nordeste (Gilberto Andrade e Waldir de
Oliveira);
- Iaiá do cais dourado (Martinho da Vila e Rodolfo);
- Os cinco bailes da historia do Rio (Bacalhau, Ivone
Lara e Silas de Oliveira);
- O mundo encantado de Monteiro Lobato (Luiz, Darcy e
Batista da Mangueira);
- Sublime Pergaminho (Nilton Russo, Zeca Melodia e
Carlinhos Madrugada);
- Chica da Silva (Anescarzinho e Noel Rosa de Oliveira);
- O grande presidente (Padeirinho);
- Liberdade, liberdade, abra as asas sobre nós (Preto
Jóia, Vicentinho, Jurandir e Niltinho Tristeza).
PÉROLAS DE MESTRE MARÇAL:
Algumas frases proferidas por Mestre
Marçal durante as transmissões da TV Manchete (1990-92)
tornaram-se antológicas e demonstram o bom humor sempre
marcante do sambista:
"Alô, bateria!"
"Tem que deixar o cavalo correr na pista de
grama."
"Vamos comer esse mingau pela beirada do
prato."
"Se não é o acompanhamento musical, não tem
Pavarotti."
"Ô, sorte!"
"Eu não posso perder esse emprego."
"De hora em hora, uma colher de chá."
"Eu quero mais é que o mundo se acabe em barranco,
que é para eu morrer escorado."
"Quem esquenta a cabeça é fósforo."
"Se a onça morrer, o mato é nosso."
"Juntou pé com cabeça."
"Quem não pode com o tempo não inventa moda."
"Eu moro em cima do sapato."
"Passarinho que anda com morcego aprende a dormir de
cabeça pra baixo."
"Quem dorme de favor não tem direito a esticar as
pernas."
"Estou vendo vários ritmistas tocarem caixa e tarol
em cima do ombro. Meu irmão, o que se toca em cima do
ombro é violino... Vou mandar eles tocarem um surdo de
terceira em cima do ombro. Aí é que eu quero ver."
"O bicho tá pegando."
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