Sinopse Vila Isabel 2009
Neste
palco da folia, é minha Vila que anuncia: Theatro Municipal - A
centenária Maravilha (Vila Isabel - 2009)
Muito Prazer. Meu nome é Paulo
Barreto. Mas fiquei conhecido mesmo pelo meu pseudônimo: João
do Rio, o mais carioca dos cariocas. Fui escritor e cronista, com
passagem por importantes jornais como O País e a Gazeta de
Notícias. Fui romancista, e publiquei diversos livros, sendo por
isso convidado para assumir uma cadeira na Academia Brasileira de
Letras. Fui autor de diversas peças de teatro e presidente da
Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Mas, a minha grande
paixão era perambular pelas ruas da cidade, como um flâneur,
para poder compreender a sua verdadeira "alma
encantadora".
Vivi num momento muito especial dessa metrópole nacional, quando
ela ainda era a capital federal. Governava o país o Sr.
Rodrigues Alves e era desejo seu transformar a cidade na capital
do progresso. Para isso, escolheu como prefeito do Distrito
Federal, o Sr. Pereira Passos, a quem lhe rendeu a missão de
transformar a cidade do Rio de Janeiro num cenário que mostrasse
aos olhos do país inteiro e aos olhos do mundo que a República
trouxera, de fato, tempos novos. O Rio deveria ser transformado
numa espécie do cartão-postal da era moderna que a República
pretendia trazer para o país.
Aquele foi um momento decisivo. A cidade mantinha aspecto ainda
do período colonial, com ruas estreitas, iluminações
precárias e mal cheirosas, e aquele casario que formava "um
agrupamento de telhados mais ou menos pombalinos, feio, sujo e
torto". Visando então alterar esse cenário, o presidente,
o presidente e o prefeito deram início ao conjunto de obras que
transformariam o Rio de Janeiro, cidade colonial, numa cidade
moderna. O velho centro sofreu uma série de modificações que
se assentaram na remodelação e ampliação do porto,
higienização, saneamento, assim como na abertura de avenidas,
praças e jardins.
E teve início o "bota-abaixo" ordenado pelo prefeito
demolidor, um "Haussmann Tropical". A capital da
República virou uma loucura! A cidade parecia um grande canteiro
de obras. Tudo mudava. As velhas casas da capital vinham abaixo.
No lugar delas, um imenso boulevard parisiense rasgou o centro da
cidade, a Avenida Central, arrasando quarteirões e mais
quarteirões, derrubando os cortiços, destruindo os quiosques e
desalojando a moradia e a diversão da população pobre da
cidade. Muitos diziam que o barulho das demolições era um hino
triunfal ao progresso.
O Rio Civiliza-se!!!! A construção da Avenida Central fez
surgir uma nova paisagem. Por ela andavam homens trajando
paletós de casimira clara e usando chapéu de palha,
acompanhando de senhoras finalmente vestidas com toaletes de
nítida inspiração parisiense, desfrutava os tempos eufóricos
da Belle Époque. A "boa sociedade" carioca, depois de
um agradável passeio pela nova avenida, dirigia-se para a Cavet
ou para a Colombo para conversarem em francês, tomarem chá, ou
se deleitarem com finos vinhos e iguarias da cuisine française.
Fachadas e prédios eram erguidos como símbolo do cosmopolitismo
e da modernidade. E, foi então na febre das edificações, que o
prefeito Pereira Passos pensou na construção de um grande
teatro, sonho do comediógrafo Arthur Azevedo, que tanto clamou
pela criação de uma companhia teatral nacional, subvencionada
pela Prefeitura Municipal, nos moldes da Comédie-Française.
Nada mais belo do que aquele que foi a inspiração máxima da
arquitetura francesa em nossa cidade: o prédio do Theatro
Municipal, uma répplica menor do teatro Ópera de Paris, em
estilo eclético. Um verdadeiro símbolo da modernidade em pleno
centro do Rio de Janeiro. O sonho de transformar a capital da
República numa "Europa possível" concretizava-se.
Aberta a concorrência pública para a apresentação dos
projetos para a construção do edifício, dois empataram. Eram
os de codinome "ISADORA" e "AQUILLA". Este
último pseudônimo ocultava a figura de Francisco de Oliveira
Passos, filho do prefeito, Cujo projeto, após sofrer algumas
modificações foi o escolhido. Mas, a ?Revolta da Vacina?, que
transformou as ruas do centro da cidade num verdadeiro caldeirão
social, não permitiu que as obras se iniciassem imediatamente.
Inaugurado a 14 de julho de 1909, data das comemorações do dia
nacional francês, a nova casa de espetáculos coroava o Rio de
Janeiro numa vitrine da cidade moderna. Aquela noite foi
inesquecível para todos os cariocas!!!
A estréia foi aberta com o hino nacional brasileiro cantado de
pé por todo o público presente. A seguir, ouvimos a
apresentação de duas óperas nacionais: Moema e Insônia. Além
da comédia em um ato, Bonança.
O sucesso da apresentação das óperas no dia da inauguração
do teatro foi tão grande, que, no ano de 1910, resolveu-se
encenar Aída, de Verdi. Um espetáculo memorável, com aqueles
cenários e figurinos deslumbrantes do Egito Antigo!!! Essa foi a
primeira das grandes óperas encenadas no Municipal, a primeira
de tantas outras que fariam história naquele palco nacional.
Não podemos nos esquecer dos grandes concertos dessa casa. No
início, as companhias e orquestras estrangeiras, especialmente
as italianas e francesas, eram as que se apresentavam. Com a
criação da Orquestra Sinfônica Municipal do Rio de Janeiro, em
1931, passamos a ter a apresentação de um acorde genuinamente
nacional, com grandes apresentações, desde um Villa-Lobos a um
Francisco Mignone e pela voz da "la piccola brasiliana"
Bidú Sayão.
Importantes espetáculos de ballet foram encenados naquela casa.
A companhia Ballets Russes, com o espetacular Nijinsky, foi uma
das primeiras a se apresnetar. A pioneira para a criação de uma
escola de dança do Brasil sediada no próprio Teatro Municipal
foi Maria Olenewa. Desse marco fundador em diante, um repertório
de grandes bailarinos tem se destacado na dança brasileira.
Inovadora foi a atuação de Mercedes Batista, a primeira
bailarina negra do Municipal, que uniu a formação erudita do
ballet clássico com a cultura negra, criando o ballet afro. Os
mais célebres espetáculos de ballet foram apresentados de forma
memorável naquele palco.
As mais relevantes companhias nacionais de teatro, com as nossas
grandes estrelas, subiram ao palco do Municipal, aprendendo e
ensinando a representar. Lá estreou a peça que revolucionou
nosso teatro, Vestido de Noiva, do sempre lembrado Nelson
Rodrigues, dirigida por Ziembinkki com cenários do primeiro
cenógrafo moderno brasileiro, Santa Rosa. Revolucionária
também foi a montagem de Orfeu da Conceição, de Vinícius de
Moraes e músicas de Tom Jobim (formando uma dupla que fez nascer
aí o embrião da bossa nova). A peça foi interpretada somente
por atores negros, cujo protagonista foi Haroldo Costa; os
cenários eram de Oscar Niemeyer.
Ah, o carnaval!!! Eu falei o carnaval!!! O Municipal e o carnaval
sempre estiveram bem juntinhos. Os primeiros seis grandes bailes
de máscaras foram realizados no Salão Assirius, restaurante que
já foi museu do teatro e até cabaré onde se apresentou
Pixinguinha, do Grupo os Oito Batutas, o local mais excitante do
Municipal, aquela obra magnífica inspirada na arte persa!!! Mas,
o primeiro baile oficial só aconteceu em 1932. Deslumbrantes
foram os concursos de fantasias que revelaram grandes nomes de
destaques para o carnaval carioca. Fatos marcantes e personagens
lendárias da cidade do Rio de Janeiro ficaram registrados na
história desses grandes eventos carnavalescos.
A tríade de carnavalescos "Fernando Pamplona, Arlindo
Rodrigues e Joãozinho Trinta" foi responsável pelas mais
belas decorações de carnaval do teatro, assim como por
cenários e figurinos de óperas e ballets. Eles também foram os
"revolucionários" da estética do desfile das Escolas
de Samba, emprestando a sua formação erudita para engrandecer a
maior festa popular do mundo. Sua arte ninguém jamais se
esquecerá!!!
Patrimônio carioca, onde o erudito e o popular se cruzam, o
Teatro Municipal está completando cem anos. Essa maravilha do
Rio é um produto máximo da nossa cultura. Eu, João do Rio, que
vivi o início de tudo, despeço-me de todos vocês, acreditando
ter cumprido a missão de apresentar o centenário dessa casa de
espetáculos genuinamente carioca. Vamos comemorar e por deveras
de pé aplaudir. Com a Unidos de Vila Isabel que presta essa
homenagem, um forte brado, numa só voz exaltar: BRAVO! BRAVO!
BRAVO!
Autores do enredo: Alex de Souza (Carnavalesco) & Alex
Varela (historiador)
GLOSSÁRIO:
Flâneur - Pessoa que passeia ociosamente, no caso,
perambula, registrando tudo o que vê.
Haussmann - Barão Georges-Eugène Haussmann (1809-1891),
prefeito de Paris, responsável pela reforma urbana da cidade
entre 1853 a 1870, tornando-se referência mundial.
Cuisine française - Expressão que faz referência à culinária
francesa.
Comédie-Française, ou Théâtre-Français - Único teatro
estatal francês, e um dos poucos que ten uma companhia
permanente de atores.
Revolta da Vacina - Movimento popular, ocorrido na cidade do
Rio de Janeiro em novembro de 1904, contra a lei de vacinação
obrigatória para acabar com a varíola proposta pelo médico
sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917), então Diretor Geral de
Saúde Pública da Capital Federal. O movimento conseguiu que o
presidente Rodrigues Alves revogasse a lei que tornava a vacina
obrigatória e autorizou que os institutos de vacinação
imunizassem apenas os que desejassem.
Nijinsky - Vaslav Nijinsky (1890-1950) foi um dos gênios da
dança de todos os tempos.