PRINCIPAL    EQUIPE    LIVRO DE VISITAS    LINKS    ARQUIVO DE ATUALIZAÇÕES    ARQUIVO DE COLUNAS    CONTATO

Ecos de um Vagalume (Acadêmicos de Vigário Geral - 2025)
Ecos de um Vagalume (Acadêmicos de Vigário Geral - 2025)


APRESENTAÇÃO

Conforme escrito por Leonardo Affonso de Miranda Pereira, Professor Doutor em História da PUC-Rio e especialista na obra de Vagalume:

“Como muitos dos personagens que habitam suas crônicas, Vagalume ouvia as histórias contadas no trem, dormia cansado nos bancos dos bondes e experimentava as delícias e dificuldades da noite nesses diferentes espaços: no restaurante que lhe era indicado por um morador local, na frequência em festas e bailes para os quais nem sempre havia sido convidado, e mesmo no testemunho de cenas corriqueiras.”

Francisco Guimarães foi um dos raríssimos homens pretos nas redações dos jornais durante a Primeira República. Enquanto negro letrado em um ofício elitizado como o jornalismo, em um Brasil que acabara de abolir a escravatura, Francisco foi designado para o espaço menos nobre das folhas cariocas: a reportagem policial. No entanto, ele fez da Lua sua companheira e da noite um palco para brilhar tal qual um vagalume reluzente no breu. Foi nas ruas escuras que nasceu o pseudônimo que o tornou eterno: Os notívagos são apelidados de vagalume. […] Sejamos vagalumes também. (Vagalume).

A partir disso, ele jogou luz sobre as frestas da cidade, destacando negros e suburbanos com suas práticas dançantes e religiosas que mereciam outras páginas que não as da violência urbana. Ele promoveu na imprensa uma visão racializada antes mesmo desse termo existir. É por isso que, em 2025, a Vigário Geral invoca as letras do jornalista e realiza o encontro de dois cronistas muito populares: o próprio Vagalume, coroado como Rei do Carnaval, e a escola de samba, autêntica intérprete das ruas do Rio de Janeiro. É para exaltar a vida dos que sobrevivem nas rachaduras da urbe idealizada que as crônicas de Francisco Guimarães atravessarão a Sapucaí.

SINOPSE

O véu da noite cobre as ruas do Rio de Janeiro. Depois que a cidade adormece, é a hora do fosfórico inseto perambular entre becos e vielas em busca de causos que ganharão as páginas das folhas cariocas aos primeiros raios de Sol. O seu flanar não é em vão! Vagalume sabe que a Lua ilumina de modo desigual a cidade. Todavia, sabe também que não é por acaso que na Região Portuária, na Tijuca, em Cascadura, em Todos os Santos, em Inhaúma ou no Engenho Novo a noite é mais escura: é porque o povo é mais retinto. Apesar de ser um homem letrado e formador de opinião, algo pouco comum para os indivíduos da sua classe e sua cor, Vagalume é mais um negro, pobre e trabalhador que tem no subúrbio o seu reduto principal.

Com caneta e papel na mão, o luminoso jornalista se mistura aos notívagos. É bem perto dos perigos noturnos que Vagalume joga luz sobre aqueles que, pelos olhos de outros observadores – que não ele –, só seriam capazes de habitar os noticiários criminais. Ele toma um bonde, escuta entreouvidos uma conversa atravessada e começa sua peregrinação por bares e botequins. Madrugada adentro, seu caminho é cruzado por músicos, atores e palhaços que vão trabalhar nas operetas e teatros de revista, nos circos de cavalinhos e nos cafés cantantes. Ao passo que seus pálidos pares descrevem nas primeiras páginas dos diários os eventos dos grandes círculos da sociedade oficial, Vagalume enaltece as práticas de entretenimento das camadas mais populares: “O pobre também tem o direito de viver”.

Entre um forrobodó e outro, Vagalume sobe o morro e assiste de perto cerimônias rituais, preceitos e obrigações dos mistérios da mandinga que não se podem decifrar num candomblé onde o “comestível e o bebível” são abundantes. É na noite que os atabaques ressoam e os Santos se juntam aos negros, corpos que se contorcem no ritmo sincopado do bater de mãos. Ali se reza, ali se dança! É o momento oportuno para que a ancestralidade seja celebrada, bem longe da vigilância moralista das autoridades que insistem em criminalizar o axé. Autoridades essas que, quando o calo aperta, também fazem seu ebó, como bem recorda Vagalume. Dom Pedro I, veja só, foi nosso primeiro mandingueiro! Filho de Ogum, mandou trazer uma Caravana Negra de Babalaôs, Alufás e Babalorixás para impedir a queda da sua dinastia.

Vagalume avisa: “Todos que mamaram no seio da mãe preta são, por uma questão de descendência, inclinados ao feitiço, à macumba e ao despacho no mar, no mato ou na encruzilhada”. É por isso que seu cortejo através da fidalguia suburbana é prolongado. O itinerário contempla o Morro do Pinto, a Pedra do Sal, a Praça Onze… Não tem como versar sobre a mandingaria sem topar com João Alabá, Cipriano Abedé, Assumano Mina e tantas outras majestades das religiões africanas. Diferente de um João aqui ou de um Olavo acolá, Vagalume sabe que “gente foi feita para brilhar, não para morrer de fome”. Na cidade que trabalha de dia para comer de noite, bárbaro é não compreender a fé negra.

De volta à rua porque a noite ainda não findou! Haverá no Rio de Janeiro quem ainda não gozou das grandes sensações de uma pagodeira noturna? Segue Vagalume de baile em baile. O do Paladinos ia animadíssimo, no Fenianos o cupido fazia das suas travessuras e no Bola Preta as raparigas loucas de amor caíam naqueles requebros de sambas. Estão próximos os dias em que a vida dessa cidade palpitará na esteira de confetes e serpentina, chacoalhada por ondas de éter e perfume. O concurso se aproxima e cada rancho, bloco ou sociedade se reúne para ser manchete de jornal depois do tríduo de Momo. Enganado está quem pensa que passado o carnaval as noites serão mais morosas, já que onde houver um violão e um cavaquinho haverá “cérebros esquentados pelos vapores alcoólicos e corações transbordando de amor”. Enquanto a folia cai na letargia, o Samba desfila triunfante ao longo do ano para aumentar de vulto na Festa da Penha e revigorar os dias de desvario.

O velho bronze ressoa seis vezes no alto de uma Igreja. Em breve a sineta da Alfândega anunciará o ponto dos estivadores, e Vagalume ri sozinho ao pensar que a aurora do povo preto é bem na hora que o Astro Rei repousa no firmamento. É Sol no céu e mão negra no batente! Depois de visitar pés de chinelo, terreiros, morros e quintais, ele não tem dúvidas que foi essa gente paupérrima e “sem fumaça de grande ou farofa de rico” que deu vida ao Carnaval e ao Samba. É por isso que ele conferiu dignidade às culturas negras ao projetar na sua prosa esses grupos até então desconhecidos dos leitores, dia após dia lauerando boêmios, cantores, atores, pais de santo, foliões e sambistas na grande imprensa.
Brilha, Vagalume! Brilha, Vigário geral!

Autênticos intérpretes das ruas coroados neste Carnaval!

Carnavalescos:
Alex Carvalho e Caio Cidrini

Texto:
Caio Cidrini

Agradecimentos:
Professor Leonardo Affonso de Miranda Pereira e Professor Guilherme Chalo