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Pequena África: da Escravidão ao Pertencimento - Camadas de Memórias entre o Mar e o Morro (Acadêmicos de Vigário Geral - 2021)
“O Rio de
Janeiro, como a exemplo da maioria das grandes metrópoles, desenvolveu-se a
partir do porto. Porta de entrada da cidade, a Zona Portuária desempenhou um
papel importante na história da construção da identidade do povo carioca sendo
ponto de encontro de diferentes culturas. O porto do Rio de Janeiro
localizava-se no Largo do Paço, atual
Praça XV, e era por lá que saiam as riquezas das minas e entravam os produtos
da metrópole e a carga humana vinda da África. Esse passa a ser o ponto de
partida de nossa viagem à Pequena África” *. Desde que o
porto do Rio de Janeiro se tornou o principal porto do país, o tráfico negreiro
aumentou consideravelmente e o desembarque dos negros escravizados no principal
centro comercial e político do país passou a incomodar as autoridades e os
habitantes. Por questões sanitárias e para que a população não visse as
péssimas condições nas quais os negros chegavam ao Brasil e além, de claro, da
imagem do comércio de escravizados não contribuir na construção da imagem de “cidade europeia” que se pretendia
construir, D. Luiz de Almeida Soares
Alarcão, o Marquês do Lavradio,
ordenou a mudança do desembarque dos negros escravizados para uma região mais
afastada e de difícil acesso, o cais do Valongo, localizado na Rua do Valongo,
atual Rua Camerino. A concentração das atividades ligadas ao tráfico negreiro
na área do Valongo tornaria a região o maior complexo escravagista das
Américas. Essa
transferência do local de desembarque dos escravizados foi acompanhada por
outras mudanças. Além da construção do Cais do Valongo, um verdadeiro complexo
de escravos foi montado na área, como um lazareto (para onde iam os negros
enfermos), o Cemitério dos Pretos Novos (destinava-se ao sepultamento dos
pretos novos, isto é, dos escravos que morriam após a entrada dos navios na
Baia de Guanabara ou imediatamente após o desembarque, antes de serem vendidos)
e os armazéns de venda e engorda dos negros escravizados. O desembarque
de negros escravizados no Cais do Valongo durou até 1831, quando o comércio
negreiro passou a ser ilegal. Com isso o desembarque de escravizados passou a
ser feito de maneira clandestina em praias isoladas. O fim do comércio negreiro
na área do Valongo e o aumento da produção de café no Vale do Paraíba
fluminense transformaram os antigos trapiches de africanos do Valongo em
trapiches de café. A triste
memória do Cais do Valongo seria apagada em 1843 com a transformação do antigo
cais de desembarque de africanos no Cais da Imperatriz, preparado para receber
a futura esposa do Imperador D. Pedro II, a princesa das Duas Sicílias, Tereza
Cristina Maria de Bourbon. Com a
proibição definitiva do tráfico humano em 1850, a Zona Portuária passa a ter
uma grande oferta de mão de trabalho, atraindo pessoas de várias regiões.
Vários negros libertos vieram da Bahia em busca desse trabalho e se instalaram
na Pedra do Sal e nas imediações do Morro da Conceição, iniciando o que seria
conhecido mais tarde como Diáspora Baiana. A grande
concentração de negros na Zona Portuária garantiu a ascensão da Cultura
africana, por meio dos Centros de Candomblé, como o terreiro do pai-de-santo
João Alabá de Omulu e das casas das tias baianas Ciata, Bebiana e Perciliana
que serviam de ponto de encontro para os moradores da região. Mesmo liberto,
o negro só conseguiu construir seu espaço na sociedade através de seu próprio e
incansável esforço e foi na construção desse espaço que eles a alteraram a vida
na cidade, tornando o Rio um importante polo de produção e inovação cultural. No final do
século XIX, a região da Pedra do Sal ficou conhecida como local de chegada,
recepção e ajuda de migrantes, em sua maioria negros. Essa concentração da
população negra nas imediações do porto com seus trabalhadores, vendedores de
rua, músicos, capoeiras e terreiros de candomblé, levaria Heitor dos Prazeres,
anos mais tarde, a batizar a área de Pequena África. Os negros que
ali passaram a habitar começaram sua vida nesse novo local formando agremiações
ou participando de atividades coletivas de trabalho, culto ou lazer, criando um
importante polo de irradiação e de recriação de culturas africanas nas
proximidades da Praça XI. E foi assim que, no começo da República, surgiram os
primeiros ranchos carnavalescos na cidade. A Praça XI foi considerada capital
da Pequena África até 1941, quando as obras na Avenida Presidente Vargas se
iniciaram. Esse desmembramento do polo de cultura africana levou Pixinguinha,
Donga e João da Baiana para a Pedra do Sal. As Casas das
Tias Baianas eram locais onde os trabalhadores portuários descansavam, faziam
refeições e participavam de rodas de samba. Foram nesses locais que se formaram
associações políticas e culturais, como o Afoxé Filhos de Gandhi do Rio de
Janeiro em 1951. A região
portuária também é berço da Sociedade de
Resistência dos Trabalhadores de Trapiche e Café, considerada a primeira
organização sindical livre de trabalhadores do Brasil, que é a origem do atual
Sindicato dos Estivadores. Pode-se dizer que uma das mais tradicionais escolas
de samba do Rio de Janeiro, o GRES Império Serrano, nasceu na região da Pequena
África, pois a maioria de seus fundadores era do Sindicato dos Estivadores. Após essa
História, é inegável o reconhecimento da importância histórica e cultural de
toda a região conhecida como Pequena África, desde a região do porto à Cidade
Nova, porém, a memória dessa História foi diversas vezes soterrada e despejada
em nome da modernidade. O Cais do
Valongo e a memória de negros escravizados desembarcarcados em condições
subumanas foram apagados com a construção do Cais da Imperatriz, que por sua
vez foi soterrado no início da Republica, junto com a memória do Império
naquele local, pelas obras de Pereira Passos na construção do Novo Porto. Por fim, em 2011, o então
Prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes coordenou todo um projeto de
revitalização da cidade por ocasião dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo.
Revitalização essa que trouxe à tona as camadas da História da chegada dos
africanos. Em 2017 o Cais do Valongo recebeu o título de Patrimônio Histórico da Humanidade pela UNESCO, por ser o único
vestígio material da chegada dos africanos escravizados nas Américas. A Pedra do
sal, batizada inicialmente como Pedra da Prainha, que era apenas uma barreira
natural que separava o Centro do subúrbio, foi moradia dos negros que trabalham
no desembarque de novos escravizados. E com o fim da escravidão marcou-se como
moradia de trabalhadores da estiva e de moradores despejados da Praça XI, após
o início das obras de expansão da Avenida Presidente Vargas e juntos, esses moradores
recriaram Instituições que não puderam ser trazidas pelos seus antepassados nos
navios negreiros, como o culto a seus Orixás. E entre seus atabaques e danças
deram uma marca cultural não só a cidade do Rio de Janeiro, mas a todo o país:
o Samba. Por todo esse histórico, a Pedra do Sal, localizada na base do Morro
da Conceição, pela sua importância na cultura afro-carioca, em 1984, foi
tombada pelo Instituto Estadual de Patrimônio Cultural. O local possui muitas medidas governamentais
de proteção de seu território, mas que não têm sido suficientes para garantir
sua preservação. Mesmo com a indicação do Instituto Rio Patrimônio da
Humanidade (IRPH) para incluir a Pedra do Sal como Patrimônio Cultural de
Natureza Imaterial do Povo Carioca em 2018, o local sofre com o abandono
administrativo da atual prefeitura carioca. Desde a falta de simples bancos até
má conservação das estruturas. Esse abandono e falta de apoio a esse símbolo da
reestruturação e resistência da cultura afro-brasileira no período pós-abolição
resultou na sua interdição pela própria Prefeitura no final de 2019. No Carnaval de
2021 o G.R.E.S. Acadêmicos de Vigário Geral vem exaltar e dar o mérito a região
da Pequena África e toda sua população, reconhecer seu valor geográfico, urbano
e artístico, enaltecendo suas raízes e seu pertencimento histórico-cultural,
agradecendo por terem feito e por fazerem parte da nossa história. * Texto retirado do Documentário
“Pequena África – Sobrevivência, Resistência e Identidade”. Carnavalescos: ü
Alexandre Costa Pereira ü
Lino Sales ü
Marcus do Val Fontes de Pesquisa: Silex Digital: Documentário “Pequena África –
Sobrevivência, Resistência e Identidade”; Coleção Terras de Quilombo: Comunidade Quilombola
Pedra do Sal; Monografia “Camadas de Memória Entre o Mar e o Morro: Da
Pequena África ao Porto Maravilha” de Júlia Vilhena Rodrigues. |
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