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Capítulo 4, Versículo 3 – Da Rua e Do Povo, o Hip Hop: Um Manifesto Paulistano
(Vai-Vai - 2024) Abre a gira… Meu corpo é fechado! “Me atire uma pedra Que eu te atiro uma granada Se tocar em minha face sua vida está selada” Corpo Fechado, Thaíde & DJ Hum Rasga caminhos, Seu Tranca Ruas… Passa na frente e governe as encruzas deste monumental ‘despacho de pedra’… Deixe seu lastro de fogo, cuspa cachaça e exale teu fumo sob avenidas, ruas, becos e vielas, que serão palco e cena do Manifesto em Preto e Branco – convoca o povo preto, pardo, pobre, mestiço e periférico a se insurgir contra a raivosa fé elitista, que lança ao destino marginal tua prole desvalida – desamparada de oficialidade, mas herdeira da alegria e da tua jocosidade catiça – insistindo em fazer da rua (des)caminhos riscados de arte e a crença nas forças mágicas da criação. Guarde sob tua capa caótica as mães solo, os desvalidos, os andarilhos, os mendigos, as meretrizes, os oprimidos, os presidiários e todos aqueles que se abrigam sob teu olhar obstinado pela busca da verdade, que tarda… mas não falha jamais. A luta é grande e árdua. ‘Eles’ não aceitam a nossa liberdade, mas (r)existimos no teu axé. Nós temos o corpo fechado. Laroyê! Uma ‘Pauliceia Empoeirada’ – Insurgência Preta-Periférica: Acharam Que Eu Estava Derrotado… Quem Achou Estava Errado! “Acharam que eu estava derrotado Quem achou estava errado” Oitavo Anjo, 509-E São Paulo, 1922… Um cento de anos atrás – t(H)eatro municipal – herdeiros da velha e cansada elite refundam, segundo seus óculos maculados, a arte nacional… O ‘desvairado’ manifesto impõe o que vem a ser a ‘cara’ da nova ordem cultural intitulada Arte Moderna. Mas… resgatando um ‘prefácio pra lá de interessantíssimo’, e as caras dos pretos, pardos e brancos pobres – intitulados periféricos por uma nova ordem urbanoide, frenética e fabril –, com suas autênticas e invisibilizadas expressões culturais vindas das ruas pulsantes numa cidade batizada de progresso e sufocadora de retintos e desafortunados?… Do alto de sua inegável relevância histórica, fato é que a Semana de Arte Moderna não deu conta de olhar para fora de si. Daí surge a necessidade latente de revisitar os conceitos do moderno, da arte e, essencialmente, das expressões oriundas da rua na São Paulo que insiste em cultuar o ‘Eros à Pauliceia’, ocultando a ocupação insurgente que perdura em longa batalha pelo direito de expressar a alma genuinamente popular. Desde 22, o samba cumpriu, quase que solitariamente, a missão de resistir… Até o início dos anos de 1980, quando chegou ao Brasil uma cultura, ‘uma potência sonora capaz de mobilizar uma imensa massa de jovens’, na missão de dar expressão a uma nova geração de artistas nas ruas. Este novo movimento propõe-se como levante genuinamente popular pelo milagre da autorrepresentação – o direito de se apresentar como se é; pelo direito à celebração da vida que confronta a morte pela beleza de festejar a existência e, mais do que nunca; pelo valor da diversidade no seu conceito mais pleno que é o sentimento de pertencimento cultural, étnico e poético, ainda que seu palco seja a rua em toda a sua pluralidade. Esta cultura trata-se de um ponto de vista, uma nova maneira de ver o mundo e se relacionar com ele. Seu nome: Hip Hop! Da Rua e do Povo, o Hip Hop! “O Hip Hop não inventou nada, mas reinventou tudo!” Grandmaster Caz, documentário de Ice T, “A Arte do Rap” Quatro décadas buscando o ‘Triunfo’ na São Paulo subversiva que se embalou nos quintais dos Bailes Black, expandiu nas calçadas da Galeria e abraçou a mítica São Bento! Eis a magia do Hip Hop: A arte dos oprimidos, esquecidos, excluídos. Voz dos marginalizados artistas. Potência dos poetas do povo. Liberdade aos prisioneiros das mazelas. Salvação aos sobreviventes do sistema. Com ele – e por ele – a rua pulsa, pulula, expande. O gueto reage na primazia de suas vertentes originais – Breaking (Bboys e Bgirls), Grafitti, MC e DJ. No princípio era o Breaking… Corpos sedentos de expressão se rebelavam contra o ‘sistema’ excludente e segregador. Ocupar as ruas era preciso. O som era gringo. Movimentos frenéticos, passos hipnotizantes e, até então, desconhecidos. Um novo estilo e maneira de expressar surgia. Nos cines, o “Beat Street” – febre nas telas que inebriava jovens mentes. A potência das ruas expressava de maneira autêntica e contundente o desejo de poder para o povo preto! Num caleidoscópico movimento artístico, o Hip Hop também se impõe pelos jatos de spray: Surge o grafitti com seus traços potentes e nas contundentes mensagens dos pixos. A cidade é ocupada e serve de palco para mensagens como modo de reafirmação de identidades, saberes, pensamentos e da quebra da cruel invisibilidade que a sociedade excludente impõe à juventude periférica. Os prédios, muros e fachadas se expandem. As ruas falam e ganham o mundo… ‘O grafitti é um grito mudo’! Corpos e cores se unem à musicalidade nas formas mais autênticas de expressão. São Paulo passa a versar no Rap – Rhythm and Poetry (Ritmo e Poesia). Mensagens de resistência e afirmação são profetizadas por MCs – Mestres de Cerimônia, que vociferam letras de necessárias coragem e inconformidade. Mãos ágeis se utilizam de equipamentos eletrônicos como intenção de invadir ouvidos e mentes, levando mensagens de intensidade e poder – eis os DJs – Disc Jockeys. Do encontro de MCs e DJs a batida perfeita, a química explosiva que embala gerações. As rádios abraçam. A indústria fonográfica ignora, mas as equipes de baile impulsionam a ’Cultura de Rua’, exaltando sempre e mais ‘O Som das Ruas’. Grupos de praticantes do rap se reúnem na Praça Roosevelt e são duramente reprimidos pelo sistema policial. Era preciso se politizar e adquirir consciência de classe, eis a importância do primeiro coletivo ligado ao Rap – as chamadas posses – de nome ‘Sindicato Negro’, que possibilitou a aproximação e o apoio do Instituto da Mulher Negra – Geledés (Axé à força matriarcal, que pare, embala e protege!). Aliás, elas, as mulheres, quebram barreiras, perseveram, resistem e surgem na cena do Hip Hop. O caótico sistema prisional de São Paulo forma e potencializa vozes que bradam por direitos humanos. A força do Gangasta Rap – vertente do Rap com mensagens de forte apelo contra a violência policial e a marginalização da arte periférica – se impõe e se vê perseguida pelo sistema. A cultura do Rap experimenta o amargo sabor de viver ‘Sobrevivendo no Inferno’, sob o signo daqueles que nasceram para lutar e seguir. Na virada do milênio, floresce o chamado 5o elemento – ‘conhecimento Hip Hop’ – fruto da conexão da cultura de rua com a necessidade de se adaptar às novas linguagens artísticas e discursivas. De encontro com um discurso mais politizado e consciente surgem as rimas e, consequentemente, outros movimentos da oralidade, como a poesia de rua – o SLAM. Da espontaneidade despretensiosa nasce o “freestyle” (estilo livre) de rimar e poetizar nas ruas, exaltando a força criativa que habita as periferias e evidenciando o improviso inspirado no repente, na embolada e em outros ritmos de origem popular. Batalhas – de rap, de rima, de SLAM – nascem em todos os cantos. Poetas do povo despertam. Rap, cultura e política se encontram, numa intensa combinação que dialoga com o pensamento. O Hip Hop salvou vidas! Nesta adaptação ao século 21, o movimento Hip Hop passa a se apresentar em novas modalidades como ‘boombox’ – coleções de aparelhos, ‘beatbox’ – percussão vocal na arte de reproduzir sons, ‘lowriders’ – veículos de aspectos vintage com articulação à partir de suspensão hidráulica; nos esportes através do skate, do ‘street ball’ (basquete de rua) e do futebol de várzea. Surge, com vigor e impacto, a potência do Trap. A cultura urbana do Hip Hop absorve conhecimentos das artes, da moda, da tecnologia e, principalmente, do comportamento social. Em qualquer tempo, de qualquer ângulo que se observe, o movimento Hip Hop sempre será reconhecido como a expressão das ruas diante da pujança criativa que nasce do inconformismo contra o sistema opressor e da resistência à estigmatização marginal que insiste em silenciar as vozes periféricas. Assim como o samba, o Hip Hop é atitude de enfrentamento e inspiração, jamais se omitindo de sua missão maior: (R)existir! Um ‘Manifesto Paulistano’ – Circularidade Ancestral: Olhar Para Trás, Para Seguir Em Frente! “…a distância que estamos do ponto de luz e vida mais brilhante que se pode ver com os olhos, ou com o coração. E a cultura Hip Hop é uma grande despertadora de grandiosidade” Emicida, apresentação do livro “Rap, Cultura e Política” de Felipe Oliveira Campos Assim, o Vai-Vai – Escola de Samba do povo, forjada na rua, aquilombada nas tradições do samba e representante da negritude que pulsa na São Paulo frenética, fazendo de suas vias palco e luz – celebra e cultura Hip Hop e, com a potência de Exu Tranca Rua, lança seus olhos para o futuro ao propor o ‘Manifesto Paulistano’: – Uni-vos, tribos paulistanas… Respeito e exaltação ao samba, ao Hip Hop, ao rock, ao funk, ao forró e a todas as demais culturas expoentes que dão voz e vez à nossa gente! – Projetemos uma São Paulo diversa, plural e inclusiva, onde a arte urbana – expressa na potência do Hip Hop – dê aos filhos da cidade tons de igualdade, inventividade e comunhão. Conhecer e viver o movimento é negar a exploração que gera exclusão, a prevalência do ter sobre o ser, a importância dos rótulos e das convenções sociais em detrimento da vida em comunidade! – Ressignifiquemos a ocupação da urbanidade paulistana a partir da negação de que São Paulo – megalópole colossal, fálica e voraz – siga cultuando como mito fundador as figuras equivocadas dos bandeirantes, como álter-egos da coragem e da bravura! – Abaixo aos monumentos que não nos representam. Rebatizemos as rodovias que exaltam saqueadores de riquezas e exterminadores de nativos. Que as praças e avenidas exaltem as figuras de representatividade ao povo preto e aos povos originários. Padê para Exu no vão livre do MASP – Por uma São Paulo justa e igual! – Reajamos, coletivamente, ao cansado e individualista brasão paulistano (Non Dvcor Dvco) – Não Somos Invisíveis, Existimos! É samba, é Hip Hop… Da rua, do povo, de Exu… Laroyê! À luta, Vai-Vai! |
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