Sinopse Tuiuti 2010
Eneida,
o Pierrôt está de volta! (Tuiuti - 2010)
Sentado na Lua crescente, o
pierrôt toca o seu alaúde prateado, cantando uma canção bem
baixinho, quase um chorinho de saudades de você.
Eneida de Moraes, estrela de brilho intenso que nasceu em Belém
do Pará, Belém do Círio de Nazareh, Belém das festas
folclóricas, Belém do menino Jesus.
Estudiosa, desbravadora, se tornou jornalista, pois tinha o dom
da palavra e o talento para escrever e traduzir textos como
ninguém.
Transformadora e decidida a viver uma vida diferente. Vida de
mulher guerreira, de mulher moderna, de mulher antenada, dedicada
e prestimosa, tudo que não se poderia ser na década de 20/30.
Separou-se cedo, uma ofensa para sociedade naqueles tempos.
(separei as orações para dar um intervalo maior e não ficar um
período muito longo)
Ciente das angústias políticas de seu tempo, era marxista
apaixonada. Filiada ao Partido Comunista (PC do B), lutava por
direitos iguais, por uma melhor educação da juventude, criando
expectativas de vida para quem não podia enxergar novos
horizontes.
O governo do Estado Novo de Vargas era representado por bruxas da
perseguição opressora à militância política e ao movimento
de esquerda que Eneida fazia. Tudo isso porque ela tinha o desejo
de ter uma nação respeitada, um povo forte e moderadamente
feliz.
Foi presa por várias vezes. Sua prisão histórica foi na Casa
de Correção, no Pavilhão dos Primários, onde dividiu a cela
com 25 mulheres. Nice da Silveira, Elisa Soborovsk (mulher de
Henry Berger), Maria Werneck e Beatriz Bandeira eram algumas de
suas companheiras da cela fria e apertada. Havia também Maria do
Socorro, Rose, Júlia e outras não famosas. Médicas,
domésticas, advogadas, intelectuais ou operárias: 25 mulheres
no mesmo espaço, 25 camas, 25 mil sonhos presos por uma
ditadura. Eneida virou personagem do também preso político
Graciliano Ramos no livro "Memórias do Cárcere".
Ao escrever o livro "Histórias do carnaval carioca",
destacou-se por ser a primeira mulher a dedicar-se às pesquisas
e escritas sobre a história do carnaval, além da obra ser a
primeira obra do gênero ensaístico no país. Foram 20 anos de
estudos contando o surgimento do entrudo, dos ranchos, cordões,
grandes sociedades e da festa de carnaval em geral.
Cadê o pirata da perna de pau? Quantas saudades dos confetes
coloridos que caiam pelos salões! E das serpentinas que
envolviam os casais enamorados, escondendo o beijo roubado no
meio da multidão.
Rainhas, reis, príncipes, princesas, pajem, odalisca,
indiozinho, caveira, clóvis, Zé pequeno, nega maluca, neném,
carrasco do travesseiro, fadinha, indiano e o pierrôt? Por onde
anda o seu pierrôt?
Nas ruas, o encontro dos blocos, que se misturavam com o povo
numa democracia de cores. Nos bailes, o luxo das fantasias, onde
o sonho sempre virava realidade em quatro noites de festa pagã!
Radialista de voz firme e forte, mulher apaixonada pela
educação. Professora que fez do ato de lecionar um lema de
ensino aos jovens e adultos que desejavam ser alfabetizados.
Idealizou a criação do Sindicato dos Escritores no Rio de
Janeiro e foi conselheira do Museu da Imagem e do Som (MIS),
ajudando mais tarde na criação do MIS em Belém.
"Terra Verde" (1929), "Aruanda" (1957),
"Banho de Cheiro" (1962) e "Moliére narrado para
crianças" (1965), foram alguns dos seus livros.
Em 1965, o Salgueiro foi campeão do carnaval carioca com enredo
inspirado no seu clássico livro "Histórias do carnaval
carioca". Naquele ano, Eneida desfilou em ala fantasiada de
pierrôt. Em 1973, dois anos depois da sua morte, o mesmo
Acadêmicos do Salgueiro desfilou tema enredo em sua homenagem:
"Eneida, amor e fantasia", do gênio do carnaval
Joãozinho 30. O samba de enredo era do querido compositor
Geraldo Babão. Eliseth Cardoso, sua grande amiga, desfilou
vestida de pierrôt, de destaque no alto de um carro. Em Belém,
o Império de Samba que São Eles, dedicou também o seu samba
enredo à escritora: "Eneida, sempre amor...". No ano
de 1990, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Paraíso do Tuiuti
rendeu homenagem a ela com o enredo "Eneida - o pierrôt
está de volta", desenvolvido pelo mestre da simplicidade e
da emoção Julinho Mattos.
Nova década, novos tempos e, nesse novo século, quem seriam as
pessoas que trariam o ideal da pesquisa e o culto de manter vivas
as tradições e histórias do carnaval carioca? Citamos alguns:
Ricardo Cravo Albin, Maria Augusta Rodrigues, Felipe Ferreira,
Sérgio Cabral, Marília Barbosa, Nei Lopes, Haroldo Costa e,
ainda, os jovens Eduardo Pinto, Gustavo Melo, Marcos Roza, Fábio
Fabato, entre tantos outros! São escritores, pesquisadores,
historiadores e apaixonados pelo carnaval que carinhosamente
podemos chamar de "Eneidas", já que ela se tornou
ícone e sinônimo dos apaixonados pela essência mais pura da
arte popular que é o carnaval carioca! Os eternos amantes do
carnaval vão além da realidade física. O carnaval virtual
existe e os desfiles são realizados pela internet com desenhos,
carros alegóricos, sambas de enredo e baterias. Tudo em tempo
real, acompanhado por milhares de pessoas. Existe ainda um júri
técnico e a organização é feita por ligas com várias escolas
de samba, exatamente como no carnaval real. Mais
"Eneida" que isso, impossível! Tudo por amor ao samba
e pela louca paixão pelo carnaval!
O "gran finale" fica por conta do lúdico "Baile
do Pierrôt", que era um baile de carnaval muito frequentado
pelos foliões. Esse baile foi criado por Eneida no Rio de
Janeiro e em Bélem do Pará. Todos deveriam brincar o carnaval
vestidos como o elegante personagem pierrôt. Porém, muitas
colombinas e arlequins apareciam na festa. Eneida sempre foi
apaixonada pela figura do pierrôt. Esse personagem surgiu na
commedia dell?arte - a arte teatral do improviso nascida na
Itália do século XV. Os seus três personagens principais - o
pierrôt, a colombina e o arlequim - são integrantes de uma
trama cheia de sátira social, na qual representam serviçais
envolvidos em um triângulo amoroso: Pierrô ama Colombina, que
ama Arlequim, que, por sua vez, também deseja Colombina. O baile
era um sucesso na época e foi recém resgatado pelo produtor
cultural Jorge Salomão.
"... Passos ao longe... um vulto que se esvai...
Em cada sombra Colombina trai...
Anda o silêncio em volta a quer falar...
E o luar que desmaia, macerado,
Lembra, pálido, tonto, esfarrapado,
"Um Pierrôt, todo branco, a soluçar..." - Alvorecer -
Florbela Espanca
A Lua já está linda, prateada e soberana. A verdade da
arte do carnaval é traduzida na pureza do olhar apaixonado do
pierrôt, que hoje retorna desfilando no Paraíso do Tuiuti nessa
avenida dos desfiles. Na mesma avenida onde desfilarão as nossas
senhoras baianas com seus tabuleiros de doces e bolos,
balangandãs e patuás dourados. Avenida onde desfilará a nossa
garbosa velha guarda, com suas capas bordadas e suas damas com
sombrinhas de renda. Avenida onde vai desfilar a nossa bateria
com seu ritmo cadenciado do verdadeiro samba de enredo. Também
desfilarão cabrochas do alto do morro de São Cristóvão, com
simplicidade e respeito, mantendo viva a chama verdadeira
de uma escola de samba tradicional.
Hoje o pierrôt apaixonado, sentado na Lua crescente, toca seu
alaúde prateado, cantando uma canção bem baixinho, quase um
chorinho de saudades de você, vinte anos depois - Eneida, o
pierrôt está de volta!
"Eu sou o seu pierrôt
Tu és minha colombina
No salão todo enfeitado
De confete e serpentina" - Refrão do samba enredo
"Eneida, o pierrôt está de volta", do G.R.E.S.
Paraíso do Tuiuti de 1990 - tributo a Julinho Mattos,
carnavalesco campeão pela Mangueira e um eterno
"Eneida" que idealizou esse tema de enredo no Paraíso
do Tuiuti em 1990.
Criação do texto e pesquisa: Eduardo Gonçalves
Agradecimentos ao artista plástico e irmão Wanyr Júnior. Aos
queridos: William Pedroso, Eduardo Nunes e André Rodrigues, pela
amizade, dedicação ao trabalho e companheirismo dos últimos
dias!