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O seu, o meu, o nosso Rio, abençoado por Deus e bonito por natureza (São Clemente - 2011)
Conselho Deliberativo da Criação Divina
Lá longe e tão perto, eternizado em nossos corações, está Deus. Dada sua condição especial, onipresente e divino, Ele convoca todos os santos, anjos e arcanjos e institui o Conselho Deliberativo da Criação Divina. Transforma-os em incansáveis missionários para construir o mundo dos homens em sete dias. E afirma: - Dos sete, utilizarei dois para criar uma cidade admirável, esculpida pela própria natureza. Em seguida, chama por São Clemente e São Sebastião e ordena-os: - Vocês serão responsáveis pela obra desta "cidade única". Descerão da criação divina ao plano material, levando o sopro à vida. Distribuirão mistérios por uma terra abundante de frutos, pássaros e peixes. Belas, igualmente únicas e belas, serão suas paisagens e suas águas cristalinas "azuis como a cor do mar". E ao término do cumprimento de minha ordem divina chamem-na de E Deus fez a Maravilha. Contudo, antes de partirem, o criador de todas as coisas designou os anjos Ariel, Gabriel e Raphael para a tarefa de fiscalizar as obras e a vida na cidade única por Ele planejada. Rio: um porto desejado! A Maravilha de Deus é contemplada. Os fenícios podem ter sido os primeiros que aqui chegaram. Eles vislumbram um "Rio Alado". Algumas inscrições gravadas no alto da Pedra da Gávea permitem fantasiar sobre esta versão indubitavelmente mágica em sintonia com a natureza. O Rio torna-se alvo irresistível para os navegadores portugueses e franceses, que ávidos da majestosa natureza, travam batalhas por seu valor inestimável. Deus percebendo a cobiça e o crescente desejo pelo domínio de sua menina dos olhos promove São Sebastião a santo padroeiro da cidade. Credita-se a São Sebastião, o bem-aventurado, parte do nosso futuro sucesso como cidade. Dada a batalha final, é ele quem surge na visão do consciente imaginário português motivando-o a vencer e expulsar os invasores, fundando-se a Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Império Tropical Vendo através dos olhos dos homens, o nosso divino arquiteto dá condições à vida... A Família Real desembarca no Rio de Janeiro. É a época da política do "Ponha-se na Rua", nome dado, com senso de humor, pelos cariocas, que se inspiravam nas iniciais "PR", de Príncipe Regente, que eram gravadas na porta das casas requisitadas para os nobres portugueses. A Divindade transforma-se em uma realidade histórica. É a fonte cristalina das águas do Rio carioca. Suas águas correm, suprem as necessidades de abastecimento e chegam aos homens. Tornam-se as águas do Rio, dos escravos agueiros, dos caminhos dos aquedutos, das mães-d´água: das bicas públicas, dos chafarizes, das casas dos nobres. Águas que molham o canto das lavadeiras nos riachos e atiçam o imaginário carioca: mulheres que delas bebiam ficavam formosas e os homens recuperavam o vigor físico. Seguindo o caminho das águas do Rio, a sabedoria divina é observada na natureza. Emerge da terra macia e fértil uma deslumbrante floresta urbana. Depois de emitidos os relatórios pelos anjos consultores de Deus, visando garantir a comunhão entre a natureza e a cultura dos seres humanos, conclui-se a Floresta que se denominou Floresta da Tijuca. Não obedecendo à ordem existente, o homem, nela, cultivou o plantio do café. A cafeicultura se espalhou rapidamente por grande parte do Maciço da Tijuca, ocasionando forte desmatamento, o que levou os barões e os senhores do café, os nobres e a crescente população da capital do Império a sentirem a ira de Deus. Como resposta, atribui aos homens consequências desastrosas como as severas secas que atingiram o Rio de Janeiro, criando um problema periódico de falta d’água para a cidade carioca. Como se não bastasse, o governo imperial foi responsabilizado por um programa emergencial de preservação dos mananciais e do replantio das árvores da Floresta da Tijuca, seguido das desapropriações das fazendas cafeeiras da região. Em contrapartida, o governo propôs o cultivo de um jardim, com o intuito de estimular a aclimatação e a cultura de especiarias exóticas vindas das Índias Orientais. A fluida terra desse jardim, nomeado, inicialmente, de Real Horto, Real Jardim Botânico e, finalmente, de Jardim Botânico do Rio de Janeiro, semeou-se de novas opções de plantio. Nele, a mão de obra chinesa foi utilizada para testar a receptividade do solo carioca ao cultivo do chá. Contudo, diante da experiência marcada pelo insucesso, os chineses foram aproveitados para abrir uma via carroçável. Nesta obra, teriam feito seu acampamento onde hoje está localizada a Vista Chinesa, dando origem desta maneira a um dos mais belos mirantes da cidade do Rio. Modernismo Carioca São Clemente e São Sebastião, após se reunirem com os anjos fiscais das obras divinas, chegam à conclusão que devem, mesmo sabendo da conformação geográfica da cidade (constituída de elevações, lagoas e pântanos), encaminhar, para a aprovação do Conselho Deliberativo da Criação Divina, o programa urbanístico do engenheiro e prefeito Pereira Passos, que visa transformar a antiga cidade imperial em uma metrópole cosmopolita. Sob esta ação, inicia-se no centro carioca uma grande intervenção. Em pouco tempo as picaretas do progresso abrem à cidade as vias da modernidade. Construção de grandes e largas avenidas, de praças e jardins; revitalização do cais do porto e arborização da Avenida Beira-Mar. Entre planos estratégicos, riscos e traços, o Rio civiliza-se e é "rebatizado" de Cidade Maravilhosa. Conta-se, inclusive, que nessa época, Deus para proteger os seres aterrados, nomeou São Jorge como General da Guanabara. E salve Jorge! Os princípios do projetar moderno, contudo, somente são aplicados nas décadas seguintes pelo estudo urbanístico do arquiteto Alfred Agache e dos projetos do arquiteto-paisagista Roberto Burle Marx que, entre outros, assina o projeto paisagístico do Parque do Flamengo. Nesse contexto de grandes transformações, os belos cenários urbanos projetados e ordenados pelos novos meios técnicos do homem conjugam harmoniosamente as paisagens do Rio, possibilitando uma gestão cultural à altura do que a cidade única idealizada por Deus merece. Música: a paisagem do Rio A música é um dom divino. O som está por toda parte. É pura ilusão achar que a natureza é silenciosa. A paisagem do Rio de janeiro situa-se no horizonte musical do carioca Villa-Lobos, que incorporou o folclore brasileiro às seduções urbanas do Rio de Janeiro; e no repertório original da pianista Chiquinha Gonzaga, autora da primeira marcha carnavalesca "Ô Abre-Alas". Sobre as formas populares situa-se nos "chorões" das composições de Pixinguinha e nos aspectos mais descontraídos como o samba e todas as músicas de inspiração rítmica, que descem dos morros e interagem com a cidade. A Bossa Nova, o mais carioca dos estilos musicais, é o Rio que inspira "no doce balanço a caminho do mar". É a paisagem musical que canta a paixão do carioca pelo Rio, a benção divina que, de braços abertos, ilumina a vida, a diversidade de cores e de sabores, de flertes e de olhares, e de muitos amores. A Bossa Nova gira em 78 rotações e redescobre o Rio de Janeiro. Universaliza, revoluciona, rompe fronteiras e leva a música do Brasil aos quatro cantos do mundo. Rio Cidade! Muito antes, o divino criador já anunciava: é preciso ter fé e redenção. Cuidados com a cidade para sua preservação... Mais de 400 anos se passaram e a cidade única planejada por Deus é dominada pela Lei do mais forte, "que dita as normas e causa algumas imperfeições à cidade". Não se vê mais o todo: a vida, as águas, a terra. A cidade cresce desordenadamente. O Homem autoriza, polui, e a "pobreza" chancela a construção em terras invadidas e em áreas inadequadas. As consequências são drásticas! Salve-se quem puder. Engarrafamentos, enchentes, deslizamentos, lixo, injustiças sociais e epidemias. Esses efeitos chamam a atenção do nosso divino arquiteto, que intervém lançando um desafio para a cidade: no lugar do "progresso" e do crescimento ilimitado, hostil para a natureza do Rio, devem-se convocar todos os engenheiros, arquitetos e paisagistas e criar um grande planejamento para a reconstrução urbana da cidade. Isto porque, o Rio haverá de ser o responsável pela realização de dois grandes eventos mundiais. Eis o meu desafio para garantir as condições de continuidade à vida nesta cidade. Ser Carioca é... Ser abençoado por Deus e bonito por natureza. Ser carioca ou não, é se reconhecer na paisagem do Rio, nos seus morros, na sua geografia humana e nos seus estados de espírito. Ser carioca é sermos nós. São nossas manifestações, nossos costumes, nosso sotaque, nosso jeito de ser e nossa alegria de sermos lembrados e vistos em diversos pontos do mundo. Ser carioca é manter a aliança divina, quando contemplamos a beleza de um pôr do sol. É uma explosão de cores. São encantos mil. É ser blasé com a própria rotina, é sorrir para o surreal, confiando nos próprios instintos. É ser patrimônio cultural e observar a cidade em 360 graus. Contudo, ser carioca é torcer pela carioquíssima São Clemente, é ser o Rio que eu canto e exalto, o mesmo Rio que Deus protege e cuida lá do alto. Créditos: Carnavalesco: Fábio Ricardo Pesquisa e texto: Marcos Roza Idéia original: Mauro Chaves Desenvolvimento do enredo: Fábio Ricardo e Marcos Roza Revisão e copidesque: Márcia Rinaldi Bibliografia consultada: BOFF, Leonardo. Uma declaração: os Direitos da Mãe Terra. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 3 de mai. 2010, p. A11. COLASANTI, Marina; PINHEIRO, Augusto Ivan de Freitas. Rio de Janeiro 360º. Rio de Janeiro: Priuli & Verlucca editori, 1997. LODI, Maria Cristina Vereza. Dossiê da Candidatura do Rio de Janeiro a Patrimônio Mundial, na categoria "Paisagem Cultural" - IPHAN, dez. de 2009. NEVES, Margarida de Souza. A Cidade e Paisagem. In: MARTINS, Carlos (org). Paisagem Carioca. Rio de Janeiro, MAM, 2000. |
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