Sinopse São Clemente 2009
O Beijo
Moleque da São Clemente (São Clemente - 2009)
Introdução: A origem
negra e a vocação para o espetáculo
- Beijo, seu moleque safado!, gritou o pai do pequeno Benjamin ao
vê-lo pendurado no trapézio do Circo Sotero. Foi para lá que o
menino fugira depois de deixar a casa dos pais. Contava com
apenas doze anos de idade.
Antes da fuga, vendia na porta do circo as broas feitas pela
mãe. Mas o destino do pequeno Benjamin era maior. Como muitas
das crianças atraídas pelo fascínio do circo, seguiu a
caravana e trilhou o próprio futuro escrito nas estrelas de um
céu de lona.
Começa aqui a saga do palhaço, ator, músico, diretor e
circense que, irreverente como a escola que o canta, conquistou
platéias e colecionou histórias.
Bem-vindos ao circo Benjamin de Oliveira!
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Benjamin de Oliveira nasceu em Cidade do Pará, nas Minas Gerais,
em 1870. Do pai, guardava a lembrança do capataz rude que
capturava escravos fugidos, negros como ele.
Benjamin tinha sangue africano. Sob a maquiagem branca se
escondia a pele escura de um talentoso artista que, por ironia,
venceu no circo, arte criada e difundida na Europa.
No Brasil, a magia do picadeiro ganharia cor mestiça ao se
transformar em celeiro de talentos que uniam teatro e circo. Era
das arquibancadas de madeira que o povo aclamava seus astros e
criava a identidade cênica em espetáculos que reuniam diversas
formas de arte em um só palco.
Entra em cena o Circo Brasil que Benjamin encontrou...
Circo Brasil: Sob Nova Direção
Segue a caravana em carroças errantes pelas estradas precárias
de um novo Brasil. Todos os caminhos conduziam Benjamin de
Oliveira por várias cidades que despertavam para o sonho do
circo que chegava trazendo alegria e partia deixando saudade. O
moleque Beijo vivia cada palmo de chão de um país marcado por
transformações.
Aos 18 anos, acompanhou a abolição da escravatura que lançou
seus irmãos de cor às feras da realidade de um país desigual.
Como num passe de mágica, toda uma população trazida à força
da África experimentou o perigoso número do mergulho sem rede
rumo à liberdade construída de ilusão. Saídos da senzala,
foram se equilibrar nas encostas dos morros, vielas e periferias,
à margem da riqueza que ajudaram a construir.
No ano seguinte, foi a vez de Benjamin ver a Monarquia sair de
cena e deixar o picadeiro livre para o show republicano. Era o
tempo dos Marechais. O primeiro, Deodoro. O segundo, Floriano.
Após uma de suas apresentações num circo armado no bairro de
Cascadura, no Rio de Janeiro, Benjamin foi procurado por um
senhor distinto, que não lhe poupou elogios e ainda lhe ofereceu
cinco mil réis. Tratava-se nada menos que o então Presidente da
República, Marechal Floriano Peixoto, amante da arte circense e
que sabia reconhecer o talento de um artista capaz de hipnotizar
o público com sua ginga, voz e gestos. O colorido mundo do
picadeiro ganhava ainda mais cor na molecagem do negro Beijo...
A Teatralidade Circense de Benjamin
Artista completo, Benjamin de Oliveira revolucionou a linguagem
circense no Brasil ao encenar nos picadeiros pantomimas -
apresentações feitas apenas com gestos - farsas dramáticas,
revistas e operetas, expressões artísticas que ganharam uma
nova dimensão sob a lona, levando não apenas cócegas, mas
emoções múltiplas à platéia.
As paródias de clássicos nacionais, como a pantomima "Os
Guaranis" renderam a Benjamin a consagração nos palcos e
picadeiros. De pé, o público aplaudiu o elenco que conduziu à
linguagem popular do circo a romântica obra de José de Alencar,
"O Guarani", musicado pelo compositor Carlos Gomes. A
sisudez da obra caiu por terra logo na primeira cena de um Pery
aluncinado vivido por Benjamin de Oliveira, levando os presentes
ao delírio no picadeiro do Circo Spinelli.
Outros clássicos do teatro universal, como "A Viúva
Alegre", foram adaptadas à arena por Benjamin de Oliveira,
que cada vez mais se mostrava íntimo da linguagem teatral. No
picadeiro, levava ao povo obras que grande parte dos brasileiros
jamais veria no teatro. O circo tornava-se um democrático
espaço disseminador das artes cênicas, em espetáculos ricos,
grandiosos e de grande identificação popular.
Nas Trilhas do Sucesso...
Todo bom espetáculo demanda uma boa música. Estamos na época
do teatro musicado que encantava um público embolado no maxixe,
no lundu e no samba. E qual o palco ideal para popularizar
canções? Isso mesmo, o circo!
Já como um dos principais nomes do circo brasileiro, Benjamin se
tornou parceiro musical de poetas de calçada e grandes
compositores da época, como Baiano, Eduardo das Neves e Catulo
da Paixão Cearense. Assim, alcançava também o sucesso
fonográfico, ao gravar canções como "A Mulata
Carioca". E, não por acaso, Eduardo das Neves compôs o
lundu "Crioulo Faceiro", inspirado no nosso famoso
palhaço, que assim o cantava:
Eu sou crioulo faceiro
E sou brejeiro na multidão
Cada conquista é um tesouro
No choro do violão
Ao som solitário da viola ou acompanhado pelas tradicionais
bandas de sopro, a música de Benjamin alçou-o ao posto de
palhaço-trovador. Sua voz ganhava espaço não apenas nos
picadeiros, mas nos gramofones que tocavam suas modinhas e
propagavam o grande manancial de ritmos e inspirações poéticas
vindas dos cabarés, cafés-concerto, rodas de música e grupos
carnavalescos. As músicas davam o tom e ritmo aos espetáculos
circenses. Trilhas que embalavam o público num grandioso
carrossel de artes, que girava no sonho apoteótico de um mestre
do circo chamado Benjamin.
Apoteose a Benjamin de Oliveira
Bem, respeitável público, chegou a hora de arrear a lona,
abandonar a cidade que tão bem acolheu a trupe do Moleque Beijo.
Nosso artista de mil faces se despede numa grande apoteose
circense, o último número que congrega todos os artistas desse
circo-folia.
Ao retirar do rosto a maquiagem de Benjamin, a face preta e
amarela do pavilhão clementiano se apresenta. Escola moleca,
jovem e jovial que já desvendou tantas máscaras do nosso país,
hoje se faz refletir na figura de Benjamin, palhaço, artista,
síntese do nosso talento. Herói da nossa gente que não tem
medo de mostrar a sua verdadeira face num carnaval marcado por
superproduções. Não precisamos nos maquiar de espetáculo
holywoodiano, como já cantamos nessa mesma avenida. Nossa face
verdadeira é a alegria. A nossa arte, o sorriso.
Assim, a escola se despede feliz, na certeza de que no Gran Circo
Sapucaí o nome de Benjamin de Oliveira jamais será esquecido ou
ocultado sob a maquiagem turva da história. Pai do circo-teatro
no país na corda bamba, Benjamin revela a nossa verdadeira cara.
Ou melhor, as nossas verdadeiras caras. Não temos apenas uma
face. Somos muitos. Somos artistas, na realidade do dia-a-dia ou
na fantasia do carnaval. Palhaços-foliões que se despedem
cantando:
Quanta saudade!
Amor sem fim
Nesta cidade
Vai deixar o Benjamin
Enredo: Mauro Quintaes
Texto: Gustavo Melo
Enredo inspirado no livro "Circo Teatro: Benjamin de
Oliveira e Teatralidade Circense no Brasil", de Erminia
Silva