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SINOPSE ENREDO
2021
Salve Mam’etu Manaundê, Salve os ventos de Matamba e o Quilombo da Vila Brasilândia! Primeiro
nessa gira pedimos licença a Mpambunjila. Permissão para
abrirmos roda e saudarmos a filha da senhora do amor, a rainha dos
raios, ventanias, furacões e vendavais.
Os kambondos tocam no terreiro Sampario evocando a energia feminina. Ela vem se aproximando forte como um búfalo e delicada como uma borboleta. Dançam as folhas, vibram os bambuzais. “Kiuá Nengua Siavanju, Kiuá Matamba!” Nkisi mulher guerreira que educa seus filhos de modo livre, para o mundo, e assim foi com Mãe Manaundê. Durante a sua passagem pelo mundo físico, levada foi pelo seu ímpeto de mulher independente e pelos ventos de sua entidade de frente que estavam constantemente apontando os seus passos. Quando a abolição da escravidão no Brasil ainda era recente, bons ventos chegaram para soprar a vida na negra Bahia. Foi lá, na Bahia de cores, magias, sabores e dores, que nasceu Julita Lima da Silva para a vida e mais tarde para o candomblé angola. Kitembo, o senhor do tempo, é a grande árvore sagrada, a gameleira branca e representa os ancestrais. Kitembo, portanto, são os pais de Julita, ex-escravos libertos pela Lei do Ventre Livre, são seus avós e outros antepassados. Kitembo é a evolução pessoal e espiritual. E essa evolução espiritual poderia ser vista ali, na raspagem da cabeça, iniciação, feitura de santo, iaô, pelas mãos e ensinamentos de Mam’etu Manadeui, a velha Mãe Nanã de Aracaju, grande sacerdote do tronco de candomblé angola que Julita herdará. E o tempo passou voando no bailar dessa ventania. Trazida pela sua mãe de santo, chega então na saudosa e pequena Propriá querida, cidade do semiárido sergipano, oásis sertanejo onde viverá, casará e ajudará durante anos no preparo dos irmãos de terreiro. A brisa do Rio São Francisco que bate na aba do chapéu do sobrevivente ribeirinho é a mesma que vai beijar o seu rosto na hora da despedida, quando estiver em cima daquele paude-arara, cinco dias, cinco noites, na estrada. E na tentativa de buscar realizar sonhos ainda mais distantes no sudeste brasileiro, seguiu o seu caminho carregando na bagagem lembranças e todo aprendizado adquirido com a dedicação ao culto banto. Novas terras, novos ventos. Destemida chega para fincar raízes no seu destino. Última parada. O desembarque na São Paulo dos anos 60. O desenvolvimento. A industrialização a todo vapor. Para garantir sobrevivência, logo quando chegou fez da agulha a companheira inseparável de trabalho, igualmente o sabão que deslizava entre as roupas molhadas esfregadas a mão. Lava, mulher! Quara, mulher! Deixa o sol e o vento secar. As mãos que costuraram e lavaram roupas também colheram ervas e plantas; maceraram; banharam; benzeram; curaram enfermos. Fizeram magias; mandingas. Jogaram búzios. Mandaram embora o mal e trouxeram a luz. Essa luz era a do parto de tantos que com caridade ajudou a colocar no mundo, fazendo de si a cada nascimento novamente mãe. De repente um brado “kiô” ecoou pelo ar. Era o caboclo que acabava de chegar. Risca o ponto e os pés no chão. É na batida dos atabaques que começa a incorporação. Ele andou pelo mar, pela floresta, ele subiu a serra, ele veio para vencer demanda, ele é o Seu Treme-Terra. Dois lotes do terreno foi presente dele. Do lugar onde funcionava uma olaria ergueu-se na Vila Brasilândia, Rua Ruiva, número 90, um modesto barracão de madeira colocado de pé com a força do braço, o primeiro terreiro de candomblé angola em São Paulo registrado – O Terreiro de Santa Bárbara. Julita como sacerdotisa e como ficou popularmente conhecida, atendia por Mãe Manaundê, e como tal, foi alvo da intolerância que tentou calar seus tambores ao longo das décadas. De cabeça erguida enfrentou a fúria dos odiosos, a polícia da ditadura, e as ameaças de despejo e demolição da prefeitura. Enquanto resistia desistir não era opção. Mas, a nossa vida é um sopro, e o sopro da vida de Manaundê durou mais de 100 anos, e dura até hoje, presença viva na memória do terreiro patrimônio imaterial da cidade, viva na memória dos seus mais de dois mil iniciados, na memória de um bairro, na memória de uma rua onde leva em homenagem seu nome. É Matamba assegurando a continuidade entre os dois mundos, entre este nosso mundo e o além. Então… Salve Mam’etu Manaundê! Que fez perpetuar o candomblé angola no solo paulistano. Salve os ventos de Matamba! Que trouxeram Julita até aqui. Salve o Quilombo da Vila Brasilândia, o Terreiro de Santa Bárbara, que embora tentem derrubar jamais irá cair! REFERÊNCIAS: BOTÃO, Renato Ubirajara dos Santos. Para além da nagocracia: a (re)africanização do camdomblé nação angola-congo em São Paulo. 2007. 127 f. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, 2007. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/93586. DANTAS, Beatriz Góis. “Nanã de Aracaju: trajetória de uma mãe plural”. In: SILVA, Vagner Gonçalves (org.). Caminhos da alma: memória afro-brasileira. São Paulo: Summus, 2002. DOMINGUES, P. Uma cultura de Matriz Africana em São Paulo: o terreiro de candomblé Ile Iya Mi Osun Muiywa. In: Projeto História, São Paulo, jun. 2004. FRANCO, Diego Ferreira Cangussu. As religiões afro-brasileiras: memória, identidade e urbanidade. 2010. 76 p. Dissertação (Mestrado em Urbanismo) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, 2010. Iyalode – Damas de São Paulo, 2018. 1 vídeo (54 min). Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=3KatdFaBeUM&t=207s>. Acesso em: 29 Janeiro, 2021. NASCIMENTO, Caio. Macumba, Axé! Opressão. Jornalista Júnior. Disponível em: < https://prceu.usp.br/uspdiversidade/macumba-axe-e-opressao/>. PRANDI, Reginaldo. “Linhagem e legitimidade no candomblé paulista”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.14, p.18-31, 1990. PUBLICAÇÃO 1990. PRANDI, Reginaldo. 1991. “A religião e a multiplicação do Eu: transe, papéis e poder no candomblé”. Revista USP, março/abril/maio:133-144. Um pouco da História de Manaundê, 2018. 1 vídeo (12 min). Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=zMGPPnSTYLo>. Acesso em: 27 Janeiro, 2021. Autor do enredo: Gleilson Maurício |
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