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Porque sou Homem das Ruas, Filho da Noite Estrelada (Passa Régua - 2020)
Por Laerte Gulini
1. APRESENTAÇÃO: Qualquer um que se aventure a traçar a trajetória de um mito, certamente descobrirá que em torno dele existe um sem números de histórias, muitas delas inverossímeis, entretanto, impossíveis de refutação. O mito sempre se confunde com a realidade e, deste modo, ninguém pode contrariar a fé dos crentes, sob pena de alienar-se do mundo vibrante e mágico que envolve as crenças populares. Este enredo discorre sobre o Mito de Seu Zé Pelintra, adorado e cultuado por todas as classes sociais onde existem várias histórias contadas de boca em boca, tão cheias de ousadia e mistério.Todo esse relato em última instância não tem comprovação histórica garantida e o importante para nós nesse momento é o mito contado a respeito dessa figura. 2. JUSTIFICATIVA: Personagem bastante conhecido seja por frequentadores das religiões onde atua como entidade, seja por sua notável malandragem, Seu Zé Pelintra tem sua imagem reconhecida como um ícone, um representante, o verdadeiro estereótipo do malandro, ou porque não dizer, da malandragem brasileira e mais especificamente, carioca. Não raro, encontra-se pessoas que o conhecem de nome e pela malandragem, mas não sabem que este é uma entidade do Catimbó e da Umbanda, outras já o viram retratado inúmeras vezes, mas não sabiam que se tratava de “alguém” e também encontraremos os que o conhecem apenas como entidade e desconhecem sua origem e história. O fato é que a figura de Zé Pelintra, de uma forma ou de outra, permeia o imaginário popular da cultura brasileira e é retratada de diversas maneiras. Apresentamos a retratação deste mito, ressaltando o sentimento de proteção e caridade que Seu Zé Pelintra desperta nas pessoas. 3. OBJETIVO: Homenagear umas das entidades mais respeitadas, que permeia o imaginário popular. Apresentar o Mito Seu Zé Pelintra e sua identidade social. Discorrer sobre o aparecimento e a crença no Mito Seu Zé Pelintra. Compreender a contradição de malandragem e caridade. Reconhecer a credibilidade na entidade de Seu Zé Pelintra na cultura brasileira. 4. SINOPSE: “Seu doutor seu doutor… Bravo senhor… Zé Pelintra chegou… Bravo senhor…” Essa Historia se deu no sertão Pernambucano, o vulgo Zé Pelintra, era o primogênito de uma família de cinco filhos. Zé veio ao mundo prematuro com poucas chances de vida. Então sua mãe lhe deu o nome de “José” em homenagem a São José, santo ao qual ela era muito devota, fez isso como uma maneira de apelar para que o santo salvasse a vida do seu filho, ou como Zé mesmo disse “Botaram meu nome José pra ver se eu escapava” e realmente escapou. A história entre outras como um mito tem, conta que Seu Zé Pelintra teria nascido no povoado de Bodocó, sertão Pernambucano próximo a cidadezinha que leva o nome de Exu. Conta-se que ainda jovem era um bravo caboclo que brigava por qualquer coisa mesmo sem ter razão. Sua fama de “erveiro” vem também do Nordeste. Seria capaz de receitar chás medicinais para a cura de qualquer mal, benzer e quebrar feitiços dos seus consulentes. Ainda muito jovem Zé teve de tutelar seus irmãos, pois perdeu seus pais cedo no inicio de sua adolescência. Sua mãe foi vitima de um câncer e seu pai veio a desencarnar logo após. “Agora que eu quero ver… Quem é malandro não pode correr…” Fugindo da terrível seca de meados do século passado que abatia todo o sertão, então rumou para a Capital Recife em busca de uma vida melhor. Ao chegar a Recife tiveram que procurar abrigo nas ruas pernoitando pelo chão do cais de Santa Rita. Por ali mesmo Zé fazia bicos na parte da manhã para alimentar seus irmãos. Cresceu no meio da malandragem, dormindo no cais do porto e sendo menino de recados de prostitutas e passando algum tempo virou um cafetão. Na vida de aliciador de prostitutas, Zé conheceu alguns coronéis e homens de posses que iam ali para trair suas esposas. Para fugir de encrencas, Seu Zé Pelintra foi para a fazenda de um coronel que frequentava o cais à procura de prostitutas e que o próprio Zé tinha livrado de um flagrante da esposa, gerando ai uma enorme gratidão. “Porque sou homem das ruas… Filho da noite estrelada…” Após alguns dias o coronel mandou buscar os irmãos de Zé Pelintra e trazê-los em segurança para fazenda de onde seguiria em caminhões, no famoso “pau-de-arara”, para o Rio de Janeiro. Ao chegar por lá seus irmãos seguiram suas vidas e Seu Zé foi morar no morro de Santa Tereza, no bairro da Lapa, onde seguiu com sua “profissão” de Cafetão. Sua estatura alta e forte conquistou o respeito de todos. Sua vida era a noite estrelada, sua alegria eram as cartas, os dados, a bebida, a farra e as mulheres. Assim, Seu Zé Pelintra migrou para o Rio e se torna nas primeiras três décadas do século XX um famoso malandro na zona boêmia carioca. “Não sou homem de uma mulher só… Toda mulher é minha amada” Sempre fiel aos seus princípios, porque era um homem das ruas, o lugar escolhido havia de ser a Lapa, reduto dos marginais e mulheres de vida fácil na época. Em pouco tempo passou a viver do dinheiro arrecadado por suas “meninas”, que, apaixonadas pela bela estampa do negro, dividiam o pouco que ganhavam com o suor de seus corpos. Quanto a sua morte, autores discordam sobre como esta teria acontecido. Afirma-se que ele poderia ter sido assassinado por uma mulher, um antigo desafeto, ou por outro malandro igualmente perigoso. “Ele vem descendo o morro… Ele está neste conga…” A partir daí começou o verdadeiro sofrimento de Zé Pelintra onde vagou por anos no umbral e depois começou a vagar por centros espíritas. Nessas idas e vindas, nosso companheiro se deparou com uma provação: uma menina tinha caído em um poço e seus familiares não a encontravam. Depois de muito tempo já davam a menina como morta. Até que Seu Zé a encontrou e colocou-a na porta de casa e a mãe perguntou a filha quem a trouxe, a criança ainda cansada disse: Foi o Zé. Nessa hora uma luz cobriu Zé Pelintra, que começou a refletir suas atitudes, começou a chamar por Deus. Diante disso, um espírito de luz o procurou e o aconselhou ao bem. Desse dia em diante, Zé começou a praticar o bem e a caridade. Para Zé Pelintra a morte representou “um momento de transição e de continuidade”, e passa a ser assim, incorporado ao Catimbó e a Umbanda. Ele está firmando o ponto… Ele veio pra saravá…” Assim começa essa história sem datas precisas, fazendo surgir no Nordeste do País, na religião que conhecemos como Catimbó, ainda que nas vestes de um malandro, a figura de Seu Zé Pelintra, que tem uma conotação completamente diferente de um malandro. Lá, ele é doutor, é curador, é Mestre e é muito respeitado. Seu Zé Pelintra, entidade da Umbanda e mestre catimbozeiro, não é originário da umbanda, tem como sua origem, os rituais do catimbó, O Catimbó está inserido no quadro das religiões populares do Norte e Nordeste e traz consigo a relação com a pajelança indígena e os candomblés de caboclo muito difundidos na Bahia. Na medida em que o Catimbó entra na área urbana, território típico da Umbanda, ou mesmo a Umbanda vai para o interior, estas duas práticas se encontram. É neste momento que Zé Pelintra aparece no Catimbó e passa a ter relação também com a Umbanda. “Ele vem todo de branco… Ele vem pra te ajudar…Ele está cheio de encanto… Ele vem pra trabalhar…” Seu Zé Pelintra está sempre representado de terno branco de linho e chapéu panamá com uma faixa vermelha contornando-o, gravata vermelha e sapato bicolor. Essa é sua representação na Umbanda, o típico malandro – figura que possivelmente ganhou esse estereótipo à partir da figura de Zé Pelintra. O terno de linho branco tornou-se o símbolo do malandro por ser vistoso, de caimento perfeito, largo e próprio para a capoeiragem. Seu Zé destacava-se pela elegância e competência como negro. Numa época em que os negros e brancos viviam praticamente isolados, vamos observar que a figura do malandro torna-se representativa da dignidade do negro deixando para trás a ideia de um negro “arrasta-pé”, maltrapilho ou simples trabalhador braçal. “Zé Pelintra, Zé Pelintra… Boêmio da madrugada. Vem na linha das Almas e também na encruzilhada…” Seu Zé Pelintra é a única entidade da Umbanda que é aceita em dois rituais diferentes e opostos: a “Linha das Almas” (caboclos e pretos-velhos) e o ritual do “Povo de Rua” (Exus e Pombas-Giras). Os malandros vêm na linha de exu, mas não são exus, pois malandros são entidades da rua, exus são donos da rua e as emprestam para que os malandros possam malandrear. “Ôh Zé Pelintra de noite na madrugada… Quebra feitiço ajuda a filharada…” Seu Zé Pelintra, tanto na Umbanda como no Catimbó, é tido como protetor dos pobres e uma entidade de importância entre as classes menos favorecidas em geral, tendo ganhado reconhecimento como “médico dos pobres” e “advogado dos injustiçados” pela patronagem espiritual e material que exerce. Todavia, a principal história que Seu Zé Pelintra quer escrever é a da caridade, tanto aquela que ele dedicou aos seus entes queridos e pares de sangue, como também àqueles em que deveu um auxílio e apoio mútuo quando em vida. É assim que Seu Zé Pelintra, hoje ao lado do espírito dos seus irmãos e irmãs em vida, formaram uma bela Falange de malandros de luz, que vêm ajudar aqueles que necessitam, formando uma enorme corrente que, de uma forma ou de outra, permeia o imaginário popular da cultura brasileira. Salve a Malandragem! Boa sorte aos compositores e compositores. “É seu Zé quem tá chegando Zé Pelintra qui chegou Êta Zé que é arretado Oxalá quem te mandou” |
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