Sinopse Mocidade 2009
Mocidade
apresenta: Clube Literário - Machado de Assis e Guimarães
Rosa... Estrela em poesia! (Mocidade - 2009)
A Academia Brasileira de Letras
é, antes de tudo, a casa da memória. Apesar do prestígio que
alcançou - fato único para uma instituição cultural - na
sociedade brasileira, apesar da maciça programação de
conferências, cursos, publicações, concertos, artes cênicas,
que oferece ao público em todas as áreas do conhecimento e da
sensibilidade, a sua maior missão e característica é a
preservação da memória intelectual brasileira, sem a qual ela
não seria a dispensadora daquela "glória que fica, eleva,
honra e consola" de que falava Machado de Assis, em texto
célebre.
O presente ano, tão rico em efemérides, tem para esta casa a
importância única de ser o do centenário da morte do seu
patrono e um de seus fundadores, Joaquim Maria Machado de Assis.
A Academia Brasileira de Letras é a Casa Richelieu e, sob este
aspecto, ela nasceu sob um signo mais exclusivamente literário
do que aquela na qual se espelhou.
Em pouco mais de um ano, de junho de 1908 a agosto de 1909,
ocorreram três datas máximas na história da prosa no Brasil,
um de júbilo e as outras lutuosoas, que são respectivamente o
nascimento de João Guimarães Rosa, o falecimento de Machado de
Assis e a morte trágica e precoce de Euclides da Cunha. Entre as
duas outras se situa a despedida do grande mestre do Cosme Velho,
deixando-nos uma obra vasta e magistral, marca de uma existência
plenamente cumprida, para além de todas as dificuldades, uma
existência que significa a vitória do gênio e do esforço
humanos, grande exemplo moral que nos legou, juntamente com a
obra, o maior escritos brasileiro de seu século.
Cícero Sandroni
Presidente da Academia Brasileira de Letras
Prelúdio (1º ato): "O nascimento da estrela mística
literária"
Os inconfundíveis versos dessa estrela que brilha de uma fusão
incandescente viajam em um tempo luzente, riscam o céu com a
mesma intensidade de uma estrela cadente e iluminam a nossa
querida Mocidade Independente.
Renascem num sonho acordado e promovem a fusão de três corpos
iluminados, que surgem no universo de uma explosão resistindo ao
calor da fricção. E numa velocidade estonteante cruzam, para
além do cosmo, a caminho do planeta Terra.
Com a força do tempo os corpos iluminados vindos do firmamento,
a Estrela da Mocidade Independente de Padre Miguel, Joaquim Maria
Machado de Assis e João Guimarães Rosa, chegam, sob
encantamento, ao encontro mágico e universal chamado carnaval.
Fundem-se numa só estrela, num único foco de luz que irradia
alegria, como se o astro-rei, o sol, fosse a sua única fonte de
energia; orquestram-se numa ópera popular, desfolhando-se em
literatura, poesia, história e fantasia, que em forma de samba
tudo se traduz. A estrela de luz da Mocidade nos conduz ao Clube
Literário - Machado de Assis e Guimarães Rosa... Estrelas em
poesia!
Abram-se as cortinas... Aplausos!
Numa celebração, sem igual, a Mocidade Independente de Padre
Miguel narra esta ópera inspirada em Joaquim Maria Machado de
Assis e João Guimarães Rosa e apresenta em seu enredo na
seqüência de sete ATOS:
2º ato - "Machado de Assis - Sua vida em verso e
prosa"
Machado de Assis é personificado em verso e prosa. Encanta-nos
fazendo da literatura sua batuta. À frente de seu tempo tudo
via, tudo lia, tudo sentia, e com autodidatismo a vida lhe
presentearia... Lendo, o encanto toma conta dos olhos, como em
"Memórias Póstumas" de seu personagem, Machado
ressurge das páginas da história de sua própria vida e nasce
em 21 de junho de 1839: pobre, no Morro do Livramento, filho de
uma lavadeira portuguesa (Dona Maria Leopoldina Machado de Assis)
e um pintor de paredes mulato (Francisco José de Assis). O
destino do menino Joaquim Maria não prometia muito.
Todo período que medeia à morte de sua mãe, quando de seus
anos de idade, e a sua estréia literária, aos quinze, é
extremamente obscuro. Diz-se que foi caixeiro por poucos dias,
não se adaptando ao comércio, que foi sacristão da Igreja da
Lampadosa, que com uma doceira francesa aprendeu esse idioma,
fatos todos que podem ser perfeitamente verídicos, mas que
infelizmente não deixaram traço documental. O importante é que
nesses anos obscuros, e que, ao que tudo indica, assim
permanecerão, os olhos de menino do morro do Livramento
começaram agudamente esmiuçar o universo, a vida, os homens e
suas misérias.
Mas a determinação e a paixão pelo conhecimento, de quem não
tivera sequer acesso à escola regular, fez dele um dia MACHADO
DE ASSIS - o maior escritor do país. A genialidade do jovem
Joaquim Maria Machado de Assis desponta com o avançar do tempo.
Supera com absoluta discrição, todos os obstáculos físicos e
sociais (epilético, gago e mestiço). A estréia literária de
Machado de Assis se deu aos quinze anos de idade. Em 3 de outubro
de 1854, escreveu seu primeiro poema, o soneto "À Ilma.
Sra. D.P.J.A" obra ainda canhestra saída da Marmota
Fluminense. A este se seguiu, com a data de 6 de janeiro de 1855,
um outro intitulado "A Palmeira".
Contudo, possivelmente com profundo orgulho renovado, via o
adolescente em seu outro trabalho publicado, com o seu último
sobrenome em letra de forma, o poema "Ela", saído na
mesma Marmota Fluminense de Francisco de Paula Brito, e que assim
principiava:
"Se olhos que brilham tanto
Que prendem tão doce encanto,
Que prendem um casto amor
Onde com rara beleza,
Se esmerou a natureza com meiguice e com primor".
Memória do Largo do Rossio...
O centro da vida literária carioca durante a juventude de
Machado de Assis ficava no Largo do Rossio, ou Praça da
Aclamação, a atual Praça Tiradentes. Na década de 60 do
século XIX, era na praça, na loja de Paula Brito - editor,
livreiro, poeta e jornalista, proprietário da Tipografia Dois de
Dezembro, o ponto de reunião preferido dos homens de letras e
dos aspirantes a tanto. Nesses encontros, da qual sairia a
célebre Sociedade Petalógica, pontificam nomes já consagrados
como Laurindo Rabelo - o Poeta Lagartixa; Joaquim Manuel de
Macedo - autor de "A moreninha"; Melo Morais Filho -
autor do admirável "Memórias de um sargento de
milícias"; Manuel Antônio de Almeida; entre muitos outros.
A esse grupo, uniu-se o jovem Joaquim Maria Machado de Assis,
assim como um poeta fluminense de sua mesma idade, Casimiro de
Abreu. Desse local, na imediata vizinhança do maior teatro da
Corte, o São Pedro de Alcântara - onde hoje é o Teatro João
Caetano - Machado de Assis se lançou no caminho sem volta das
letras, nos periódicos, nos palcos, nos livros, sobretudo.
Machado de Assis desperta num tempo imortal. Sentado à mesa
diante de inúmeros livros, no interior do Real Gabinete
Português, folheia suas obras e segue regendo o enredo do nosso
carnaval.
3° ato - O cronista e o literato - "Obras
Machadianas"
O escritor busca inspiração nas ações rotineiras do homem.
Com gênero híbrido entre o jornalista e a literatura, a
crônica foi utilizada por Machado de Assis, o "Bruxo do
Cosme Velho", como meio para se comunicar com os seus
leitores, durante a segunda metade do século 19. Ao longo de sua
trajetória como jornalista, que entre outros, passou pelo
Correio Mercantil e Imprensa Oficial, Machado de Assis escreveu
sobre sua própria atividade, diagnosticando problemas e
sugerindo soluções para uma adequada atuação da imprensa,
utilizando-se de histórias cotidianas à época.
A crônica "O jornal e o livro", de 10 e 12/1/1859,
demarca a noção do jovem Machado em relação ao papel do
jornalismo como fundador de opinião e promotor da liberdade de
expressão do homem comum:
"(...) O jornal é a verdadeira forma da república do
pensamento. É a locomotiva intelectual, em viagem para mundos
desconhecidos, é a literatura comum, universal, altamente
democrática, reproduzida todos os dias, levando em si a frescura
das idéias e fogo das convicções". (Machado de Assis,
1997945;948).
"O jornal é a liberdade, é o povo, é a conscientização,
é a esperança, é o trabalho, é a civilização". Machado
de Assis
Machado - atuando como cronista em um período de transição
entre a imprensa política e a jornalística (Abramo, 1997) - já
revelava importância do sensacionalismo como integrante que
fundamenta o produto final da notícia. Nesse sentido, a crítica
machadiana é a forma sensacionalista de fazer jornalismo, é a
grande locomotiva intelectual que é praticada até os dias de
hoje e que fez de Machado e Assis um mestre que revolucionou a
escrita da imprensa brasileira ao longo dos anos.
A cada poema, crônica, frase um dissabor. Ora extraídos da dor,
ora preenchidos com a docilidade do seu criador. Carlos Drummond
de Andrade homenageia este grande escritor, publicando um poema.
"A um bruxo, com amor".
As Obras...
"Machado de Assis não é um capítulo na história
literária do Brasil. É um capítulo na história literária do
mundo".
Machado é o homem das letras. E tal era a sua superioridade
mental, a sua ilustração, a beleza do seu estilo fulgurante,
que não tardou muito a ser considerado mestre no meio literário
brasileiro. Polígrafo consumado, foi dos maiores romancistas do
país, grande poeta, contista quase insuperável, crítico sagaz,
admirável cronista e, teatrólogo.
Desde então a obra de Machado de Assis abrange, praticamente,
todos os gêneros literários. Na poesia, inicia com o Romantismo
de Crisálidas (1864) e Falenas (1870), passando pelo Indianismo
em Americanas (1875), e o Parnasianismo em Ocidentais (1897 ?
1880). Paralelamente, apareciam as coletâneas de ?Contos
Fluminenses" (1870) e "Histórias da Meia-noite?
(1873); os romances "Ressurreição" (1872), "A
mão e a luva" (1874), "Helena" (1876) e Iaiá
Garcia (1878), todos considerados representativos de seu período
romântico.
A partir daí, Machado de Assis entrou na grande fase das
obras-primas, que fogem a qualquer denominação de escola
literária e que o tornaram o maior escritor das letras
brasileiras e um dos maiores autores da literatura de língua
portuguesa: "Memórias Póstumas de Brás Cubas", 1881;
"Quincas Borba", 1891; "Dom Casmurro", 1899;
"Esaú e Jacó", 1904.
Toda a maior e mais características obra Machadiana é,
portanto, obra da plena maturidade, nascida a partir dos quarenta
anos, e isso em todos os gêneros, inclusive na poesia. Nesse
pouco mais de um quarto de século o mestre do Cosme velho criou
os cinco memoráveis "grandes romances" de sua carreira
e diversos como imortais como "A chinela turca",
"Teoria do Medalhão", "A Igreja do Diabo",
"Cantiga de Esposais", "Noite de Almirante",
"Conto de Escola", "A Cartomante", "Uns
Braços", "Entre os santos", "A Desejada das
Gentes", "Um Homem Célebre", "O Caso da
Vara", ou a "Missa do Galo", entre tantos e tantos
outros, além de enriquecer a galeria de personagens da
literatura brasileira com tipos inesquecíveis quais Brás Cubas,
Quincas Borba, Rubião, Bentião e Capitu.
Na visão de Nelida Piñon, "Em Dom Casmurro", ela
identifica uma sucessão de narrativas de primeira pessoa,
portanto com a responsabilidade tímida e hesitante da primeira
pessoa. Então a maravilhosa desse romance é a ambigüidade.
Afirma que essa é que é a magia da obra de Machado. Machado é
contemporâneo, porque ele dá margem às dúvidas humanas, às
inquietações, às indagações, às perguntas.
Parecem mágicos, seus livros, contos, romances e até suas
crônicas "mudam com a idade", com o nosso momento de
vida. Ler Machado é algo que se pode pensar em fazer, até para
se ver como ele "acompanha" e "evolui"
através dos tempos junto conosco. Por fim parece que os textos
de Machado não ficam inertes - como os melhores vinhos em
garrafas - fechados dentro dos livros. Eles se remexem e
transformam, como se fossem entidade, seres - semelhantes a nós
- vivos.
E esse autor, nada recatado, tão ciente de sua intimidade, até
teve o descuido de deixar sua obra aberta: seus próprios livros!
Ao se ler Machado, é possível olhar e ver em cada canto da
alegoria seus personagens renascerem; então, o Velho Bruxo
oficializa: é formalista, mas estende à sua obra mais uma
conquista: a de ser jornalista e cronista.
Continue lendo a sinopse da Mocidade com exclusividade no site
SRZD-Carnavalesco.
4º ato - Clube literário Beethoven: Teatro e música -
"O Sarau"
"Clube Literário Beethoven era uma sociedade restrita, que
fazia os seus saraus íntimos em uma casa do Catete. Pouco a
pouco, foi se desenvolvendo. Até que um dia, mudou de sede e foi
para Glória. O salão do fundo, tão vasto como o da frente,
servia aos concertos, e enchia-se de uma porção de homens de
várias nações, várias línguas, vários empregos".
Recorda a tradição. No Clube Literário se reunia a
"boêmia intelectual". Um espaço freqüentado somente
por homens cultos: literários, músicos, teatrólogos, poetas,
cronistas, jornalistas, ?jogadores? ou simplesmente
"boêmios". Tudo vida, sem engano, entre muitas
alegrias, conversas e infinitas trocas de experiências, ouviam
longuíssimos concertos, recitavam poesias, cantavam, bebericavam
em lembrança de seus eternos casos de amor e jogavam xadrez como
símbolo do "saber".
"Meu bom xadrez, meu querido xadrez. Imagem da anarquia,
onde a rainha come o peão, o peão como o bispo, o bispo como o
cavalo, o cavalo como a rainha, e todos comem a todos. Graciosa
anarquia. Tudo isso sem rodas que andem, urnas que falem".
Mas é no interior do Clube Beethovem, principal "sociedade
musical" da Corte de então, que o autor de Dom casmurro,
freqüentador assíduo e, tantos outros escritores externavam
suas paixões pelo teatro e pela música.
Machado de Assis, como teatrólogo, escreveu, aliás, ao menos
quatro peças, traduziu duas outras, além de ter sido membro do
Conservatório Dramático Brasileiro e censor do mesmo. Entre
elas estão: "Hoje avental, amanhã luva", "O
caminho da porta", "Os deuses de casaca" e
"Tu, só tu, puro amor". No que diz respeito à
música, dois de seus mais belos contos "Cantiga de
esponsais" e "Um homem célebre" têm a música
como argumento central, metonímia de toda a arte, embora o tema
primordial que os domine seja o da frustração pelo irrealizado
anelo da criação.
Contudo, a fusão das outras artes - teatro e música - embasa o
conteúdo de histórias e anedotas dos freqüentadores do
"Clube Literário Beethoven". Como esta que expomos a
seguir, envolvendo jovens estudantes e literatos.
"O canto lírico, por exemplo, não poderia deixar
indiferente Machado de Assis, que foi confessadamente um dos
devotos de Augusta Candiani, cantora milanesa que fez furor nos
palcos do Rio de Janeiro a partir de 1840. Em certa ocasião,
como era de praxe no período dos extravasamentos românticos, os
estudantes e outros jovens, após uma récita da diva,
desatrelaram os cavalos de sua carruagem e a levaram eles
próprios a seu destino. Machado de Assis, que tantos viriam a
falsamente considerar como Casmurro e misantropo em sua
maturidade, foi um dos cavalos da Candiani".
5º ato: Uma estrela adormece - Nasce "O Rosa dos
Ventos"
Adormece uma grande estrela e nasce a mais nova estrela na
literatura moderna brasileira.
Daqui a pouco será crepúsculo. O sol, em fins de tarde de
outono, estará brilhando morno sobre o Rio de Janeiro. Irá
bater com sua luz nas janelas fechadas de um prédio antigo, no
Cosme Velho. Ninguém o atenderá, porque o dono da casa, viúvo
e solitário saiu para um último passeio, e não vai voltar. A
estrela de Machado adormeceu.
Num rastro de luz Machado de Assis faz a passagem para
imortalidade, como uma estrela que adormece, nos seios de sua
eterna e amada Carolina, e que nunca se apagará... Contudo, como
numa explosão cósmica, surge uma nova estrela. Ressalta das
páginas da história o nascimento de João Guimarães Rosa -
Rosa de todos os ventos, o Rosa de Minas e o Rosa do mundo.
Lisonjeado, Guimarães apresenta os seus brasis, segue encantado,
como um "literato abençoado" que na folia chega pra
dar o seu recado.
Nasce João Guimarães Rosa
Em 27 de junho de 1908, filho de Floduardo Pinto Rosa, pequeno
comerciante na cidade mineira de Codisburgo (que significa a
cidade do coração), e de Francisca Guimarães Rosa, a dona
Chiquinha.
Quando na infância, Joãozinho gostava de estudar sozinho e
brincar de geografia... Mas o tempo bom de verdade só começou
com a conquista de algum isolamento, como a segurança de poder
fechar-se num quarto e trancar a porta. Deitar no chão e
imaginar estórias, poemas, romances, botando todo mundo
conhecido como personagem, misturando as melhores coisas vistas
ouvidas ("Discutindo Literatura"; pág.8).
Conta-se que João lia, quando ainda criança, ritmando a
leitura, hábito que conservou por toda sua vida.
"Sua posição predileta para leitura era sentado no chão,
de pernas cruzadas, ao modo de Buda, com o livro aberto sobre as
pernas, curvado até bem próximo deste e com dois pauzinhos nas
mãos, batendo sobre as páginas, ora um, depois o outro,
compassadamente, em ritmo variado, ligeiro ou mais lento,
conforme a leitura movesse o pensamento".
Estudioso e atento às conversas (aos causos) dos sertanejos que
passavam pela venda de seu pai, aprendeu as primeiras letras com
mestre Candinho e francês com frei Esteves. O menino foi para
Belo Horizonte em 1918, onde se matriculou no famoso colégio
Arnaldo.
João, que estudava por sua conta línguas e histórias naturais,
tornou-se um poliglota.
"Falo português, alemão, francês, espanhol, italiano,
esperanto, russo... Leio sueco, holandês, latim e grego. Entendo
alguns dialetos alemães. Estudei a gramática do húngaro, do
árabe, do sânscrito, lituânio, do polonês, do tupi, do
hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês e
outras. Estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas
ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma
nacional".
(Trecho da entrevista de Guimarães Rosa concedida ao alemão
Gunter Lorenz).
Ingressou na Faculdade de Medicina e manteve o interesse pela
literatura. Em 1929, venceu com o conto "o Mistério de
Heghmore Hall", um concurso da revista "O
Cruzeiro", que publicou em julho do mesmo ano. Era a
estréia literária do autor.
"Para o poeta Guimarães Rosa tudo começa na palavra. Desde
a criação das coisas e dos seres. É nós nos distinguimos pelo
uso que dela fazemos. O homem é a sua linguagem. Palavras
aproximam ou separam. Por palavras senso e sensibilidade se
medem, definem e estimulam. O próprio pensamento é a palavra
escondida. Está no Gênesis que, por divino comando o primeiro
homem dialogava com o Criador e deu o nome às coisas vistas.
Depois, ?na terra não havia se não uma mesma língua e um mesmo
modo de falar. Unidos pela força da palavra igual, crescendo em
vaidade, espalharam-se os homens pela Terra, quando lhes foi
exposta - como castigo - a separação das línguas. Babel. A
unidade rompida. A incompreensão. As palavras reúnem e também
separam".
6º ato - Do médico das almas ao escritor: Contista e
romancista
O médico das almas: o místico.
João Guimarães Rosa, formou-se em medicina na Faculdade de
Minas Gerais, com apenas 16 anos. Segundo colega de turma Dr.
Ismael de Farias, no velório de um estudante vitimado pela febre
amarela, em 1926, teria Guimarães Rosa dito a famosa frase:
"As pessoas não morrem, ficam encantadas", que seria
repetida 41 anos depois por ocasião de sua posse na Academia
Brasileira de Letras.
Guimarães vai exercer sua profissão de médico em Itaguara,
pequena cidade que pertence ao município de Itaúna, Minas
Gerais, onde permaneceu por dois anos. Seu relacionamento com a
comunidade, com os "raiozeiros" e os
"receitadores", fez ser reconhecida sua importância no
atendimento aos pobres e marginalizados, ao ponto de se tornar
grande amigo de uma deles, Monoel Rodrigues de Carvalho, mas
conhecido por seu "Nequinha", que morava no Grotão,
enfurnado entre morros, num lugar conhecido por Sarandi - onde
colhei matéria-prima para o seu primeiro livro
"Sagarana", lançado em 1946.
Os Ciganos
Valendo-se da ajuda de um amigo, que fazia as vezes de
intermediário, o jovem médico procurou aproximar-se daquela
"gente estranha"; uma vez conseguida a almejada
aproximação, passava horas envolvido em conversas com os
"calões" na "língua disgramada" que eles
falavam. Como diria mais tarde, Manoel Fulôm protagonista do
conto "Corpo Fechado de Sagarana", que resolveu viajar
no meio da ciganadam por amor de aprender as mamparras de lá
deles.
Também em Faraó e na Água do Rio são contos do livro
"Tutaméia", Guimarães Rosa refere-se com especial
carinho a essa gente errante, com seu peculiar modus vivendi, seu
temperamento artístico, sua magia e sua artimanha.
A superstição e misticismo
A superstição e misticismo acompanhariam o escritor por toda a
vida. Ele acreditava na força da lua, respeitava curandeiros,
feitiços, a Umbanda, a Quimbanda e o Kardecismo. Diziam que
pessoas, casas e cidades possuíam fluidos positivos e negativos
que influenciavam nas emoções, nos sentimentos e na saúde de
seres humanos e animais.
Em 1934, Guimarães se desiludiu com a profissão. "Não
nasci para isso". Escreveu para um amigo, enviando-lhe uma
carta. Na ocasião João Guimarães Rosa prestou concurso para o
Itamaraty e iniciou a carreira diplomática. Posteriormente
Guimarães Rosa foi designado para o posto de Cônsul - adjunto
do Brasil em Hamburgo. Em maio de 1938 o jovem diplomata toma o
navio para Alemanha. Na Gênesis da Segunda Guerra Mundial - uma
convergência de tempo e espaço o colocou no olho do furacão do
maior acontecimento do século XX. A atividade de Guimarães Rosa
no Consulado Geral em Hamburgo em favor dos judeus perseguidos
seria um exemplo não de ação política, pois a ação
política era o Nazismo, mas sim de ação diplomática. Aqui
encontramos a concentração platônica da justiça - a harmonia
dos elementos naturais de um todo, sem excesso de nenhum sobre o
outro.
É esse totalitarismo que ele se refere quando Lorenz
perguntou-lhe sobre sua atividade em Hamburgo em favor dos judeus
perseguidos pelo Nazismo. "Eu, homem do sertão não posso
presenciar injustiças".
O Reconhecimento
Em reconhecimento a essa atitude o diplomata e sua mulher foram
homenageados em Israel, em abril de 1985, com a mais alta
distinção que os judeus prestam aos estrangeiros: o nome do
casal foi dado as encostas que dão acesso a Jerusalém.
O escritor: contista e romancista
"A língua e Eu somos um casal de amantes que procriam
apaixonadamente" - João Guimarães Rosa.
Dedicou-se a diplomacia, e, fundamentalmente, as suas crenças
descritas em sua obra literária. Fenômeno da literatura
brasileira. Rosa começou a escrever aos 38 anos. O autor, com
seus experimentos lingüísticos, sua técnica, seu modo
ficcional renovou o romance brasileiro, concedendo-lhe caminho
até então inéditos. Sua obra se impôs não apenas no Brasil,
mas alcançou o mundo. Tornando-se uma grande estrela literária.
João, um escritor cuja formação foi profundamente marcada pela
experiência de mediação entre dois mundos, ou entre dois modos
de vida, um rural e tradicional e outro urbano e moderno. A
mistura programática desses saberes faz da obra de Rosa um
espaço permanente de negociação entre a modernidade urbana e a
cultura tradicional ? oral das comunidades rurais, ou de
articulação do espírito de vanguarda e o interesse no
regional, o que, superando o dualismo resulta numa mescla de
formas cultas e populares: arcaísmo, neologismos, regionalismos
e estrangeirismos. Foi também sofisticado leitor de uma gama
extensa de assuntos: zoologia, religião, literatura, filosofia e
pintura.
Principais obras
"Sagarana" (1946), uma inédita força lírica, um
sopro épico inigualado, trazendo em primeiro plano da ficção
nacional o ?sertão mineiro?, a civilização do couro do nosso
interior, tema literário que aparentemente se esgotara nas mãos
de Afonso Arinos ou de Hugo de Carvalho Ramos.
"Corpo de Baile"
(1956) reúne um extenso conjunto de novelas que, atualmente é
publicada em três partes: Manoelzão e Minguilim, no
Rubiquaquá, Pinhém e Noite do Sertão.
"Grande Sertão: Veredas" (1956), seu primeiro e único
romance de ressonâncias épicas que alçará o sertão
brasileiro ao mais alto plano da expressão universal. A força
sem paralelos dessas obras, a sua visceral e inesperada
inventividade lingüística, mobilizou todos os recursos
possíveis da língua portuguesa.
7º ato - O vaqueiro João nas trilhas do Grande Sertão
A linguagem Rosiana consegue ser, a um só tempo, regional e
universal, presente e atemporal, popular e erudita, mesclando, no
papel, a genialidade do diplomata poliglota e do indivíduo que
andava pelos grotões do sertão, munido de seu caderninho,
anotando os ?causos? que posteriormente poderiam vir a compor sua
obra. O sertão explorado por Rosa não é o sertão nordestino
retratado nos romances regionalistas. Trata-se do sertão
mineiro, familiar ao escritor, marcado não pela aridez, mas pela
abundância.
Em "Grande Sertão: Veredas", um dos romances mais
ricos e complexos da literatura universal, assistimos à
narração de Riobaldo, que, anos depois, conta a um interlocutor
as suas aventuras do tempo de jagunço. Em um texto que trabalha
simultaneamente com experiência e como a memória, assistimos a
uma re-laboração, realizada pelo protagonista-narrador, das
dúvidas e angústias que lhe assolam a existência. Trata-se de
um texto universal, na medida em que levantadas são as mesmas
com que o homem se defronta desde o início dos temos?.
"Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem
não, Deus esteja. O senhor ri certas risadas... Olhe: quando é
tiro de verdade, primeiro a cachorrada pega a latir,
instantaneamente - depois, então, se vai ver se deu mortos. O
senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja: que
situado sertão é por campos-gerais a fora e dentro, eles dizem,
fim de rumo, terras altas, demais do Urucaia. Toleima. Para os de
Corinto e do Curvelo, então o aqui não é dito sertão? Ah, que
tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de
fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com
casa de morador; e onde um criminoso vive seu cristo-jesus,
arredado do arrocho de autoridade. O Urucuia vem dos montões
oestes. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho.
Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães,
é questão de opiniões... O sertão está em toda parte" -
João Guimarães Rosa.
Liberdade à bondade de Deus. Há sobreposição das várias
lutas: a luta pela sobrevivência; a luta pela sua própria
emancipação; a luta contra o mistério do mal; e pelo sentido
da vida. O sertão Roseano tem sincretismo religioso. Tem
caboclo, tem romaria sertaneja. Tem um povo que tem fé. Que
crêem em Nossa Senhora como forma de união e clamam por sua
bênção para fazer chover no nosso sertão.
O sertão aceita todos os nomes: aqui é os Gerais, lá é o
Chapadão, lá acolá é a Caatinga. As Veredas do Sertão é o
cenário onde se dá a travessia, onde o homem conquista sua
maioridade, onde se decide sobre o bem e o mal. Como travessia do
vaqueiro João Guimarães Rosa, pelo sertão, montado na ?mula
balalaika?, se intitulando vaqueiro-amador.
Rosa acompanha, em 1952, a travessia da boiada da Sirga até a
fazenda São Francisco ? uma trajetória de dez dias em um
percurso de 40 léguas. Preocupado em registrar suas descobertas,
revela, no seu encontro, a sua faze etnógrafo, interessando não
apenas na cartografia da região, mas, sobretudo, na cultura dos
boiadeiros e sertanejos que viriam povoar sua obra.
"Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas
duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras
palavras, gostaria de ser crocodilo, vivendo no Rio São
Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes
rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície
são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos
e escuros como o sofrimento dos homens" - João Guimarães
Rosa.
8º ato - Estrelas em poesia!...
O Rio de Janeiro é a cidade do samba, é o celeiro de bambas...
A celebração irradia quando a estrela de luz que nos guia
ilumina a nossa velha-guarda, que traz os "academicistas do
samba" e a Avenida contagia.
O brilho das estrelas em poesia é acreditar na força que elas
têm, desvendando seus mistérios, e aí então deixar que suas
luzes entrem alma adentro. Carregar as estrelas seja como
conduzir um candeeiro, para que, onde que se vá, longe, alto,
possa, os outros perceber a claridade.
Celebramos "à volta" dos corpos iluminados ao universo
cósmico. Machado de Assis e Guimarães Rosa deixam-nos um grande
legado: suas obras literárias, poesias, contos e fantasias... Os
academicistas do samba: a nossa velha-guarda, sob o manto verde e
branco despede-se desses grandes mestres da literatura nacional,
que para sempre brilharão em nossas vidas.
A Estrela de Machado vive;
A Estrela de Guimarães brilha;
A Estrela da Mocidade nos conduz...
E apresenta: Clube Literário - Machado de Assis e Guimarães
Rosa. Estrelas em poesia!
Fecham as cortinas!
Aplausos!
Carnavalesco e desenvolvimento do enredo: Cláudio Cavalcante
Autores: Cláudio Cavalcante e Armênio T. Fraga
Pesquisa e texto: Marcos Roza
Agradecimento especial: Cícero Sandroni (Presidente da Academia
Brasileira de Letras); Alexei Bueno (Curadour da Exposição
"Machado Vive" - ABL); Anselmo Maciel (Projeto e
Execução da Exposição "Machado Vive" - ABL) e todos
os Acadêmicos da ABL que contribuíram com textos e depoimentos
para a composição deste enredo.
Colaboradores: Wilker Jorge Leite Filho (diretor artístico -
Mocidade); José Luiz Azevedo (diretor técnico de carnaval -
Mocidade).