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Kunhã-Eté: O Sopro Sagrado da Jurema
(Unidos de Padre Miguel - 2026)
Carnavalesco: Lucas Milato Enredistas e sinopse: Clark Mangabeira e Victor Marques Prelúdio Em
2026, a Unidos de Padre Miguel faz do seu cortejo um redemoinho de
tempo, mito e memória: o enredo “Kunhã-Eté
– O Sopro Sagrado da Jurema” é uma homenagem
ficcionalizada e carnavalizada à heroína indígena
Clara Camarão, símbolo da força potiguara que
atravessa séculos, combinando ancestralidade, espiritualidade e
resistência. O desfile será dividido em três grandes
setores narrativos. O primeiro setor dá início à
saga com o nascimento encantado de Clara, evocando a profecia do
Xamã que, em transe de Toré e Jurema, anuncia sua vinda
ao mundo flechada pela Mãe D’Água e banhada nas
águas do Potengi, onde nasceu, para ser heroína
guerreira. O segundo setor adentra os feitos históricos da
Kunhã-Eté, exaltando suas três grandes
participações em batalhas contra invasores holandeses: a
missão de escolta de famílias a Porto Calvo na
década de 1630; a Batalha de Tejucupapo, em 1646, quando liderou
mulheres armadas de coragem, água fervente e pimenta; e, por
fim, a Primeira Batalha dos Guararapes, em 1648, ao lado do esposo
Filipe Camarão (Poti), enfrentando os invasores. No terceiro e
último setor, o enredo mergulha no encantamento de Clara —
sua transformação em entidade sagrada que habita a
Juremá, onde vive entre os encantados, eternizada como
guardiã do povo, da floresta e da história. Clara
não é apenas lembrada: ela é reencantada no
carnaval como mito que pulsa entre os maracás potiguaras e os
tambores da comunidade da Vila Vintém.
Sinopse I É tudo mito. Desde tempos imemoriais, dança-se o Toré. Toré é roda, é círculo, é sagrado. Toré é vida em espiral, acendendo o mundo. É redemoinho de vento e de mata, que traz à vida uma nova filha potiguara. Vozes da pedra, da água, do tempo, do encanto. Quando o maracá canta, o passado responde. Quando a noite cai espessa, os Potiguaras dançam em círculo ao som dos maracás. É tempo de nascimento, de passar o sangue vermelho à nova kunhã. No Toré, ritual sagrado e coletivo, o mundo toma forma e ancestralidade. A vida de uma kunhã revela-se como a vida da comunidade inteira, fortalecida na folha nova. Cocar é cabeça. Pintura é o corpo. Maracá é o pé. Jurema é a alma. É o sopro de Tupã vertendo a seiva dos troncos velhos às ramas novas, raízes potiguaras que alimentam os mais novos. Nasce a Kunhã-Eté sob a fumaça do Xamã, na mistura dos mistérios do cachimbo, entre goles da Jurema sagrada, ponte entre mundos, via dos espíritos e encantados, no Rio Potengi. Na fumaça, os caminhos se revelam. No tempo, a profecia toma forma. Sopro é reza. E a menina vive no Toré embebido em Jurema, vida que atravessa os tempos. À luz, nos braços do Xamã, a criança é lavada nas águas vermelhas de urucum, tingida de ancestralidade potiguara. Quando tudo se junta no Toré, não é apenas um ritual: é o povo inteiro pulsando no mesmo corpo encantado. Então, o Xamã vê surgir, imensa, a Mãe D’Água, que a flecharia. Flechar é ver além, é despertar com o coração. O mundo estremeceu. Porque a Mãe d’Água só flecha quem precisa acordar. Ela vem, perfuma a roda, sopra com doçura e o coração, de repente, abre-se como flor. Ali, na miração, aprende-se que a água tem raiz, que lágrima é canto, e que corpo pode ser canoa. Fez-se a profecia. A menina guerreira nasceu para trazer paz potiguara contra os brancos, pela força do sangue e da vontade. Não se dobraria a homem algum. Como a mata, cresceria por onde ninguém esperava. Como o rio, encontraria sempre um caminho. Como floresta espessa, seria indecifrável. Ao contrário, decifraria como vencer. II Sob a dominação branca portuguesa, crescia a kunhã, sem jamais deixar de ser sangue vivo e rebelde — ancestralidade pulsante contra a colonização. Tupã e Mãe D’Água protegiam seu espírito, em nome dos ancestrais e encantados, sustentando a seiva vital da pequena nobre guerreira. A força da floresta corria em suas veias. Seu nome veio dos invasores da fé, mas fez-se história com ele. Kunhã Clara. Clara Guerreira. Clara Camarão! Casada com Poti, ela lutaria, indomável, pela liberdade dos seus. E venceria os leões e as tulipas das bandeiras holandesas. A lança de Clara cortava mais fundo que qualquer espada europeia. Não o faria pelos colonizadores. Faria pelos seus, pelo sangue potiguara. Sangue do seu nome batizado, eterno. Clara Camarão, que domaria os leões e venceria guerras. E três seriam as vitórias: A primeira, salvando famílias em fuga para Porto Calvo. A segunda, com água fervente e pimenta, sopradas pelo vento em caminhos traçados por mulheres, para defender a comunidade de Tejucupapo. A terceira, nos Guararapes, salvando o povo inteiro. Três batalhas, um só grito: “Por nós!” Os leões e as tulipas partiriam. Porque é do sangue potiguara que brota a vitória. Clara lutava como reza: de olhos firmes, com a alma em pé. Pelos seus, nunca pelos invasores. III Clara pagaria com a dor da ausência de Poti. Adeus, guerreiro. Mas mesmo rasgada das páginas da história, dançaria no Toré da memória. No doce gole de Jurema, ela se encantaria. Quem se entrega à Jurema não morre — se transforma. Venceria outra batalha: a do esquecimento. E, flechada que fora pela Mãe D’Água, dobrar-se-ia ao mundo dos encantados. Jurema sagrada e Clara gravada nos livros de aço da memória. Encantada e mulher guerreira, Kunhã-Eté no sopro sagrado da Jurema rumo à eternidade. Habitaria para sempre as matas e águas sagradas. Ao lado do Pai do Mangue, de Flozinha, Haja-Pau, do Gritador e de tantos outros que vivem nas Igrejas Velhas, onde se bebe e vive a Jurema. Jurema dos seus. Ancestralidade potiguara presente. Na mata, seu nome é sussurro. No Toré, seu nome é canto. Na história, seu nome é flecha. Eis a visão. Eis a profecia. Eis o mito. E o Xamã, daquele encontro com a Mãe D’Água, entendeu: tudo o que já foi, seria. *** Hoje, a Vila Vintém se encanta! Porque o Brasil é terra indígena que tem Dona. Dona Clara Camarão, cuja lança crava a memória e a consagra como heroína potiguara brasileira. Glossário: Kunhã-eté
– Na língua tupi, "Kunhã"
significa mulher. "-Eté" é um sufixo de
intensidade, que pode ser traduzido como verdadeira ou genuína.
Kunhã-Eté é, assim, a mulher verdadeira, mulher
autêntica. No contexto da mitologia potiguara, ela representa a
guerreira espiritual e ancestral, portadora de sabedoria e
força, que nasce do Toré e da Jurema como filha da
floresta, da água e do povo.
Toré – é o ritual sagrado dos povos indígenas do Nordeste, especialmente entre os Potiguaras, onde se canta, dança e toca maracá em círculo. É prática espiritual, celebração da ancestralidade e conexão com os encantados. Tejucupapo – localidade de Pernambuco onde, em 1646, ocorreu a Batalha de Tejucupapo, quando mulheres indígenas e camponesas enfrentaram tropas holandesas com armas improvisadas — como água fervente, pimenta e paus. No enredo, Tejucupapo representa o símbolo da coragem feminina indígena e popular, um feito de resistência coletiva que ecoa como mito e história. Mãe D’Água – simbolicamente, no enredo, é a entidade mítica que habita os rios, mares e nascentes. Na cosmologia potiguara, ela teria natureza encantada e feminina, ligada à sabedoria ancestral, ao mistério das águas e ao poder de transformação. No enredo, ela “flecha” a Kunhã-Eté, isto é, desperta sua missão espiritual e guerreira — flechar é chamar alguém para o caminho do encantamento e da consciência. Xamã – figura espiritual central dos povos indígenas, o Xamã é o mediador entre mundos, curador, condutor de rituais, guardião das tradições e conhecedor das ervas e visões. No enredo, é ele quem sopra a fumaça da Jurema, lê os sinais, anuncia a profecia e o nascimento da Kunhã-Eté, e guia o povo no Toré — sendo a ponte entre o visível e o invisível. Jurema –é uma planta sagrada usada em rituais de cura, miração e conexão com o mundo dos espíritos e encantados. Rio Potengi – é um rio localizado no atual estado do Rio Grande do Norte. Fontes sobre Clara Camarão indicam que ela nasceu nas margens do Potengi e ali cresceu antes de se tornar guerreira. Referências: ASSOCIAÇÃO Grupo Cultural Heroínas de Tejucupapo. Disponível em: https://www.cultura.pe.gov.br/pagina/patrimonio-cultural/imaterial/patrimonios- vivos/associacao-grupo-cultural-heroinas-de-tejucupapo/ . BATISTA, Maria Nilda Faustina et al. Cosmologia e espiritualidade Potiguara. 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