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Egbé Iyá Nassô
(Unidos de Padre Miguel - 2025) I Agô!
É no sangue que corre a vida. É o Axé que nos faz viver. Orixá é cabeça da nossa força! E do ventre da Iyá de todos nós, o Axé chegou de mãe para filha, de mãe para uma nação. A Iyá que legou ao mundo o vermelho-sangue da fé de pretas e pretos que matiza nossa terra, nossa Vila Vintém, nosso pavilhão. Hoje, os tambores do samba ecoam a tradição oral e um chamado ancestral, conectando o Orun dos Orixás às raízes profundas da vida Iorubá. E, pela força do Axé, se levanta o Boi Vermelho em um cortejo mágico para buscar a exuberância de reinos encantados, filhos do ventre sagrado de Ialorixás que pairam entre divindade e humanidade e que se fundem na gênese da criação Nagô. O vento, em seus sussurros, revela o resplandecer do vermelho ardente, enquanto grãos de areia acariciam o solo, testemunhando passos que acalentam as almas. No céu, o orvalho se ergue como lágrimas de gratidão em honra ao Alafin. Na corte do palácio, rainhas e princesas adornam o Adê do Rei com sua preciosa beleza. Kaô Kabecilê Xangô! Em Oyó-Ilé, a majestade resplandecia, refletindo a força dos segredos guardados pelas Iyás. Suas vidas eram devotadas ao bem, como uma poesia eterna entoada aos deuses. Os tesouros que teceram o Adê de Xangô se espalhariam pelo Brasil, entrelaçando mistérios e ancestralidade. II Os raios de Oòrún e a luminosidade de Òsùpá testemunhavam os dias de esplendor e as noites de glória que banhavam Oyó. Mas o horror dos ventos de imposta mudança soprou impiedosamente com a fúria covarde de usurpadores, rasgando o tecido da existência do império. No horizonte, uma travessia de dor, procissão ao desconhecido dos filhos e filhas que carregariam o lume de outrora em seus corações. Nas espumas do Atlântico, onde lágrimas se confundiram com ondas, a fé se ergueu como velas a singrar os destinos através das águas turbulentas. O grivar daquelas velas destronadas de Oyó apontava na direção de outros rumos. O legado de uma África ancestral, entrelaçado com a coragem e determinação de uma princesa destemida, desembarcou nas terras sagradas de Salvador. Seus passos trouxeram consigo lembranças, afetos, saberes. Pulsava em seu peito a justiça e o Axé como um coração vibrante: Iyá Nassô, a filha de Oyó sob o Oxê de Xangô. O tecido vermelho que outrora adornava o trono do Alafin não se esvaneceu. Iyá Nassô, guardiã e herdeira do sagrado segredo do Axé, o trouxe consigo, erguendo das cinzas uma chama ardente de esperança alimentada pela fé inabalável em seus Orixás, tornando-se um farol de resistência e resiliência para todos os seus descendentes. III Pela Ladeira do Berquó, Iyá Nassô, ao lado de outras princesas, protegidas pela força invencível de Ayrá Intilé, consagraram a luz da tradição nas imediações da Capela da Confraria de Nossa Senhora da Barroquinha. A fé se enraizou. Xangô, com seu trovão e tempestade de justiça, abençoou e guardou Iyá Nassô, tecendo um manto de proteção invisível, mas impenetrável. E a resistência negra, nas vizinhanças católicas, se encontrou em irmandades, confrarias e sociedades secretas de pretas e pretos que nunca esmoreceram. Firmado um elo com suas irmãs de Ketu, Iyá Adetá e Iyá Akalá, e com a ajuda de outro venerável que permaneceu ao seu lado, Babá Assiká, Iyá Nassô teria plantado o Axé, semeando a fé primordial e dando o sopro da vida ao Candomblé no Brasil. Cada lágrima derramada foi uma prece silenciosa que ecoou pelos corredores do tempo. Entre os sussurros das noites escuras e os murmúrios dos dias sufocantes, as sementes dos Orixás foram abençoadas no solo brasileiro, carregadas de esperança e coragem. Sementes que, nutridas pela determinação e regadas pelo suor da devoção, começaram a germinar. Cada cântico entoado, cada tambor ressoado e cada ritual celebrado foi um ato de fé que fortaleceu as raízes dessa árvore sagrada. Nos arredores da Barroquinha, o Ilê Iyá Omi Axé Ayrá Intilé se enraizou como um bastião de esperança, uma fortaleza espiritual construída com os tijolos da ancestralidade e o cimento da união de todas as nações. Ayrá Ponon Opukodê! No solo abençoado, onde a dor se transformou em força e a opressão se converteu em resistência, a semente dos Orixás começou a florescer. As folhas de seus ramos abrigaram os filhos e filhas da diáspora, oferecendo sombra e consolo. IV Todavia, o preconceito, como uma doença, sempre estava à espreita, impregnando os ares com intolerância. As religiões ancestrais, vivas nas almas dos negros e negras, eram vistas com desdém pelos olhos cegos de brancos indoutos e desprezíveis. Diante da injustiça e pela luta, o brado dos revoltosos! O grito dos Imalês ecoou pela noite, marcando profundamente o coração maternal de Iyá Nassô. Tendo os filhos perseguidos após a Revolta dos Malês, por professarem sua fé à Xangô, Iyá Nassô, com a bravura destemida do machado de seu Orixá, interveio bravamente por seus filhos e converteu a prisão deles em um retorno à África. Assim, para sua terra ela voltou, levando consigo sua família, de sangue e de santo, sacramentando a liberdade dos filhos e buscando mais aprendizados sobre a tradição dos rituais dos Orixás, sua força vital. Aqui, a semente plantada com tanto sacrifício permaneceu. Essa semente, enterrada no solo fértil da Bahia de Todos os Santos, guardou a promessa de renascimento e resistência, mistério de vida eterno que continuou a penetrar cada vez mais fundo no solo, mantendo viva a chama da ancestralidade. V Anos depois, o mar, testemunha viva de idas e vindas, trouxe então de volta de Uidá a sucessora filha-de-santo daquela que plantou a semente no solo baiano. Marcelina Obatossi sentou-se no trono de Xangô, dando continuidade ao legado matriarcal de Iyá Nassô, que ancestralizou em África. Obatossi, em seu caminhar, soprou a liberdade para o babalaô Bamboxê Obitikô, guardião dos segredos de Ifá e do Xirê, ancestrais que regaram o Axé plantado pela Mãe de Todos. O terreiro foi consagrado com seu nome, agora em outra encosta, em outro morro de fé. Reergueu-se como Ilê Axé Iyá Nassô Oká, considerado o mais antigo terreiro de Candomblé do Brasil, com a Casa para Xangô, o terreno para Oxóssi e o Axé de Oxum, a tríade que compõe seus alicerces. Foi na Casa Branca do Engenho Velho, com os assentamentos de Ayrá e de Oxóssi vindos da Barroquinha, que o Axé encontrou refúgio definitivo sob a Coroa assentada de Xangô, um santuário construído com as mãos calejadas da fé, à sombra do Bambuzal sagrado de Dankô e no acalanto das águas de Oxum. Uma Casa onde Oríkì’s sagrados ecoam pelos corredores. De lá, as sementes continuaram a se espalhar pelo Brasil, pelo Rio de Janeiro e pela Vila Vintém, e as festas do calendário espiritual da Casa são a presença viva do matriarcado de Iyá Nassô. VI No próximo carnaval, essa semente dará muitos frutos em forma de homenagem àquela que é considerada a Iyá de todos os Ilês, a Mãe de todos os terreiros. Que sua história seja contada e celebrada com alegria, pois seu legado vive em cada toque dos atabaques, em cada dança sagrada, em cada gesto de devoção aos Orixás. Que sua luz continue a guiar os passos daqueles que buscam a verdadeira essência da fé e da ancestralidade. A comunidade vai cantar o pertencimento ao Egbé Iyá Nassô. Unidos, celebraremos a força que nos guia, mantendo viva a chama do Axé e honrando o legado eterno de nossas raízes. O espírito de Iyá Nassô até hoje floresce em cada canto, fazendo ecoar a união que reverbera através dos tempos. Assim, hoje o Egbé Vila Vintém bate seus tambores. Somos mais uma Pequena África. Somos mais um terreiro sagrado de Samba. Somos o cortejo de um povo feliz. Somos mais uma nação orgulhosa nascida do ventre do Axé. Somos filhos e filhas das Mães Baianas. Somos descendentes de Iyá Nassô e do machado da justiça de Xangô. Somos Unidos nas cores das Áfricas e do nosso Orixá. Somos o Branco de Ayrá Intilé e o Vermelho de Xangô. Somos o Boi Vermelho que humildemente bate cabeça em reverência ao Ilê Axé Iyá Nassô Oká. Somos parte de uma comunidade de fé. Aguerridos, somos Egbé Iyá Nassô. Carnavalescos: Alexandre Louzada e Lucas Milato Enredistas: Clark Mangabeira e Victor Marques Texto da Sinopse: Clark Mangabeira e Victor Marques Gratidão e devoção sempre à presença viva do Axé da tradição da Casa Branca do Engenho Velho, que tanto nos ensinou e ensina, e agradecimento pelo auxílio e colaboração mais do que especiais da pesquisadora pós-doutora e Ekedy Lisa Earl Castillo. ___ Glossário: Egbé – comunidade Agô – pedido de licença Iyá – mãe Orun – céu Adê – coroa Oòrún – sol Òsùpá – lua Oxê – machado de duas pontas, símbolo de Xangô Oríkì’s – saudações aos Orixás e frases portadoras do Axé Dankô- Orixá Senhor dos Grandes Bambuzais Ayrá Ponon Opukodê – saudação: “Assim Ayrá ficará muito feliz”. Kaô Kabecilê Xangô – saudação: “Venham saudar o Rei Xangô!” Oyó-Ilé – capital do Império de Oyó. Alafin – título do rei do Império de Oyó Referências: CASTILLO, Lisa Earl. The Exodus of 1835: Agudá Life Stories and Social Networks. In: T. Babawale, A. Alao and T. Onwumah (orgs.). 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