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Nelson Gonçalves - O Autorretrato do Rei do Rádio (União de Maricá
- 2019)
SinopseMeu
nome é Antônio Gonçalves Sobral. Sou gaúcho
de Santana do Livramento, fronteira com o Uruguai. Nasci em 21 de junho
de 1919, filho do português Manoel Gonçalves, o
líder de uma trupe mambembe e de Libânia de Jesus, uma
dançarina. Levávamos uma vida de cigano até
fixarmos residência no Brás, em São Paulo. Se eu
for contar a minha vida, qualquer poeta escreve um drama; pois ela
sempre foi uma luta, onde minha arma era a minha voz e o meu destino
era cantar.
De meu pai amado, malandro encantado, herdei o dom da canção. Cantando a paixão, passei o chapéu em troca da minha arte, para ganhar o pão. Já desejei estrelas… ainda criança trabalhei como jornaleiro, engraxate, mecânico, polidor, tamanqueiro, garçom e fui boxeador. Mas, meu maior desejo era cantar, gravar e encantar. Rumei então para Rio de Janeiro afim deste sonho alcançar… e alcancei! Minha emoção maior foi meu primeiro disco. Quando ouvi minha primeira gravação profissional, interpretando um samba de Ataulfo Alves, fiquei pensando: ‘Eu canto bem’. Havia aquelas vitrolas que você colocava as moedas pra tocar as músicas, voltava pra casa sem um níquel, de tanto que ‘me ouvia’. Foi aí que lancei um ritmo novo: o samba sincopado. A divisão é difícil de fazer. Nasceu comigo! Em 60 anos de uma trajetória de sucesso, com meu timbre de voz único e potente extensão sonora, incorporei toda a emoção que os grandes cantores de minha época despertaram em seus fãs. Mas já pisei na lama! Da Rádio São Paulo, passando pela Mayrink Veiga até o sucesso derradeiro na Rádio Nacional foram muitas provações e reprovações, que me fizeram entender que eu tinha que receber o não como sim e ir em frente. Cantei todos os gêneros musicais. Fiz serenata à luz da lua, cantei paixões desiludidas… Ah! Que saudade me dá… da “Era de Ouro do Rádio”… do Café Nice, que era um pedaço do céu. Das batucadas e papos com Lamartine, Pixinguinha, Francisco Alves e Ismael… Braguinha, Caymmi, Ary Barroso, Donga, Ataulfo, Almirante e Noel. Eu no samba varava a madrugada, o Café Nice amanhecia em festa. Cartola afina a viola… que pena que agora só a saudade é o que resta. Gostei de andar à toa por aí, no meio das perdidas. Pois, só é feliz nessa vida, acredite quem quiser, quem traz no seu coração Deus, São Jorge e a Mulher. Deus, para garantir a paz, São Jorge, a proteção e a mulher, pra tudo mais. Já fui senhor e dono dos cabarés, no reduto da malandragem, dos capoeiras; de Miguelzinho Camisa Preta, Madame Satã, Meia-noite, Sete Camas, Sete Coroas e Mano Edgar. Fui recebido como um rei nos bordéis, na minha Lapa boêmia, onde a lua só ia pra casa depois do sol raiar. Fui excessivo na minha arte, em tudo o que fiz. Vivendo assim deixei meu sangue nos velhos botequins do Mangue. Alternei golpes de violência e ternura, como se encarnasse o drama das minhas canções. Já tive o brilho da riqueza a meus pés, Sou recordista mundial absoluto em gravações – foram mais de 2000 músicas, de vasto e eclético repertório. Vendi mais de 80 milhões de discos – e continuo vendendo. Ganhei 38 discos de ouro e 20 de platina. Também fui contemplado, pela RCA, com o Prêmio Nipper, recebido apenas por mim e por Elvis Presley. Mas já dormi nos pardieiros e hotéis… já vaguei nas madrugadas, fui o dona das calçadas. Pra todos aqueles que me estenderam a mão, dividi meu coração. Na boemia da cidade, fui soberano da roleta e no turfe, fui sua majestade o jogador! Meu dinheiro, mil mulheres conquistou. Meu dinheiro, tanta gente alimentou. Um rio de champagne, sorrindo derramei. Gastei a minha mocidade, que em fichas e apostas transformei. Minha louca fantasia, foi assim me envelhecendo. Em minha vida, nem tudo foram flores, encontrei dissabores. Na minha maior queda, a não ser Adelino Moreira, meu fiel parceiro e grande compositor, para cada “amigo”, num estranho me tornei… nem um cão entre “eles” encontrei. Mas, a força do amor me fez vencer. Eu sou campeão! Da batalha da vida. Eu sofri, chorei, caí, mas levantei. E para ser vencedor, eu lutei. Fui um rei que governava a si mesmo, que não vivia a esmo, e soube vencer a dor. Um rei que teve brava rainha, que com sua ajuda e a força do nosso ideal, venceu a guerra, do bem contra o mal. Fiz de tudo que podia e de tudo que eu fazia, não me arrependo. Para quem diz, que nada fiz de extraordinário, deixo coisas, muitas coisas que atestam o contrário. Pra quem ficar no meu lugar: muito progresso! Pra que possa superar meu recorde de sucesso. Fui o Rei do rádio, o Rei da boemia. Quando lembro, que alegria! Quando conto, me comovo. Ainda, sob a mesma lua, o meu canto continua com sabor de samba novo. Quem faz parte da história, fica sempre na memória carinhosa do seu povo. Não interpretei absolutamente nada. Fui mesmo tudo aquilo que cantei. Sei que nada volta um dia, mas eu juro que faria tudo de novo. Nelson Gonçalves Autor: Renato Figueiredo (Inspirado na música “Auto-Retrato” Composição: Paulo César Pinheiro / Ivor Lancellotti) |
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