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Mistérios da Meia-Noite (União de Maricá - 2017)
Mistérios da Meia-Noite (União de Maricá - 2017)

OBJETIVO DO ENREDO:

O Brasil é um país cheio de heranças culturais, principalmente indígenas, africanas e europeias que, pela oralidade, se consolidaram ao longo de diversas gerações. Devemos lembrar de como o homem, desde que começou a viver em comunidade, assentando acampamentos com sociedades seminômades e depois sedentárias, adquiriu o hábito de se reunir em volta de fogueiras para contar histórias, verdadeiras ou não, mas que serviam como entretenimento e formação de costumes. Dessa natureza de contar histórias, surgiram os contos de fadas (histórias de magia, como Cinderela) e os contos maravilhosos (histórias sociológicas, como Aladim). Também surgiram as fábulas (histórias de animais). Mas um tipo de história sempre esteve presente, a lenda; que tem a pretensão de fazer o outro acreditar, por mais fantasiosa que seja. Entretanto, para muitos, essas mesmas histórias são mais do que simples contos fantasiosos, mas verdades contadas de avós para pais e de pais para filhos, incontestáveis embora inexplicáveis.

O folclore brasileiro, de uma forma ou de outra, sempre esteve presente nos desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Porém, ao mesmo tempo que volta e meia surge em forma de alegorias ou fantasias, está ausente pela insuficiência de um enredo exclusivamente sobre esses personagens que residem na memória popular; pois nenhum enredo de fato, se debruça sobre os mesmos, transformados em meros coadjuvantes da nossa cultura, quando na verdade, deveriam ser os protagonistas.

Assim, o G. R. E. S. União de Maricá traz como proposta para o carnaval de 2017, nas palavras anciãs verbalizadas pelos antigos pretos-velhos, o enredo Mistérios da Meia-noite, que pretende mostrar na avenida dos desfiles, histórias da terra encenadas por personagens muito conhecidos e ao mesmo tempo temidos, como fantasmas, lobisomens, vampiros, sereias, mulas sem cabeça, Curupira, Saci-Pererê, Boitatá, Chupa-cabra, Bicho Papão, Cuca, Boi da Cara-preta, Corpo Seco etc. Ou seja, o enredo proposto é, na verdade, uma homenagem ao folclore brasileiro e seus contadores de histórias.

Arthur Reiy

Renato Figueiredo

MISTÉRIOS DA MEIA-NOITE

“…Que voam longe
Que você nunca,
Não sabe nunca,
Se vão, se ficam,
Quem vai, quem foi…”

JUSTIFICATIVA DO ENREDO:

As histórias guardam em si um papel admirável no desenvolvimento das sociedades e, contá-las e recontá-las é a mais antiga e fascinante das artes. Mais que uma linguagem prazerosa, contar e ouvir histórias permite o resgate e a preservação da memória afetiva, cultural e social. Nos tempos mais remotos, os homens costumavam se reunir ao redor do fogo para se aquecer e narrar acontecimentos e, assim, as pessoas repetiam histórias que conheciam, para perpetuar suas tradições, suas memórias e seus costumes. Transmitiam as lendas e os conhecimentos acumulado pelas gerações, suas crenças, seus mitos e valores a serem preservados, com narrativas que iam do concreto ao simbólico, mas cheias de significantes e significados.

Contar histórias, além de ser uma atividade lúdica, amplia os horizontes da imaginação e conduz o indivíduo a organizar seus conceitos, através da coerência e da realidade. Sentidos como tato, visão e audição formam as primeiras disposições na memória humana, mas contar histórias é uma experiência de interação. Constitui um relacionamento entre a pessoa que conta e a que ouve, construindo uma interação a partir do envolvimento emocional que estreita os laços de identidade dos sujeitos envolvidos. Os contos enriquecem a alma, iluminam o interior, remexem com as estruturas psíquicas e, ao mesmo tempo, eleva o ouvinte à protagonista na resolução dos problemas e o faz mais flexível para aceitar a alteridade e compreender outros universos.

Mas narrar histórias é também uma forma de ensinar temas éticos e de cidadania, proporcionando um mundo imaginário que fascina. Desde criança, o homem necessita ouvir contos para desenvolver a imaginação, a observação, a percepção, o senso crítico, e a linguagem oral e escrita, assim como, o prazer pela arte, a habilidade de dar lógica aos acontecimentos e estimular a leitura.

Mas principalmente pelas lendas folclóricas, pode-se tornar possível a construção da aprendizagem relacionada à competência cognitiva social, propiciando a elaboração de conceitos, compreendendo suas próprias atitudes no mundo, e se identificando com papéis sociais a serem exercidos ao longo da existência. As histórias devem acontecer dentro de um contexto simples e de fácil entendimento, seja para a criança ou para o adulto, como extraordinárias ferramentas de transmissão de valores, porque dão contexto a fatos abstratos, difíceis de serem transmitidos ou compreendidos isoladamente.

Assim, contar histórias é preservar patrimônios imateriais, como lendas, fábulas, contos, “causos” e mistérios populares que perpetuam, sobretudo, a própria humanidade, o sentido da existência e suas experiências na Terra.

Arthur Reiy

Renato Figueiredo

SINOPSE:

Sentados à volta de uma fogueira, ouvindo os contos dos mais velhos, vemos receosos a noite se aproximar, como uma deusa cautelosa, sorrateira e soberana, escura e fria, cheia de mistérios, repleta de estranhezas da terra, de sons inexplicáveis, silenciosa e confusa, calma e perturbadora ao mesmo tempo, banhada em contradições, vestida com as cores do desconhecido, com os olhos da penumbra. À sua frente vêm estranhos mensageiros, indefinidos, flutuantes e etéreos, iluminado os caminhos para a noite passar, são estrelas, é a luz do luar, a neblina assustadora do desconhecido.

A fogueira acesa que ilumina nossa volta, afugenta os bichos e atrai curiosidades, acompanhadas do medo angustiante e da coragem reprimida, da vontade de ouvir lendas remotas e inquietantes que, somente os antigos sabem contar. Na voz branda e sussurrante, contos que se equilibram entre a verdade e a fantasia envolvem a nossa imaginação, tira nosso sono, afasta nossa tranquilidade e traz para a roda dos mortais histórias de sustos e tremores.

Os olhares se entrelaçam, buscam conforto e respostas uns nos outros, mas as lendas invocam o inusitado, flutuam sobre nossas cabeças, remexem com as emoções e desnorteiam conceitos e preconceitos. A cada palavra proferida pelos anciões, espíritos deixam as florestas e invadem nossas mentes e corações, vão seduzindo quem os ouve e tenta entendê-los, e nos convidam a penetrar cautelosamente à negra floresta insólita da imaginação. Afastam-se as raízes da razão e diversos caminhos estreitos e tortuosos são desbravados por entre as imensas árvores da insegurança.

Sons perturbadores rasgam a madrugada, confusos, misturados, estranhos e assombrosos. São uivos… grunhidos… pegadas animalescas… podemos sentir a respiração ofegante, como de uma fera faminta à lua cheia, destemida e traiçoeira, caçando os últimos vestígios de determinação. Não adianta correr… não adianta gritar. O melhor a fazer é continuar a caminhada, em busca de uma saída, de um lugar seguro. Mas não há lugares seguros, pois morcegos sobrevoam a curiosidade, povoam o imaginário e se alimentam da fraqueza e fragilidade humana, bebem do medo aquecido pelas labaredas que iluminam os rostos aflitos.

Veredas que se cruzam levam nossa curiosidade aos lugares mais extremos e misteriosos, onde moças amasiadas com vigários galopam e relincham na madrugada; soltando fogo no lugar da cabeça perdida por amor. E nem mesmo um diabinho na garrafa seria capaz de prever as estripulias de um negrinho de uma perna só a dar nós nas crinas das mulas desembestadas.

Ouvir lendas é uma oportunidade para muitos, mas uma aventura para poucos. São delas que renascem seres fantásticos que amedrontam mas também protegem, que acolhem mas também espantam. Personagens como o estranho e pequeno ser de cabelos vermelhos e pés retorcidos no lombo de um porco do mato, que engana e desengana, que finge que vai mas está voltando, que volta sem ter ido, que foi sem jamais ter saído. Que defende a caça e afugenta o caçador.

Durante toda a vida, estamos em contato direto com diversas histórias, de feiticeiras com aparência de jacarés, de bichos papões sobre os telhados, de bois da cara preta, de sereias traiçoeiras, de monstros que bebem o sangue das cabras… histórias que para muitos são fantasias, mas que para outros são fatos que estão em toda parte, por todos os tempos e o tempo todo. Histórias que comovem e transformam gerações, aproximam o passado do presente, propõem um conhecimento novo permeado de mistérios da natureza, de medos e desejos, de sonhos e pesadelos, de amor e esperança e, principalmente, de magia.

E é justamente no seio dessa floresta noturna que encontramos seres fantásticos, carregados de luz e sombra, de amor e ódio, que como a gigante serpente flamejante, devora sem piedade a razão e deixa um rastro de dúvidas, com os olhos da incerteza brilhando em sua pele.

As lendas folclóricas representam o conjunto de narrativas eternizadas pela oralidade popular, as quais são transmitidas de geração em geração por meio da memorização, possuindo suas origens na mitologia dos índios nativos, em comunhão com mitos trazidos pelos europeus e miscigenados com as crenças africanas desembarcadas pelos negros na Terra dos Papagaios. E essa mescla de diferentes culturas deram frutos a mitos únicos, mas também é possível observar diversos elementos comuns com mitos de outros povos.

Histórias profundas, envolvidas por bruxarias e encantamentos, que nos unem às raízes antepassadas e ressaltam a importância da conduta, do cuidado, do caminho a ser tomado. Sentimos medo, levamos sustos, ficamos confusos, mas continuamos a ouvi-las, querendo saber o final… como os dramas se resolvem, quem morre, quem vive ou quem sobrevive. As lendas nos levam a viagens por mundos translúcidos, de metáforas e eufemismos, de verdades que se confundem com mentiras, da valentia diluída pelo pavor, das certezas que se enamoram da insensatez.

Podemos entender que são crendices fantasiosas… mas há quem defenda serem verdades testemunhadas. Porém, ambas as possibilidades, têm em comum a oralidade traçada pela emoção, na voz de quem se dispõe a contar o que viu, ou ouviu, ou soube de quem viu e ouviu.

A cada história em torno da fogueira vemos entrar e sair das sombras seres inacreditáveis, horripilantes, que semeiam a insônia mas, ao mesmo tempo, são apaixonantes, sedutores e adoráveis que, apesar dos perigos, não vemos as horas passarem, perdidos na ilusão folclórica de um povo rico em sabedoria e receitas de ervas contra todos os males.

O dia vai amanhecendo timidamente no bailar das nuvens e continuamos perplexos, envoltos ainda por uma atmosfera fantasmagórica e assustadora, que os raios de sol vão dissipando e devolvendo o verde das folhas, as cores das flores e revelando o romantismo do orvalho a escorrer pelos galhos. Mas sabemos também que, apesar do dia, em algum lugar do mundo a noite abre seus olhos e desfia seu rosário de estrelas, libertando seus seres fantásticos e inacreditáveis, pois todos os mistérios, por mais estranhos que sejam, sempre renascem no badalar da meia-noite. E assim nos perguntamos: será verdade?

Arthur Reiy

Renato Figueiredo

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AMADIO, Ítalo. Lendas e mitos do folclore brasileiro. São Paulo: Rideel, 1991.

CASCUDO, Luís da C. Antologia do folclore brasileiro. São Paulo: Global, 2008.

MEGALE, Nilza B. Folclore brasileiro. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.

PRIETO, Heloísa. Mata – contos do folclore brasileiro. São Paulo: Cia das Letrinhas, 2000.

ROMERO, Sílvio. Folclore brasileiro – contos populares do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1954.