Sinopse Mangueira 2009
A
Mangueira traz os brasis do Brasil, mostrando a formação do
povo brasileiro
(Mangueira
- 2009)
Baseado no livro "O Povo
Brasileiro, a formação e o sentido do Brasil" do antropólogo
Darcy Ribeiro
ABERTURA
O Carnaval do Rio de Janeiro celebra os 25 anos de inauguração
do palco maior, a Passarela do Samba, popularmente conhecida como
Sambódromo, mas que traz em seu batismo o nome do grande
educador, antropólogo e político brasileiro, o saudoso
professor Darcy Ribeiro.
Nós, Mangueirenses, formadores deste contingente que, a cada
ano, temos a possibilidade de nos mostrarmos em nossa essência
de brasileiros, utilizamos esse palco para contar e
cantar nossa história, nossas tradições e nossas manifestações
populares, pintando na avenida o retrato de nosso povo.
O povo é o nosso tema. O enredo é construído
baseado no livro O Povo Brasileiro de autoria do
antropólogo Darcy Ribeiro.
A maior expressão cultural consolidada de um povo vem de seu
folclore, portanto, nosso carnaval mostrará estas manifestações
advindas das cinco regiões do país através de suas maiores
festas, sempre repletas de simbolismos e com sua beleza tão
diferenciada.
Neste super espetáculo das Escolas de Samba do Grupo Especial,
podemos, através da fantasia, retornar ao passado para reviver o
início da formação de nossa grande nação, a partir das
viagens para o novo mundo esmiuçando o avassalador contato dos
que aqui chegaram com os habitantes nativos destas paragens.
1° SETOR: O INÍCIO DE UM NOVO POVO
Para entendermos melhor como nasceu nosso país para o mundo,
voltaremos para a filosofia colonialista portuguesa dos séculos
XV e XVI. Diferentemente dos espanhóis usurpadores e
exterminadores de civilizações, a Coroa Portuguesa, até por
sua pequena área geográfica, necessitava de terras para
expandir-se, enriquecer e abastecer-se através de um comércio
efervescente.
No Brasil não foi diferente, porém, para que este
empreendimento prosperasse, vários fatores foram considerados.
Entretanto, para nós, alguns deles serão irrelevantes. Nosso país
cresce através dos séculos baseado em duas premissas: a
primeira é a produção e a segunda, seguindo pela própria
necessidade da primeira, é o assentamento deste povo, neste solo
produtivo.
A primeira visão do colonizador português ao aportar nestas
novas terras, o remete às visões mitológicas da época; o paraíso
perdido aqui se encontrava. Vislumbra-se um povo diferente, cuja
nudez é comum, inocente. Vivia-se em total integração com a
natureza, não existem roupas, moeda ou comércio, nada que se
assemelhe com a organização civilizatória européia.
Esses índios são, nessa visão, parte integrante do paraíso,
pois, somadas a exuberância da floresta com seus sons e suas
cores, instigam fortemente a imaginação dos que aqui chegaram
nestes primeiros tempos.
Entretanto, para se levar a cabo a nova empreitada, o processo
civilizatório não seria tão fácil como se supunha.
Em pouquíssimo tempo a visão angelical se desfaz, dando lugar
à nova percepção destes aborígines. Estes são organizados em
sociedades comunitárias, onde todos vivem para o bem comum,
apenas plantando e extraindo da terra o essencial para sua própria
subsistência, além da caça e da pesca.
Essas tribos também se rivalizam, tanto no comportamento quanto
na forma de expressão, e essas diferenças os levam a constantes
embates sangrentos, pois a arte da guerra era prática comum. A
conseqüência desses confrontos horrorizava os portugueses e
outros europeus que aqui chegavam, principalmente pelo destino
que esperava os guerreiros vencidos, os sobreviventes,
que seriam canibalizados, prática comum dada à crença de que
ao comer os corpos dos guerreiros vencidos, sua força seria
assimilada e dessa forma somada ao corpo dos vencedores,
tornando-os mais fortes e corajosos. Isso acontecia em rituais e,
curiosamente, com o total consentimento da vítima.
Neste início, a oferta de mão de obra branca era insuficiente
para o novo projeto extrativista de pau-brasil e também para o
plantio de subsistência, e, principalmente, quando se pensa em
um projeto expansionista agro-pecuário.
O processo escravista indígena para tal fim, não se consolida
pelo simples fato de que o índio, além de não se entender como
mão de obra manipulável, resistiria de forma violenta, tendo em
vista que jamais usou desta prática para com os seus e, dessa
forma, não havia nenhuma razão para se deixar manipular pelo
colonizador.
É o choque de culturas que, inicialmente, não são
complementares; porém, em pouco tempo o seriam.
O branco rapidamente e por necessidade começa a assimilar os
conhecimentos de sobrevivência dos índios. Aprende a reconhecer
os alimentos da terra, fará uso da caça e da pesca e, aos
poucos, implantará via importação o gado e a cana, que se
mostra viável para este solo.
Uma alternativa para o impasse da utilização de mão de obra
indígena se dá com a prática do casamento entre os portugueses
e as índias. Este processo ganha o nome de cunhadismo,
já que dessa forma, este branco passa a fazer parte da família
e terá como vantagem poder usar seus familiares para empreender
seus intentos produtivos. Os filhos destas uniões serão o embrião
desta nova nação mestiça.
O expansionismo do ciclo do gado promovido por Garcia DÁvila
na Bahia, se dá com a chegada das reses de Vacuum vindas da África,
que aqui se reproduzem e serão tocadas em direção ao interior
da Bahia, ao nordeste e ao norte, por estes caboclos boiadeiros.
No litoral o plantio da cana faz-se expressivo. A mão de obra
utilizada ainda é a escravista indígena e mestiça, o que nem
sempre se dá de forma tranqüila e cordial.
A Coroa Portuguesa clama pelo aumento de produção e o modelo
organizacional ainda não se faz eficiente, principalmente no que
diz respeito ao plantio.
Em paralelo, o processo civilizatório passa também por outra
vertente; na visão do religioso europeu, através de suas missões,
é preciso salvar e introduzir naquelas almas em danação, um
pouco de paz e promover desta forma a fermentação da utopia da
Igreja no novo mundo. Neste contexto, não demora muito para que
os interesses da Igreja colidam com os objetivos mercantilistas,
agravando ainda mais o problema da falta de mão de obra para a
demanda, que ora se apresentava.
2° SETOR: O AFRICANO E O AFRO-BRASILEIRO
A mão de obra negra é introduzida no Brasil no final do século
XVI, para suprir as necessidades no plantio da cana para a
exportação. As levas de negros se tornarão constantes até o século
XIX, entretanto, no começo desta prática escravista não há
distinção entre as habilidades dos negros que aqui aportavam,
era apenas carvão para ser queimado, já que o
raciocínio era baseado na labuta de sol a sol, sem que a importância
da manutenção física deste contingente escravo fosse levada em
consideração, pois era facilmente substituível.
Com a interiorização da colônia e seus novos assentamentos, as
exigências do cotidiano aproximam-se do modus-vivendi
da matriz européia. Fora aqueles que se aventuram a atravessar o
Atlântico com a ambição em riquezas e aliado agora ao advento
das sesmarias, não existe muita opção de trabalhadores para
suprir os fardos habituais que se apresentam.
Neste ponto, cabe explicar que os negros que aqui chegam vêm de
vários pontos diferentes da África, com seus próprios dialetos
e suas habilidades diferenciadas. A primeira barreira a ser
vencida será a da comunicação; os escravos não conseguem
interagir inicialmente por falta de coesão lingüística, forçando
os mesmos a aprender o parco, porém eficiente linguajar do
capataz. Este receberá sonoridade, um pouco diferente do
praticado na Corte e assimilará palavras oriundas da raiz tupi.
Esse mecanismo, ao longo dos séculos, tornar-se-á o principal
instrumento da união nacional.
Os negros, adaptados ao novo modelo de viver, são cruciais
quando da chegada de novos lotes para complementar os quadros
serviçais, pois estes disseminam a forma de trabalhar, o
comportamento e até o modelo sincrético de sua fé, sempre
reprimido em contraponto à imposição cristã.
Levando em conta o cuidado tomado pelos compradores destes lotes,
nos quais poucas cabeças da mesma etnia se manteriam juntas, com
a finalidade de reprimir quaisquer formas organizacionais de
rebelião, exemplificam a eterna tensão existente neste formato
de sociedade. Por outro lado, outra forma classificatória se faz
presente.
A colônia não se resume mais
ao plantio da cana ou a criação de gado. O cenário muda para
novas formas de obtenção de lucro. Com o ouro e as pedras
preciosas além da expansão urbana, os negros, com seus
conhecimentos adquiridos nas suas nações de origem, são
aproveitados além da mão de obra bruta, sendo também
aproveitados para toda uma nova gama de funções necessárias
para o bom andamento destes núcleos.
Negros experientes no trato com a madeira, mineiros conhecedores
de ouro e metais, artesãos construtores, escribas letrados e
negros de bom trato para os serviços de contato direto com as
gentes brancas.
Outra contribuição relevante
se faz na culinária, intimamente ligada aos cultos religiosos,
que se prolifera por todos os cantos do país onde existe a
presença destas etnias.
Segundo pesquisadores citados por Darcy Ribeiro, são três
grupos os que chegam da Costa Ocidental da África. O primeiro,
da cultura sudanesa, compreende os Yorubás, Dahomey e os
Fanti-Ashanti. O segundo traz grupos islamizados como os Peuhl,
os Mandinga e os Haussa do norte da Nigéria e, por fim, o
terceiro grupo é formado por Bantus vindos de Angola e do território
que conhecemos hoje por Moçambique.
Sem essa organização no processo produtivo não teríamos uma
melhor qualidade na manipulação do ouro, na cunhagem e no trato
com as pedras preciosas, em destaque para os diamantes, tudo com
o amplo direcionamento exportador.
No campo das artes mobiliárias e decorativas, os mestres artesãos
ensinam seu ofício para uma verdadeira legião exclusiva de mãos
talentosas; como conseqüência surge uma arte colonial peculiar
lembrando em parte a influência européia, mas com o nítido
peso e beleza daquela cultura, a qual se adapta e recria as
formas impostas.
O sincretismo religioso finca uma nova manifestação de fé, que
num primeiro momento constrói toda uma nova visão de devoção,
que se tornará com o passar dos séculos uma demonstração
peculiar e única da crendice e fé populares.
Enfim, usos, costumes e comportamento serão absorvidos e
incorporados, mesmo sem nos darmos conta, ao nosso dia a dia, tal
como aconteceu em relação ao índio.
3° SETOR: O BRASIL CRIOULO E CABOCLO
As diferenças ecológicas e os processos produtivos de cada região
formarão como o próprio Darcy Ribeiro descreve, ilhas de
desenvolvimento e protocélulas civilizatórias distintas em
nosso território. A comunicação entre estas no início é
inexistente, entretanto com o passar dos séculos e tendo sido
processadas de forma muito parecida, estas formações étnicas
brasileiras, cada uma com porcentagens diferentes de matrizes, em
dado momento, formarão o arquipélago assentado mais sólido e
unificador nacional já visto no que diz respeito ao fluxo
colonizador das Américas.
Nossa colônia-país sempre recebeu gente que de uma forma ou de
outra chegaria para ficar, para se assentar, para por aqui viver
e morrer. Portanto quaisquer que fossem os motivos, bárbaros ou
não, se daria a tal miscigenação seu tempo, formando o que já
foi dito como protocélulas civilizatórias com a cara do Brasil.
Com o início da produção açucareira trazida com a experiência
dos portugueses das Ilhas da Madeira e dos Açores por seus
mulatos e, usando a tecnologia árabe que dominavam, além de
encontrar por aqui o solo de massapé que propiciava o plantio, a
veloz disseminação das áreas plantadas se fazia em ordem
exponencial.
Surgem as cidades porto de Recife-Olinda e Salvador,
compreendendo as faixas litorâneas de plantio do sul da Bahia até
Pernambuco.
Analisando a adaptação do europeu e a destruição da massa indígena
além de sua aculturação e assimilação, conclui-se que uma
nova etnia se faz presente nessas áreas.
Com a chegada do negro, essencialmente mão de obra direcionada
para o cultivo no campo, torna-se impossível não haver uma
deterioração sócio-cultural desses negros e a sua assimilação
engordando esta nova etnia brasileira típica amulatada.
Para esse Brasil crioulo, os
movimentos de produção com o tempo tendem a se pulverizar em
outras culturas como o fumo, o algodão, o anil e o cacau, que
apesar de não serem tão importantes em relação a ganhos de
exportação, não se dão com números desprezíveis, mesmo
porque a eficiência das técnicas existentes garantia grande
produtividade e qualidade.
Os caboclos são descendentes mais diretos de uma miscigenação
branca e índia, onde particularmente o negro terá pouca influência.
Na história da região principalmente amazônica, está a chave
desta etnia misturada.
Com as numerosas invasões ao longo do grande rio-mar por
franceses, espanhóis e toda a sorte de pirateadores de produtos,
faz-se necessário criar uma rede de proteção para as margens
do Amazonas.
A densa floresta torna-se
provedora de uma enorme variedade de especiarias, as quais o olho
do europeu tanto cobiçava. Óleos vegetais, ceras de origem
animal e vegetal e, por fim, a extração do látex das
seringueiras promove a interiorização destes.
A adaptação do caboclo no trato do rio com a pesca, transporte
e escoamento do fruto de seu trabalho, promove por fim o que se
almejava: a proteção da malha ribeirinha e o sustento, mesmo
que precário, deste contingente étnico diferenciado.
Durante quatro séculos as vilas e núcleos urbanos pouco
prosperaram. Entretanto, com o advento da borracha houve
investimentos maciços em Manaus e Belém do Pará, transformando
estas cidades em grandes metrópoles aos moldes europeus do início
do século XX com uma velocidade espantosa. Para reforçar o
processo extrativista da borracha, chegam também levas de
nordestinos com o sonho de enriquecimento rápido, aumentando
ainda mais a movimentação destas, agora grandes cidades.
O declínio do látex força novamente o contingente trabalhador
extrativista a viver na penúria e agora dependendo de forma
efetiva do ecossistema e dos proventos que os rios oferecem.
Essa adaptação está tão
enraizada neste povo, que aos poucos são aqueles que querem
largar seu modo de vida para aventurar-se em outras paragens.
O elo de ligação civilizatório passa obrigatoriamente pelos
rios e neles trafegam os regatões, barcos armazéns
que vêm recolhendo os frutos da produção e trocam, na prática
do escambo, por vezes por mantimentos, ferramentas, combustíveis
e vestuário, conforme as necessidades mais prementes.
Esta prática não é para a maior parte dos logradouros algo
muito constante, já que além das distâncias, o clima e o rio
influenciam nas produções e os produtos adquiridos adaptam-se
ao ritmo sazonal.
Por outro lado, as influências das matrizes que criaram este
caboclo ainda se fazem presentes em seu comportamento e em suas
expressões folclórico-culturais.
4° SETOR: O SERTANEJO
Para dentro das faixas litorâneas do nordeste de verdes
florestas onde se praticam o cultivo do açúcar, estende-se
outra área ecologicamente bastante diferente da primeira.
São as planícies do agreste, o semi-árido das caatingas e no
Brasil central, os planaltos e cerrados extensos, todos propícios
para a expansão do gado trazido inicialmente de Cabo Verde.
Cuidados de forma solta, já que o vacum procurava seu pasto e
suas aguadas, era definitivamente o ambiente ideal para sua
reprodução.
Os canaviais estavam intimamente ligados à produção pecuária,
pois dela saiam carnes, laticínios, força motriz e transporte
para apoio da indústria açucareira.
Com a sua natural expansão rumo ao interior, promovida
inicialmente na Bahia e em seguida por Pernambuco, um grande
contingente é envolvido na empreitada já que estamos falando de
700 mil cabeças no final do século XVI.
Nos currais criados para pontuar o caminho do gado, viviam famílias
inteiras com o apoio de aprendizes que zelavam pela boa serventia
dos vaqueiros, que chegavam e partiam constantemente e traziam
consigo o sal e toda sorte de produtos que se faziam necessários
para a subsistência.
A interiorização do gado no nordeste e norte chega às
fronteiras da grande floresta amazônica e rumando em direção
ao centro-oeste, recebem também influências da região
pantaneira.
Etnicamente analisados, os sertanejos que inicialmente são
descendentes de índios e brancos sofrem um processo de
clareamento quando mestiços claros e brancos sem lugar nas
plantações escravistas, optam por fazer parte desta prática de
pastoreio, mas, ainda em contato com indígenas no nordeste e no
norte este clareamento não é muito notado. Já no centro-oeste
os indígenas passam a ser um empecilho para a expansão das
terras que seriam ocupadas por boiadas, provocando assim um
branqueamento mais efetivo, porém com traços indígenas
suavizados.
Ao longo dos séculos os sertanejos nordestinos que ocupam as
terras áridas dos sertões sofrem com o meio-ambiente. Tornam-se
mais baixos e atarracados, o mesmo acontecendo com o gado.
As distâncias dos assentamentos
com o tempo também se tornaram outro grande empecilho, quando a
demanda por bovinos já não interessava mais aos latifundiários
levando essa gente à penúria e à utilização das cabeças de
gado para o seu próprio consumo. Estes agora se tornam nômades
à procura de trabalho e os fixados a terra tentam produzir
apenas o suficiente para seu sustento.
Este povo sofrido cada vez mais se agarrará a mecanismos que o
façam suportar suas agruras, tornando-os fervorosos crentes na fé
e em mitos europeus de salvacionismo, consolidando assim
crendices e personagens tão diferentes neste universo agreste
como santos, beatos e reis míticos.
Os sertanejos do centro-oeste terão outra sorte, pois sob as
mesmas influências não serão tão fervorosos e crentes, até
por não compartilharem o mesmo sofrimento dos nordestinos, já
que o crescimento do gado e a sua distribuição prosperam a
olhos vistos.
Para o goiano principalmente, o
orgulho de pertencer à casta de vaqueiros habilidosos era uma
meta a ser alcançada e, em suas manifestações de fé aos
santos de devoção era prática a promoção de festas em
agradecimento. Quanto aos mitos europeus, sobrevive apenas o de
D. Sebastião com a Cavalhada que conta a luta entre Mouros e
Cristãos, agora aclimatados aos moldes do campo.
5° SETOR: O CAIPIRA
O começo de São Paulo é em tese a transfiguração do mameluco
com vestes aos moldes europeus, em contraponto ao índio local.
Para melhor entender esse meio branco e meio índio altivo em seu
pedestal que pratica o comércio escravo indígena, deve-se
observar que, esta sociedade apresentada está curiosamente
enraizada em uma organização patriarcal fundada em laços
familiares e composta de agregados de origem indígena.
São visões díspares de uma relação com os aborígines próximos,
tidos como exército, funcionando como parte da rotina provedora
e, miscigenado ou não, usurpador de mão de obra tirada a força
das missões do sul.
São os Bandeirantes e os Entradistas que solidificam uma
sociedade não produtiva em relação à sua terra, porém
mercantilista em relação à venda mundial de escravos. Assim
nasce São Paulo para a Coroa Portuguesa.
Os Entradistas foram de enorme valia nas descobertas de aluviões
com grande concentração de ouro e até diamantes. Primeiro
Taubaté, depois Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás.
Com estes adventos a migração de escravos índios e negros da
cana, abastados portugueses e a mais variada sorte de mestiços
amulatados oriundos de todas as partes do Brasil formam um
caldeirão de interesses, jamais visto até aquela época.
Novamente a Igreja surge como organizadora social. Cada casta
tinha sua própria igreja e seu calendário moldava o
comportamento dos seus, mediante as festas e o cotidiano trazendo
traços de civilidade às novas vilas e cidades. Após quase dois
séculos de exploração voraz do solo e das minas, as cidades
mais pungentes amargariam a mais descendente deterioração.
Os recantos que hoje entendemos por Sudeste, Centro-Sul,
Centro-Oeste e norte da região Sul do país e compreendem essas
cidades, sofrem com a evasão populacional que, sem alternativas
para a manutenção de seu antigo status, são pulverizadas nos
campos outrora produtivos de ouro e diamantes.
Surge o caipira, aquele povo que não mais participa do processo
mercantilista e agora só produz para sua subsistência, com
nacos de terra e produtos agro-pastoris, que de vez em quando
serve como mercadoria de troca entre núcleos rurais.
A palavra de ordem agora é o mutirão; para abrir roçados,
consertar casas e pontes ou para a parca colheita do feijão ou
do arroz.
Estes caipiras estavam no limiar da pobreza, porém manteriam,
mesmo sem um núcleo urbano efetivo, a dignidade não versada.
Esse quadro não distinguiria
cor ou etnia, pois todos estavam envolvidos pelo mesmo
modus-vivendi, incluindo a adaptação culinária e, como não
havia a preocupação com a posse da terra em grandes produções
exportadoras latifundiárias, as castas não se faziam tão antagônicas.
Com o surgimento dos novos cultivos comerciais de exportação
como algodão, tabaco e depois o café, as regiões caipiras
seriam reativadas.
Nesta altura, todos estes núcleos
tanto rurais quanto urbanos, falam o Português e de alguma forma
mantém contato direto com a capital, agora transferida para o
Rio de Janeiro.
Na nova reorganização latifundiária, o caipira é expulso das
terras que são novamente legalizadas para outras mãos, que não
as deles. Entretanto, surge a possibilidade de remuneração de
seu trabalho na lavoura, ou mesmo a de participar como meeiro ou
terceiro no trato da terra, mas a exploração desta mão de obra
aparece quase sempre como cruel, a ponto de que mesmo assalariado
se comparia a toda uma leva de escravos negros, que compunham os
quadros de trabalho da fazenda ou de fazendas vizinhas. Esses
mesmos caipiras veriam a seguir, após a libertação dos
escravos em 1888, a implacável chegada de multidões de
italianos, alemães, espanhóis e poloneses como colonos nas
mesmas fazendas em que trabalham, roubando-lhes seus brios e seus
espaços.
Essa figura sem etnia definida é mostrada de forma caricata por
Monteiro Lobato com o personagem Jeca Tatu, o que não compreende
a verdade. Hoje, podemos observar o que resta deste ser com seu
jeito de viver e sem lugar na atual organização produtiva, como
um bóia fria, que apenas luta pela sobrevivência sem nenhuma
perspectiva de engajamento.
6° SETOR: OS GAÚCHOS, MATUTOS E OS BRASIS DO SUL
Ao abrirmos este capítulo, narramos a construção das missões
as quais o método civilizatório originou um povo novo que não
era guarani, pois perdeu sua identidade indígena e também não
era europeu porque nem seu sangue tinha.
Era um ninguém, meio civilizado e organizado no trato do boi
livre, principal fonte de alimento, no plantio de subsistência e
na docilidade da assimilação religiosa.
Os paulistas bandeirantes ávidos por escravos para a exportação,
chegando aos campos do sul enxergam toda uma nova possibilidade
real de obter lucro, porque além do escravo também conduziria o
gado para as paragens mineiras, necessitadas de transporte,
alimento e força motriz.
Com a destruição das Missões do Sul restaram poucos
remanescentes fujões, alguns paulistas que daquelas terras se
agradaram e mestiços fortuitos que circulavam próximos ao Rio
do Prata.
Surge deste abandono o gaúcho que disputa cabeças rodeadas de
gado, cria cavalos e os domestica com habilidade e, por fim, laça
e domestica muares para carga.
Nestas terras de ninguém com reses de ninguém, esse homem
colherá seu sustento em plantações de cunho de subsistência e
ao longo do tempo tratará o boi em pé, que se tornaria mais
lucrativo.
O trato da carne agora charqueada, o couro e a necessidade de
marcação de corredores de terras organizaram ao seu modo esta
economia pastoril.
Com a chegada dos açorianos no litoral do Sul e regiões dos
povos das Missões, Pelotas, Laguna, Campanha do Ibicuí e, ao
sul, Coxilha Grande reforça a presença lusa na região, já que
a metrópole tem grande interesse na região e os embates com os
espanhóis são constantes.
A maior parte do contingente do exército brasileiro se concentra
nesta parte fronteiriça do Prata, já que ainda não há uma
demarcação definitiva da geografia.
Novamente o mercantilismo ordena o povoamento e as demarcações;
todos os esforços são voltados para a garantia da terra e da
produção.
Os açorianos chegam subsidiados para a região. São concedidos
sesmarias, ferramentas, sementes e animais para estes se
assentarem. Entretanto, como produzir se não há para onde
escoar a produção? O projeto torna-se um retumbante fracasso.
Eles se voltam para a pesca e para atividades de subsistência
passando a se chamar matutos. Sua passividade será posta a prova
quando das guerras Cisplatinas e sua valorosa ajuda compreende a
criação de postos de apoio na retaguarda das campanhas.
O Sul da vacaria e da mestiçagem consolida-se. As primeiras
levas de gringos chegam à região: são italianos, alemães,
poloneses, japoneses que prosperarão sob o signo do conhecimento
no trato da terra e principalmente de uma cultura acima da média
para o homem do campo.
7° SETOR: DESTINO NACIONAL
Os imigrantes assentados no Sul e Sudeste implantam métodos
industriais e semi-industriais para a maximização da produção.
A industrialização dos grandes centros continua a atrair
imigrantes da maior parte do país, principalmente nordestinos
para quem sabe seguir o sonho de enriquecer.
O Brasil hoje é fruto de fusões de etnias aliado a uma não
identidade direta com as matrizes e aí se incluem os imigrantes
mais recentes, que optam por abraçar o país como pátria com
seus descendentes, obviamente nascidos aqui e que honram sua
terra natal, e incorpora em si mesmos o olhar das diferenças
como iguais e se posicionando como aglutinadores da nação, por
sua Língua, seu modo de pensar e viver, sem desconsiderar os
fatores ecológicos de suas regiões e formações étnicas
diferenciadas. Na visão utópica de Darcy Ribeiro, um dia
plasmados seremos um só povo sem cor nem etnias, seremos
brasileiros.
O maior exemplo desta afirmativa está na nossa maior festa
popular, o Carnaval e dentro desta, o Desfile das Escolas de
Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro que leva consigo o título
de maior espetáculo da terra.
A Estação Primeira de Mangueira, sendo tradução e sinônimo
direto para Escola de Samba e Carnaval é o exemplo vivo dessa
história. Basta dar uma pequena olhada em seus eventos, em seu
desfile: uma massa humana que congrega em seu corpo um bocado
dessa gente mestiça e pura, na maioria do Rio de Janeiro, mas
que abraça os de fora, dos mais variados recantos do
Brasil. Reflete de maneira inequívoca o pensamento do antropólogo
Darcy Ribeiro, quando assim como o país absorve em seu seio
estrangeiros que serão assimilados e que, por sua
vez, assimilam a alegria de estar envolto pelo Samba, fantasiado
de criatividade em verde e rosa, participando um pouco que seja
desta delirante utopia de igualdade que nos é tanto cara.
Nosso país se fez de
sofrimento, pés descalços fincando-se no chão, misturando-se
matrizes e variantes étnicas, lutando para conhecer-se e
reconhecer-se como brasileiros, para si e para o mundo.
Aprendemos ao longo de cinco séculos que conhecendo e
praticando, primeiro a Língua Portuguesa que se impôs e nos
aculturando de tudo o que está na nossa história e nos nossos
costumes tão variados, podemos nos definir como nação em
crescimento e eterna renovação.
A Mangueira também é isso, uma nação de sambistas e sambeiros
apaixonados por este país continente e que sabe da sua
responsabilidade de mostrar-se no Carnaval de 2009, cantando
mesmo que de forma sucinta o Brasil e sua formação, na
extraordinária visão relatada no livro O Povo Brasileiro.
Ao completarmos 80 anos, traduzimo-nos como povo. E o povo somos
nós, desfilando na Passarela do Samba, que orgulhosamente
ostenta o nome de Darcy Ribeiro e que alcança 25 anos.
Pretensiosamente, contaremos esta saga que é a formação deste
povo ímpar, O Povo Brasileiro.
Roberto Szaniecki
Carnavalesco