PRINCIPAL    EQUIPE    LIVRO DE VISITAS    LINKS    ARQUIVO DE ATUALIZAÇÕES    ARQUIVO DE COLUNAS    CONTATO

Sinopse Mangueira 2009

A Mangueira traz os brasis do Brasil, mostrando a formação do povo brasileiro (Mangueira - 2009)

Baseado no livro "O Povo Brasileiro, a formação e o sentido do Brasil" do antropólogo Darcy Ribeiro

ABERTURA

O Carnaval do Rio de Janeiro celebra os 25 anos de inauguração do palco maior, a Passarela do Samba, popularmente conhecida como Sambódromo, mas que traz em seu batismo o nome do grande educador, antropólogo e político brasileiro, o saudoso professor Darcy Ribeiro.

Nós, Mangueirenses, formadores deste contingente que, a cada ano, temos a possibilidade de nos mostrarmos em nossa essência de “brasileiros”, utilizamos esse palco para contar e cantar nossa história, nossas tradições e nossas manifestações populares, pintando na avenida o retrato de nosso povo.

O “povo” é o nosso tema. O enredo é construído baseado no livro “O Povo Brasileiro” de autoria do antropólogo Darcy Ribeiro.
A maior expressão cultural consolidada de um povo vem de seu folclore, portanto, nosso carnaval mostrará estas manifestações advindas das cinco regiões do país através de suas maiores festas, sempre repletas de simbolismos e com sua beleza tão diferenciada.
Neste super espetáculo das Escolas de Samba do Grupo Especial, podemos, através da fantasia, retornar ao passado para reviver o início da formação de nossa grande nação, a partir das viagens para o novo mundo esmiuçando o avassalador contato dos que aqui chegaram com os habitantes nativos destas paragens.

1° SETOR: O INÍCIO DE UM NOVO POVO

Para entendermos melhor como nasceu nosso país para o mundo, voltaremos para a filosofia colonialista portuguesa dos séculos XV e XVI. Diferentemente dos espanhóis usurpadores e exterminadores de civilizações, a Coroa Portuguesa, até por sua pequena área geográfica, necessitava de terras para expandir-se, enriquecer e abastecer-se através de um comércio efervescente.

No Brasil não foi diferente, porém, para que este empreendimento prosperasse, vários fatores foram considerados. Entretanto, para nós, alguns deles serão irrelevantes. Nosso país cresce através dos séculos baseado em duas premissas: a primeira é a produção e a segunda, seguindo pela própria necessidade da primeira, é o assentamento deste povo, neste solo produtivo.

A primeira visão do colonizador português ao aportar nestas novas terras, o remete às visões mitológicas da época; o paraíso perdido aqui se encontrava. Vislumbra-se um povo diferente, cuja nudez é comum, inocente. Vivia-se em total integração com a natureza, não existem roupas, moeda ou comércio, nada que se assemelhe com a organização civilizatória européia.

Esses índios são, nessa visão, parte integrante do paraíso, pois, somadas a exuberância da floresta com seus sons e suas cores, instigam fortemente a imaginação dos que aqui chegaram nestes primeiros tempos.

Entretanto, para se levar a cabo a nova empreitada, o processo civilizatório não seria tão fácil como se supunha.

Em pouquíssimo tempo a visão angelical se desfaz, dando lugar à nova percepção destes aborígines. Estes são organizados em sociedades comunitárias, onde todos vivem para o bem comum, apenas plantando e extraindo da terra o essencial para sua própria subsistência, além da caça e da pesca.

Essas tribos também se rivalizam, tanto no comportamento quanto na forma de expressão, e essas diferenças os levam a constantes embates sangrentos, pois a arte da guerra era prática comum. A conseqüência desses confrontos horrorizava os portugueses e outros europeus que aqui chegavam, principalmente pelo destino que esperava os guerreiros vencidos, os “sobreviventes”, que seriam canibalizados, prática comum dada à crença de que ao comer os corpos dos guerreiros vencidos, sua força seria assimilada e dessa forma somada ao corpo dos vencedores, tornando-os mais fortes e corajosos. Isso acontecia em rituais e, curiosamente, com o total consentimento da vítima.

Neste início, a oferta de mão de obra branca era insuficiente para o novo projeto extrativista de pau-brasil e também para o plantio de subsistência, e, principalmente, quando se pensa em um projeto expansionista agro-pecuário.

O processo escravista indígena para tal fim, não se consolida pelo simples fato de que o índio, além de não se entender como mão de obra manipulável, resistiria de forma violenta, tendo em vista que jamais usou desta prática para com os seus e, dessa forma, não havia nenhuma razão para se deixar manipular pelo colonizador.
É o choque de culturas que, inicialmente, não são complementares; porém, em pouco tempo o seriam.

O branco rapidamente e por necessidade começa a assimilar os conhecimentos de sobrevivência dos índios. Aprende a reconhecer os alimentos da terra, fará uso da caça e da pesca e, aos poucos, implantará via importação o gado e a cana, que se mostra viável para este solo.

Uma alternativa para o impasse da utilização de mão de obra indígena se dá com a prática do casamento entre os portugueses e as índias. Este processo ganha o nome de “cunhadismo”, já que dessa forma, este branco passa a fazer parte da “família” e terá como vantagem poder usar seus familiares para empreender seus intentos produtivos. Os filhos destas uniões serão o embrião desta nova nação mestiça.
O expansionismo do ciclo do gado promovido por Garcia D’Ávila na Bahia, se dá com a chegada das reses de Vacuum vindas da África, que aqui se reproduzem e serão tocadas em direção ao interior da Bahia, ao nordeste e ao norte, por estes caboclos boiadeiros.

No litoral o plantio da cana faz-se expressivo. A mão de obra utilizada ainda é a escravista indígena e mestiça, o que nem sempre se dá de forma tranqüila e cordial.

A Coroa Portuguesa clama pelo aumento de produção e o modelo organizacional ainda não se faz eficiente, principalmente no que diz respeito ao plantio.

Em paralelo, o processo civilizatório passa também por outra vertente; na visão do religioso europeu, através de suas “missões”, é preciso salvar e introduzir naquelas almas em danação, um pouco de paz e promover desta forma a fermentação da utopia da Igreja no novo mundo. Neste contexto, não demora muito para que os interesses da Igreja colidam com os objetivos mercantilistas, agravando ainda mais o problema da falta de mão de obra para a demanda, que ora se apresentava.

2° SETOR: O AFRICANO E O AFRO-BRASILEIRO

A mão de obra negra é introduzida no Brasil no final do século XVI, para suprir as necessidades no plantio da cana para a exportação. As levas de negros se tornarão constantes até o século XIX, entretanto, no começo desta prática escravista não há distinção entre as habilidades dos negros que aqui aportavam, era apenas “carvão para ser queimado”, já que o raciocínio era baseado na labuta de sol a sol, sem que a importância da manutenção física deste contingente escravo fosse levada em consideração, pois era facilmente substituível.
Com a interiorização da colônia e seus novos assentamentos, as exigências do cotidiano aproximam-se do “modus-vivendi” da matriz européia. Fora aqueles que se aventuram a atravessar o Atlântico com a ambição em riquezas e aliado agora ao advento das sesmarias, não existe muita opção de trabalhadores para suprir os fardos habituais que se apresentam.

Neste ponto, cabe explicar que os negros que aqui chegam vêm de vários pontos diferentes da África, com seus próprios dialetos e suas habilidades diferenciadas. A primeira barreira a ser vencida será a da comunicação; os escravos não conseguem interagir inicialmente por falta de coesão lingüística, forçando os mesmos a aprender o parco, porém eficiente linguajar do capataz. Este receberá sonoridade, um pouco diferente do praticado na Corte e assimilará palavras oriundas da raiz tupi. Esse mecanismo, ao longo dos séculos, tornar-se-á o principal instrumento da união nacional.

Os negros, adaptados ao novo modelo de viver, são cruciais quando da chegada de novos lotes para complementar os quadros serviçais, pois estes disseminam a forma de trabalhar, o comportamento e até o modelo sincrético de sua fé, sempre reprimido em contraponto à imposição cristã.

Levando em conta o cuidado tomado pelos compradores destes lotes, nos quais poucas cabeças da mesma etnia se manteriam juntas, com a finalidade de reprimir quaisquer formas organizacionais de rebelião, exemplificam a eterna tensão existente neste formato de sociedade. Por outro lado, outra forma classificatória se faz presente.

A colônia não se resume mais ao plantio da cana ou a criação de gado. O cenário muda para novas formas de obtenção de lucro. Com o ouro e as pedras preciosas além da expansão urbana, os negros, com seus conhecimentos adquiridos nas suas nações de origem, são aproveitados além da mão de obra bruta, sendo também aproveitados para toda uma nova gama de funções necessárias para o bom andamento destes núcleos.

Negros experientes no trato com a madeira, mineiros conhecedores de ouro e metais, artesãos construtores, escribas letrados e negros de bom trato para os serviços de contato direto com as gentes brancas.

Outra contribuição relevante se faz na culinária, intimamente ligada aos cultos religiosos, que se prolifera por todos os cantos do país onde existe a presença destas etnias.

Segundo pesquisadores citados por Darcy Ribeiro, são três grupos os que chegam da Costa Ocidental da África. O primeiro, da cultura sudanesa, compreende os Yorubás, Dahomey e os Fanti-Ashanti. O segundo traz grupos islamizados como os Peuhl, os Mandinga e os Haussa do norte da Nigéria e, por fim, o terceiro grupo é formado por Bantus vindos de Angola e do território que conhecemos hoje por Moçambique.

Sem essa organização no processo produtivo não teríamos uma melhor qualidade na manipulação do ouro, na cunhagem e no trato com as pedras preciosas, em destaque para os diamantes, tudo com o amplo direcionamento exportador.

No campo das artes mobiliárias e decorativas, os mestres artesãos ensinam seu ofício para uma verdadeira legião exclusiva de mãos talentosas; como conseqüência surge uma arte colonial peculiar lembrando em parte a influência européia, mas com o nítido peso e beleza daquela cultura, a qual se adapta e recria as formas impostas.
O sincretismo religioso finca uma nova manifestação de fé, que num primeiro momento constrói toda uma nova visão de devoção, que se tornará com o passar dos séculos uma demonstração peculiar e única da crendice e fé populares.

Enfim, usos, costumes e comportamento serão absorvidos e incorporados, mesmo sem nos darmos conta, ao nosso dia a dia, tal como aconteceu em relação ao índio.

3° SETOR: O BRASIL CRIOULO E CABOCLO

As diferenças ecológicas e os processos produtivos de cada região formarão como o próprio Darcy Ribeiro descreve, ilhas de desenvolvimento e protocélulas civilizatórias distintas em nosso território. A comunicação entre estas no início é inexistente, entretanto com o passar dos séculos e tendo sido processadas de forma muito parecida, estas formações étnicas brasileiras, cada uma com porcentagens diferentes de matrizes, em dado momento, formarão o arquipélago assentado mais sólido e unificador nacional já visto no que diz respeito ao fluxo colonizador das Américas.

Nossa colônia-país sempre recebeu gente que de uma forma ou de outra chegaria para ficar, para se assentar, para por aqui viver e morrer. Portanto quaisquer que fossem os motivos, bárbaros ou não, se daria a tal miscigenação seu tempo, formando o que já foi dito como protocélulas civilizatórias com a cara do Brasil.

Com o início da produção açucareira trazida com a experiência dos portugueses das Ilhas da Madeira e dos Açores por seus mulatos e, usando a tecnologia árabe que dominavam, além de encontrar por aqui o solo de massapé que propiciava o plantio, a veloz disseminação das áreas plantadas se fazia em ordem exponencial.

Surgem as cidades porto de Recife-Olinda e Salvador, compreendendo as faixas litorâneas de plantio do sul da Bahia até Pernambuco.
Analisando a adaptação do europeu e a destruição da massa indígena além de sua aculturação e assimilação, conclui-se que uma nova etnia se faz presente nessas áreas.

Com a chegada do negro, essencialmente mão de obra direcionada para o cultivo no campo, torna-se impossível não haver uma deterioração sócio-cultural desses negros e a sua assimilação engordando esta nova etnia brasileira típica amulatada.

Para esse Brasil crioulo, os movimentos de produção com o tempo tendem a se pulverizar em outras culturas como o fumo, o algodão, o anil e o cacau, que apesar de não serem tão importantes em relação a ganhos de exportação, não se dão com números desprezíveis, mesmo porque a eficiência das técnicas existentes garantia grande produtividade e qualidade.

Os caboclos são descendentes mais diretos de uma miscigenação branca e índia, onde particularmente o negro terá pouca influência. Na história da região principalmente amazônica, está a chave desta etnia misturada.

Com as numerosas invasões ao longo do grande rio-mar por franceses, espanhóis e toda a sorte de pirateadores de produtos, faz-se necessário criar uma rede de proteção para as margens do Amazonas.

A densa floresta torna-se provedora de uma enorme variedade de especiarias, as quais o olho do europeu tanto cobiçava. Óleos vegetais, ceras de origem animal e vegetal e, por fim, a extração do látex das seringueiras promove a interiorização destes.

A adaptação do caboclo no trato do rio com a pesca, transporte e escoamento do fruto de seu trabalho, promove por fim o que se almejava: a proteção da malha ribeirinha e o sustento, mesmo que precário, deste contingente étnico diferenciado.

Durante quatro séculos as vilas e núcleos urbanos pouco prosperaram. Entretanto, com o advento da borracha houve investimentos maciços em Manaus e Belém do Pará, transformando estas cidades em grandes metrópoles aos moldes europeus do início do século XX com uma velocidade espantosa. Para reforçar o processo extrativista da borracha, chegam também levas de nordestinos com o sonho de enriquecimento rápido, aumentando ainda mais a movimentação destas, agora grandes cidades.

O declínio do látex força novamente o contingente trabalhador extrativista a viver na penúria e agora dependendo de forma efetiva do ecossistema e dos proventos que os rios oferecem.

Essa adaptação está tão enraizada neste povo, que aos poucos são aqueles que querem largar seu modo de vida para aventurar-se em outras paragens.

O elo de ligação civilizatório passa obrigatoriamente pelos rios e neles trafegam os “regatões”, barcos armazéns que vêm recolhendo os frutos da produção e trocam, na prática do escambo, por vezes por mantimentos, ferramentas, combustíveis e vestuário, conforme as necessidades mais prementes.

Esta prática não é para a maior parte dos logradouros algo muito constante, já que além das distâncias, o clima e o rio influenciam nas produções e os produtos adquiridos adaptam-se ao ritmo sazonal.
Por outro lado, as influências das matrizes que criaram este caboclo ainda se fazem presentes em seu comportamento e em suas expressões folclórico-culturais.

4° SETOR: O SERTANEJO

Para dentro das faixas litorâneas do nordeste de verdes florestas onde se praticam o cultivo do açúcar, estende-se outra área ecologicamente bastante diferente da primeira.

São as planícies do agreste, o semi-árido das caatingas e no Brasil central, os planaltos e cerrados extensos, todos propícios para a expansão do gado trazido inicialmente de Cabo Verde. Cuidados de forma solta, já que o vacum procurava seu pasto e suas aguadas, era definitivamente o ambiente ideal para sua reprodução.

Os canaviais estavam intimamente ligados à produção pecuária, pois dela saiam carnes, laticínios, força motriz e transporte para apoio da indústria açucareira.

Com a sua natural expansão rumo ao interior, promovida inicialmente na Bahia e em seguida por Pernambuco, um grande contingente é envolvido na empreitada já que estamos falando de 700 mil cabeças no final do século XVI.

Nos currais criados para pontuar o caminho do gado, viviam famílias inteiras com o apoio de aprendizes que zelavam pela boa serventia dos vaqueiros, que chegavam e partiam constantemente e traziam consigo o sal e toda sorte de produtos que se faziam necessários para a subsistência.

A interiorização do gado no nordeste e norte chega às fronteiras da grande floresta amazônica e rumando em direção ao centro-oeste, recebem também influências da região pantaneira.

Etnicamente analisados, os sertanejos que inicialmente são descendentes de índios e brancos sofrem um processo de clareamento quando mestiços claros e brancos sem lugar nas plantações escravistas, optam por fazer parte desta prática de pastoreio, mas, ainda em contato com indígenas no nordeste e no norte este clareamento não é muito notado. Já no centro-oeste os indígenas passam a ser um empecilho para a expansão das terras que seriam ocupadas por boiadas, provocando assim um branqueamento mais efetivo, porém com traços indígenas suavizados.

Ao longo dos séculos os sertanejos nordestinos que ocupam as terras áridas dos sertões sofrem com o meio-ambiente. Tornam-se mais baixos e atarracados, o mesmo acontecendo com o gado.

As distâncias dos assentamentos com o tempo também se tornaram outro grande empecilho, quando a demanda por bovinos já não interessava mais aos latifundiários levando essa gente à penúria e à utilização das cabeças de gado para o seu próprio consumo. Estes agora se tornam nômades à procura de trabalho e os fixados a terra tentam produzir apenas o suficiente para seu sustento.

Este povo sofrido cada vez mais se agarrará a mecanismos que o façam suportar suas agruras, tornando-os fervorosos crentes na fé e em mitos europeus de salvacionismo, consolidando assim crendices e personagens tão diferentes neste universo agreste como santos, beatos e reis míticos.

Os sertanejos do centro-oeste terão outra sorte, pois sob as mesmas influências não serão tão fervorosos e crentes, até por não compartilharem o mesmo sofrimento dos nordestinos, já que o crescimento do gado e a sua distribuição prosperam a olhos vistos.

Para o goiano principalmente, o orgulho de pertencer à casta de vaqueiros habilidosos era uma meta a ser alcançada e, em suas manifestações de fé aos santos de devoção era prática a promoção de festas em agradecimento. Quanto aos mitos europeus, sobrevive apenas o de D. Sebastião com a Cavalhada que conta a luta entre Mouros e Cristãos, agora aclimatados aos moldes do campo.

5° SETOR: O CAIPIRA

O começo de São Paulo é em tese a transfiguração do mameluco com vestes aos moldes europeus, em contraponto ao índio local.
Para melhor entender esse meio branco e meio índio altivo em seu pedestal que pratica o comércio escravo indígena, deve-se observar que, esta sociedade apresentada está curiosamente enraizada em uma organização patriarcal fundada em laços familiares e composta de agregados de origem indígena.

São visões díspares de uma relação com os aborígines próximos, tidos como exército, funcionando como parte da rotina provedora e, miscigenado ou não, usurpador de mão de obra tirada a força das missões do sul.

São os Bandeirantes e os Entradistas que solidificam uma sociedade não produtiva em relação à sua terra, porém mercantilista em relação à venda mundial de escravos. Assim nasce São Paulo para a Coroa Portuguesa.

Os Entradistas foram de enorme valia nas descobertas de aluviões com grande concentração de ouro e até diamantes. Primeiro Taubaté, depois Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás.

Com estes adventos a migração de escravos índios e negros da cana, abastados portugueses e a mais variada sorte de mestiços amulatados oriundos de todas as partes do Brasil formam um caldeirão de interesses, jamais visto até aquela época.

Novamente a Igreja surge como organizadora social. Cada casta tinha sua própria igreja e seu calendário moldava o comportamento dos seus, mediante as festas e o cotidiano trazendo traços de civilidade às novas vilas e cidades. Após quase dois séculos de exploração voraz do solo e das minas, as cidades mais pungentes amargariam a mais descendente deterioração.

Os recantos que hoje entendemos por Sudeste, Centro-Sul, Centro-Oeste e norte da região Sul do país e compreendem essas cidades, sofrem com a evasão populacional que, sem alternativas para a manutenção de seu antigo status, são pulverizadas nos campos outrora produtivos de ouro e diamantes.

Surge o caipira, aquele povo que não mais participa do processo mercantilista e agora só produz para sua subsistência, com nacos de terra e produtos agro-pastoris, que de vez em quando serve como mercadoria de troca entre núcleos rurais.

A palavra de ordem agora é o mutirão; para abrir roçados, consertar casas e pontes ou para a parca colheita do feijão ou do arroz.
Estes caipiras estavam no limiar da pobreza, porém manteriam, mesmo sem um núcleo urbano efetivo, a dignidade não versada.

Esse quadro não distinguiria cor ou etnia, pois todos estavam envolvidos pelo mesmo modus-vivendi, incluindo a adaptação culinária e, como não havia a preocupação com a posse da terra em grandes produções exportadoras latifundiárias, as castas não se faziam tão antagônicas.

Com o surgimento dos novos cultivos comerciais de exportação como algodão, tabaco e depois o café, as regiões caipiras seriam reativadas.

Nesta altura, todos estes núcleos tanto rurais quanto urbanos, falam o Português e de alguma forma mantém contato direto com a capital, agora transferida para o Rio de Janeiro.

Na nova reorganização latifundiária, o caipira é expulso das terras que são novamente legalizadas para outras mãos, que não as deles. Entretanto, surge a possibilidade de remuneração de seu trabalho na lavoura, ou mesmo a de participar como meeiro ou terceiro no trato da terra, mas a exploração desta mão de obra aparece quase sempre como cruel, a ponto de que mesmo assalariado se comparia a toda uma leva de escravos negros, que compunham os quadros de trabalho da fazenda ou de fazendas vizinhas. Esses mesmos caipiras veriam a seguir, após a libertação dos escravos em 1888, a implacável chegada de multidões de italianos, alemães, espanhóis e poloneses como colonos nas mesmas fazendas em que trabalham, roubando-lhes seus brios e seus espaços.

Essa figura sem etnia definida é mostrada de forma caricata por Monteiro Lobato com o personagem Jeca Tatu, o que não compreende a verdade. Hoje, podemos observar o que resta deste ser com seu jeito de viver e sem lugar na atual organização produtiva, como um bóia fria, que apenas luta pela sobrevivência sem nenhuma perspectiva de engajamento.

6° SETOR: OS GAÚCHOS, MATUTOS E OS BRASIS DO SUL

Ao abrirmos este capítulo, narramos a construção das missões as quais o método civilizatório originou um povo novo que não era guarani, pois perdeu sua identidade indígena e também não era europeu porque nem seu sangue tinha.

Era um ninguém, meio civilizado e organizado no trato do boi livre, principal fonte de alimento, no plantio de subsistência e na docilidade da assimilação religiosa.

Os paulistas bandeirantes ávidos por escravos para a exportação, chegando aos campos do sul enxergam toda uma nova possibilidade real de obter lucro, porque além do escravo também conduziria o gado para as paragens mineiras, necessitadas de transporte, alimento e força motriz.

Com a destruição das Missões do Sul restaram poucos remanescentes fujões, alguns paulistas que daquelas terras se agradaram e mestiços fortuitos que circulavam próximos ao Rio do Prata.

Surge deste abandono o gaúcho que disputa cabeças rodeadas de gado, cria cavalos e os domestica com habilidade e, por fim, laça e domestica muares para carga.

Nestas terras de ninguém com reses de ninguém, esse homem colherá seu sustento em plantações de cunho de subsistência e ao longo do tempo tratará o boi em pé, que se tornaria mais lucrativo.

O trato da carne agora charqueada, o couro e a necessidade de marcação de corredores de terras organizaram ao seu modo esta economia pastoril.

Com a chegada dos açorianos no litoral do Sul e regiões dos povos das Missões, Pelotas, Laguna, Campanha do Ibicuí e, ao sul, Coxilha Grande reforça a presença lusa na região, já que a metrópole tem grande interesse na região e os embates com os espanhóis são constantes.

A maior parte do contingente do exército brasileiro se concentra nesta parte fronteiriça do Prata, já que ainda não há uma demarcação definitiva da geografia.

Novamente o mercantilismo ordena o povoamento e as demarcações; todos os esforços são voltados para a garantia da terra e da produção.
Os açorianos chegam subsidiados para a região. São concedidos sesmarias, ferramentas, sementes e animais para estes se assentarem. Entretanto, como produzir se não há para onde escoar a produção? O projeto torna-se um retumbante fracasso. Eles se voltam para a pesca e para atividades de subsistência passando a se chamar matutos. Sua passividade será posta a prova quando das guerras Cisplatinas e sua valorosa ajuda compreende a criação de postos de apoio na retaguarda das campanhas.

O Sul da vacaria e da mestiçagem consolida-se. As primeiras levas de gringos chegam à região: são italianos, alemães, poloneses, japoneses que prosperarão sob o signo do conhecimento no trato da terra e principalmente de uma cultura acima da média para o homem do campo.

7° SETOR: DESTINO NACIONAL

Os imigrantes assentados no Sul e Sudeste implantam métodos industriais e semi-industriais para a maximização da produção. A industrialização dos grandes centros continua a atrair imigrantes da maior parte do país, principalmente nordestinos para quem sabe seguir o sonho de enriquecer.

O Brasil hoje é fruto de fusões de etnias aliado a uma não identidade direta com as matrizes e aí se incluem os imigrantes mais recentes, que optam por abraçar o país como pátria com seus descendentes, obviamente nascidos aqui e que honram sua terra natal, e incorpora em si mesmos o olhar das diferenças como iguais e se posicionando como aglutinadores da nação, por sua Língua, seu modo de pensar e viver, sem desconsiderar os fatores ecológicos de suas regiões e formações étnicas diferenciadas. Na visão utópica de Darcy Ribeiro, um dia plasmados seremos um só povo sem cor nem etnias, seremos brasileiros.

O maior exemplo desta afirmativa está na nossa maior festa popular, o Carnaval e dentro desta, o Desfile das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro que leva consigo o título de maior espetáculo da terra.

A Estação Primeira de Mangueira, sendo tradução e sinônimo direto para Escola de Samba e Carnaval é o exemplo vivo dessa história. Basta dar uma pequena olhada em seus eventos, em seu desfile: uma massa humana que congrega em seu corpo um bocado dessa gente mestiça e pura, na maioria do Rio de Janeiro, mas que abraça os “de fora”, dos mais variados recantos do Brasil. Reflete de maneira inequívoca o pensamento do antropólogo Darcy Ribeiro, quando assim como o país absorve em seu seio estrangeiros que serão “assimilados” e que, por sua vez, assimilam a alegria de estar envolto pelo Samba, fantasiado de criatividade em verde e rosa, participando um pouco que seja desta delirante utopia de igualdade que nos é tanto cara.

Nosso país se fez de sofrimento, pés descalços fincando-se no chão, misturando-se matrizes e variantes étnicas, lutando para conhecer-se e reconhecer-se como brasileiros, para si e para o mundo. Aprendemos ao longo de cinco séculos que conhecendo e praticando, primeiro a Língua Portuguesa que se impôs e nos aculturando de tudo o que está na nossa história e nos nossos costumes tão variados, podemos nos definir como nação em crescimento e eterna renovação.

A Mangueira também é isso, uma nação de sambistas e “sambeiros” apaixonados por este país continente e que sabe da sua responsabilidade de mostrar-se no Carnaval de 2009, cantando mesmo que de forma sucinta o Brasil e sua formação, na extraordinária visão relatada no livro “O Povo Brasileiro”.

Ao completarmos 80 anos, traduzimo-nos como povo. E o povo somos nós, desfilando na Passarela do Samba, que orgulhosamente ostenta o nome de Darcy Ribeiro e que alcança 25 anos. Pretensiosamente, contaremos esta saga que é a formação deste povo ímpar, “O Povo Brasileiro”.

Roberto Szaniecki
Carnavalesco