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“Jack” é Carnaval
SINOPSE ENREDO 2019

“Jack” é Carnaval

A celebração está prestes a começar. Por todo o céu, estrelas iluminam uma noite predestinada a ser guardiã de grandes mistérios. É a hora da festa de cantos que trazem sorte e amores. A ema, mestre e condutora, traz do juremá a magia de rituais alucinógenos ancestrais – a única capaz de materializar o desejo.

Um estridente som chega de longe em ondas saltitantes. Jackson pula extasiado. É a ema! E ela geme! Gemido que se aproxima, se amplifica. É alto, agudo, prazeroso.

Jackson corre para pegar o pandeiro e chama Sebastiana, que imediatamente grita “A, E, I, O, U”.

A ema geme cada vez mais intensamente. O gozo se aproxima. O juremá se contorce, treme. Tronco viril.

Vai e vem intenso.

Jackson bate o pé, preparando a sola do sapato para o que vem a seguir.

Sebastiana se cala, como se respirasse antes de um berro.

A ema dá o tom, para ressoar a narrativa.

Jackson dá a primeira batida no pandeiro.

Sebastiana grita “A, E, I, O, U, IMPERATRIZ!”.

A ema jorra:

É Carnaval!



Dá-se a ver. Ê menino Zé Filho, broto da “Flora” nordestina, corpo da rua e do mato. Nem mesmo a miséria de recursos aniquilou sua riqueza de talento. Filho do ritmo do sertão, fruto da incansável vontade de ir além. Quando o vazio parecia ser a única coisa palpável, mergulhou de cabeça no oco do coco. Lá encontrou o som – sua salvação. E assim percebeu como tem Zé na Paraíba! “É Zé João, Zé Pilão e Zé Maleta, Zé Negão, Zé da Cota, Zé Quelé”. Zé Filho, no entanto, metamorfoseia-se em uma embolada que bola, rebola, transbola.

Zé que por antropofagia se torna Jack.

Jack que por sonoridade se torna Jackson.

Jackson que por ritmo se torna Jackson do Pandeiro.

Jackson é música! A vibração que chega batendo forte como zabumba. Arrepia todos os pelos dos corpos que o rodeiam. A pele do corpo em sintonia com a pele do tambor. Tum, tum, tum!  O tempo forte da marcação do grave altera a percepção espacial. Tal como gemido de ema, alucina. Tal como toque de tamborim, ativa a vontade de mexer os pés, de entrar na dança. Tacaracatá tá tá! A agitação da mente é como o tocar de um ganzá, que pulsa no toque do metal com os grãos e as contas. Chacoalha, chacoalha. Tiqui, tiqui, tiqui! Mas no tocar das platinelas, é aí que o bicho pega! Na ponta dos dedos, na palma da mão, o calor do rufar do pandeiro é a paixão por onde Jackson se incendeia. Parapapá tsssss!

Em uma dança de compasso próprio, Sebastiana grita. Mas não é histeria, é felicidade. Subversão! É a possibilidade de um novo forró em meio a limoeiros, com Mano Zé e Dona Zezé, onde a zoada do samba é o maior tereré. Sem violência, forró de resistência. Lugar onde sapo canta, sapo dança. Sapo posa e goza. Grrrrrr, glup. Cra, splash! Não é roça, mas a sensação do cair da chuva é similar. O som deixa a gente contente. O corpo gruda como chiclete, desliza como banana. Corpo à margem, de gingado nordestino. Corpo que não é buraco velho, mas tem cobra dentro. Zum zum zum! No vai e vem, no rebolar, leva no rastejar a canção. Samba que balança e não cai. É bom! Nesse gingado, diabo não manda secretário, vem ele mesmo dizer que essa folia não exclui por diferença. É plural!

Mas e o Tio Sam? Jackson convida para a orgia, para a troca de fluxos desse lugar de desejo. O ritmo de Jackson dissolve fronteiras, transborda movimento, passagens, diálogos – faz o Tio Sam tocar tamborim vestido em fantasia de chita. Nessa confusão, rumba é que vira samba ao som de frigideiras. Tururururururi bop-bebop-bebop! Somos brasileiros, mas também somos americanos! Latino-americanos! Sul-americanos! É nossa identidade, nosso lugar de fala. Nessa levada, chegam as baianas, as grandes divas do pop nacional. Nesse musical, nosso prato principal é muito arrojado – muito “caju e castanha” para todos os convidados. Na indomável batucada virtual, o povo amanhece só na base da chinela!

Já que é carnaval, o público grita com Sebastiana, geme com a ema e vibra com Jackson. A cultura nacional pulsa, vive! Valoriza-se o que é nosso: a diferença. Somos múltiplos, híbridos, não normativos. Somos uma realeza que urge por visibilidade, assim como Jackson, de sangue vermelho e espírito cheio de alegria, com uma imensurável força de vontade. Somos a percussão da voz negra, eco de uma alma africana e de um timbre nordestino. Swing marginalizado, Jackson vive em sujeitos periféricos – que resistem, que ocupam. Jackson é do pandeiro, mas é também da massa. É da comunidade! Anseia-se que a juventude ouça Jackson, ouça os gemidos de uma ema que não é sinal triste, mas delirante. Sinal de brasilidade. Tal qual, que as Sebastianas contemporâneas gritem o abecedário completo, gritem a letra de seus corpos, a poesia da sua liberdade. Jackson é fluxo que precisa ser absorvido, transformado, voltar e sair em transe. Entra pelo ouvido, arrebata a mente, sai pela boca, volta na pele.

Já que é carnaval, cantemos como se não houvesse amanhã. Até porque não há nem o próprio hoje. O que há é uma onda sonora, um gemido de ema que quando cessar, levará consigo toda a vida imagética. E sobre as ruínas apoteóticas, estaremos nós – os foliões que comemoraram o centenário de Jackson do Pandeiro – e elas – as memórias de uma noite arretada!

 

Outras Informações Julgadas Necessárias (fontes de consulta, livros etc):

GASPAR, Lúcia. Jackson do Pandeiro. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br>.

RAMOS, Manuela Fonsêca. Na levada do pandeiro: a música de Jackson do Pandeiro entre 1953 e 1967. Dissertação de mestrado. Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, 2012.

EDITORA CUSTOM – Disponível em: < http://customeditora.com.br/viva-jackson-do-pandeiro/>.