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Zicartola (Lins Imperial - 2018)
Abrem-se
as portas do Zicartola. De repente, a multidão que estava
aglomerada, depois de algumas horas de espera, consegue entrar.
Também pudera, o bar é a coqueluche do momento. As longas
filas são costume, mas só de conseguir ouvir A Voz do
Morro, desde a rua dos Andradas, já nos dá uma boa ideia
do que nos espera. Pés adentro, caminhamos entre as
várias mesas espalhadas e nos sentamos escorados na parede
ilustrada pelas fotos dos artistas que por aqui passam. Da porta da
cozinha de dona Zica advém o delicioso cheiro de sua comida
caseira e pelos ouvidos somos tomados pelas melodias cantadas pelos
velhos sambistas.
E é ela que vem nos receber, dando as boas vindas e entregando o singular cardápio, ilustrado e assinado pelo característico HP de Heitor dos Prazeres. Até os nomes dos petiscos são detalhes à parte, como o docinho de coco à Eliseth Cardoso. Fazemos o pedido enquanto vejo Carlos Cachaça honrar o sobrenome. Chega à nossa mesa carne seca com abóbora, língua com purê de batata, feijão, sopa e pimenta. E sobre mais um no palco e desce mais cerveja pra gente. E não demora pra percebemos que o Zicartola é muito mais que comida e samba. Aqui de tudo Acontece. Enquanto Clementina entoa jongos e lundus, Manelzinho Araújo toca choros, Nara Leão traz a bossa nova e João do Vale canta baiões e xaxados. Um mosaico da música popular brasileira. E num canto, Hermínio Bello de Carvalho lança seu novo livro. Outro dia, o lugar até sediou a festa de casamento do par que dá nome à casa. E dá gosto de olhar pros lados e ver essa mistura de gente: rapazotes estudantes conversando com antigos compositores, a turma da Zona Sul cantando com o povo da Zona Norte, gente de jeans com outros de terno e gravata. Um verdadeiro caldeirão multicultural. Mas por maior que seja a esbórnia do recinto, o som do Zicartola não abafa o grito silenciado das ruas, em tempos de repressão. Pelo contrário. Aquilo que entra por nossa goela abaixo, passa a nos doer a cabeça e se torna ressaca (moral). No meio da farra, tomo um susto com o Vianinha, que sobe numa mesa e brada contra o governo retrógrado vigente, enquanto Sérgio Cabral protesta em favor dos desempregados. E as música vão ampliando seus significados, cantando a verdade que não pode ser dita. Dura a censura. O ponteiro do relógio avança e como tudo que é bom dura pouco, quando me dou conta, já é tarde. O Sol Nascerá em instantes. Vou, junto dos meus, com sorriso no rosto, me despedir dos já cansados de tanto trabalho, Zica e Cartola, e pagar a conta, é claro, mas o divino não deixa. – Amigo meu não paga – sentencia o poeta. – Obrigado, mestre. Mas que isso não se torne hábito. Assim vai acabar falindo – advirto enquanto me despeço. E as portas tristemente se fecham. Mas ficam as portas abertas para os talentos que lá despontaram, as canções que de lá saíram para ganhar o país. Prevalece a voz que se deu à Opinião. E assim o Zicartola permanece vivo, sobretudo a cada vez que nos reunimos para reviver aquela noites de alegria. Você também é nosso convidado. Pode chegar, fique à vontade. Texto: Tiago Ribeiro Comissão de Carnaval: Claudio Fontes, Flávio Mello e Tiago Ribeiro |
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