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Ave, Ave Rainha Senhora da Berlinda (Jacarezinho - 2021) “Encaixa, encaixa! Não deixa o ombro escapar do ombro da frente!
Se passar mal, encosta a cabeça no ombro da frente, respira fundo, que o corpo vai sozinho! Há tempos que já não tenho controle de boa parte do meu corpo. Sou peça de uma engrenagem compacta, encharcada de suor, roda de uma locomotiva humana. Todos gritam ao redor e ninguém desgruda da corda. Segura firme! Não fica longe dela… Encaixa, encaixa! Uma senhora desmaiou. Maca! Maca! Em poucos segundos, surge do céu uma maca, e não sei como a desfalecida se ergue da massa e deita no pano verde, como se estivesse tudo ensaiado. Um show de fé. Viva! Viva! Viva! Viva Nossa Senhora de Nazaré! Aos trancos e barrancos, a corda que trespassa a procissão do Círio chicoteia em câmera lenta e arrasta o povo fiel. Berros, choro, o peito prestes a explodir, as pernas automáticas, caras de dor, de esforço extremo, todos os pés descalços, no mesmo passo, sob o sol paraense. Puxa! Puxa! Agora embalou! As ordens e palavras de incentivo ecoam, no ápice do Círio, a maior procissão católica do planeta.” DE ROMARIA EM ROMARIA – HISTÓRIA, LENDAS E MITOS. No século XII, em Portugal, Nossa Senhora de Nazaré tornou-se símbolo de fé do cavaleiro D. Fuas Roupinho, o qual mandou erguer a Capela da Memória em agradecimento à Virgem, após ter sido salvo de um acidente enquanto montava a cavalo. A capela foi erguida sobre uma gruta onde estava a sagrada imagem. Saquarema, no Rio de Janeiro, é o berço da devoção à Senhora de Nazareth no Brasil. Em 1630, após uma forte tempestade, um pescador saiu para ver suas redes próximo ao mar. Ao passar pela colina, onde hoje está erguida a Matriz, encontrou próximo ao Costão, morro de pedras que fica localizado no centro da cidade, uma forte luz. Decidiu então chegar mais próximo e encontrou uma imagem de Maria (Mãe de Jesus), e deu-lhe então o título Nossa Senhora de Nazareth. A introdução da devoção a Senhora de Nazaré no Pará se deu através dos Jesuítas, mas a história mais conhecida data de 1700, onde Plácido, um caboclo, andava pelas imediações do então Igarapé Murutucu, quando encontrou uma pequena estátua de Nossa Senhora de Nazaré entre pedras lodosas. Ele levou a imagem para casa, onde limpou e improvisou um altar. No dia seguinte, inexplicavelmente a imagem havia sumido do altar e reaparecido onde Plácido a encontrara, às margens do Igarapé. Dizem os devotos que isso aconteceu várias vezes e, interpretando o fato como um sinal divino, resolveu construir sozinho uma pequena ermida no local, onde hoje, ergue-se a Basílica de Nazaré. Manhã de Sábado, anterior ao Círio, a imagem da Santa embarca na Corveta da Marinha H37, batizada de Garnier Sampaio, partindo do Porto de Icoaraci, fogos de artifícios marcando seu início. Acompanhada por centenas de barcos de diversos tamanhos, a Santa navega pelos rios da Amazônia. Seu destino final é a Estação das Docas. Durante o percurso, músicas, orações e missas dão o tom da procissão. As diversas embarcações impressionam com suas decorações, repletas de balões, bandeirolas coloridas e faixas de agradecimento. Em cada comunidade ribeirinha uma homenagem. Em vários pontos da Baía de Guajará, no Ver-o-peso e na Estação das Docas, uma multidão aguarda a chegada da imagem Peregrina. Recebida com honras de Chefe de Estado, a Santinha parte dali para mais uma jornada, a Moto Romaria. Centenas de motociclistas em um estrondoso cortejo que toma conta das ruas de Belém, que segue da escadinha do Cais do Porto até o Colégio Gentil Bittencourt. Ao seu final, no interior da Basílica Santuário, acontece uma das mais aguardadas cerimônias: a descida da Imagem Original. Já de noite ainda no Sábado, véspera do Círio, acontece a Trasladação: após a missa, os romeiros, num mar de velas, saem em caminhada rumo à Catedral de Belém, no percurso inverso ao que será realizado na manhã de Domingo, reproduzindo simbolicamente o milagre, fazendo o trajeto da Santa das margens do Iguarapé Murutucu (atual colégio Gentil) até a cidade (atual Catedral na cidade Velha) e seu retorno, no Domingo, no Círio propriamente dito (atual Basílica de Nazaré). O PROFANO E O FOLCLÓRICO – ICONOGRAFIA PARAENSE Na sexta-feira, enquanto a imagem aguarda o início das Romarias em Ananindeua, cidade vizinha da capital do Pará, artistas começam sua concentração na Praça do Carmo, em Belém, para o Auto do Círio. Fantasiados dos mais diversos personagens, realizam espetáculos culturais e performances, tudo em frente aos principais prédios públicos da cidade, em uma linda e colorida manifestação em homenagem à Nazinha, íntima e carinhosamente chamada pelos Paraenses. No Sábado, quando a Romaria Fluvial termina na Estação das Docas e de lá a Santa segue para o Colégio pela Moto Romaria, muitos devotos preferem se juntar ao Arrastão da Pavulagem que se inicia ali mesmo nas Docas, mas segue em direção oposta, também na Praça do Carmo. Na cultura popular paraense, o Arrastão está ligado as festas juninas e ao Boi Bumbá. Os brincantes se divertem com muito carimbó, ritmo típico do Pará com influências indígenas, africana e europeia; outro ponto alto é o artesanato Paraense, dando cor desde os brinquedos de miriti, feitos com fibra de buriti, lembranças da santa e do Círio e a arte marajoara. Ao término da Trasladação, no sábado à noite, a praça da República troca de fantasia: saem o terço, a vela e a oração, dando lugar a perucas coloridas, música eletrônica misturada com carimbó e outros ritmos, onde se celebra a Festa das Filhas da Chiquita, um evento LGBTQIA+ na programação paralela ao Círio – balbúrdia profana e bem humorada. O SAGRADO No comecinho da manhã de Domingo, o Grande Dia, é hora do Círio de Nazaré. Após a missa, o Cortejo reúne centenas de milhares de fiéis na procissão; a Berlinda que carrega a imagem da Virgem de Nazaré é seguida por romeiros. No percurso, os fiéis fazem manifestações de fé, enfeitam ruas e casas em sua homenagem. Atrelada à Berlinda que protege a Santinha, a corda de 400 metros pesando cerca de 700 quilos de sisal retorcido. É na Bendita que os fiéis pagam suas promessas e ficam quites com a Santa. No fim do martírio, os fiéis sacam facas da cintura e dilaceram a corda, pedaços disputados. Enfim o Cortejo de Nossa Senhora de Nazaré retorna, como na lenda de Plácido, ao seu local de origem às margens do Igarapé, atual Basílica de Nazaré, em todo seu esplendor, em uma reafirmação de manifestação inexplicável de Fé. Flavio Lins Carnavalesco |
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