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Meu Quintal é Maior do que o Mundo (Império Serrano - 2017)
1. Faz-me bem uma janela aberta... Cá dentro, a poesia A língua da raiz, do brincar Meu faz de conta do nada Lá fora, em meu quintal O reinvento pantaneiro... "Nadifúndio" das palavras Nele habita Bernardo O ermo dos bocós O silêncio honra seu ser Nele habito a minha poesia Olhar vago que passa em minha aldeia Nela domina os extintos primitivos Enfeitiça com o apoio do índio Terena Costumeiro em chamar perdiz pela cor De canto - hoje - verde Murmura a língua matinal... Dos Guatós, Guaranis e Guanás Eles enverdam as auroras 2. Bernardo morava em seu casebre na beira do rio Vive quase coberto de limos, musgos Destemido no privilégio do abandono Regava todos os dias o extinto Mar de Xarayés O menino agora é parte dele, das águas Apodera-se da paisagem como seu guardador Águas que fertilizam minha poesia Repousa na paz dos Camalotes Ora diante de uma procissão de formigas Outras recortam as roseiras deste meu quintal Ele me ensinou a infantilizá-las Só pingar um pouquinho de água no coração delas Algazarreia nos pingos de sol das manhãs Caracóis vegetam em minhas palavras Que andam em lentidão na imensidão verde 3. Esse é Bernardo Menino do mato, da mata Repetindo as tardes deste meu quintal Como um joão-ninguém, que vive do cisco Assim como garças que enfeitam os brejos Faz de conta menino que é um Tatu, bola a rolar Detém um olhar feroz traidor Ao mesmo tempo em que serve de abrigo da paisagem Vivi como andarilho flanando no pátio da fazenda Vejo um afeto de aves em seu olhar A passarada fez poleiro na sua cabeça Constroem casas na aba de seu chapéu de palha Só ele conseguia o gorjeio dos pássaros O menino-árvore bateu asas e avoou Virou passarinho Passarinhos deliram ao serem escolhidos ao concerto O concerto latente do entardecer 4. Entreaberta, prevejo o arrebol Caem os primeiros pingos de chuva Perfume de terra molhada invade a fazenda Bernardão conhece a lida do pantaneiro As águas impulsionam a vida no pantanal O homem deste lugar é a continuação delas Sua canoa é leve como um selo Menino bandarra faz o entardecer à beira do mato Toca a boiada que empurra águas vadias Forte, destemido como um Lobisomem Um pescador de varanda A admirar pacus à sombra dos Cambarás Tocador de viola quebrada em casa de madeira Ela possui orgulho de suas árvores e flores Este quintal mantém nossos delimites de viver À noite Beatos em procissão Ao ouvir a prosa dos rios Veja-te junto o outro menino "De fé que não se cansa" Que declamam "em forma de oração" Num dia pra lá de especial Seus setentas de glórias Em romaria a Nossa Senhora Do pantanal que pensa florescer A cada dia e a cada poesia minha Belas iluminuras (A janela se fecha) Manoel de Barros. Sobre Bernardo: Espécie de toten, deus, guardião da natureza sagrada. Mítico que domina o mundo natural pantaneiro. Fazedor de amanhecer. Guardador das águas. Encantador de pássaros. Matuto pantaneiro, meu fazendeiro. "Reizinho" do meu quintal. Bernardo: meu outro eu. "Penso agora que esse Bernardo tem cacoete pra poeta." Marcus Ferreira (Carnavalesco) Junior Fionda, Marcus Ferreira e Paulo Santi (Pesquisa, Desenvolvimento e Texto) Henrique Pessoa (Revisão Textual) Dialeto Manoelês: Andarilho: aves que vagam em plano terrestre, não sabem voar (Emas); Bandarra: Vadio, mandrião, vagabundo, cavalo velho solto pelos pastos; Bernardão: menino forte, destemido; Camalotes: aguapé, planta aquática de inflorescência Cocho: referido à viola do estado sul-matogrossense; Iluminuras: desenho de poesia; Mar de Xarayés: primeiro dado nome ao Pantanal, referido à primeira tribo do território; Perdiz: ave pantaneira; Nadifúndio: "Nadifúndio é um lugar de nadas". |
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