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Sinopse Império da Tijuca 2010

Suprema Jinga - Senhora do Trono Brazngola (Império da Tijuca - 2010)

Mutu kene ukwenze, kene mutu
(Pessoa sem vigor, não é pessoa)
Muito se fala sobre mim.
Como e o que fui, sou e sempre serei.
Verdades ou mentiras,
De certo e com límpida exatidão,
Nunca saberás.
Chamo-me Jinga,
Mas também posso ser Ginga, Singa, Nzinga, Nzingha, Nxingha, Zhinga...
Quando nasci, em Cabassa, na Matamba,
Kimbandas feiticeiros evocaram os espíritos.
Ngangas, Tatás, profetizaram minha sorte:
Meu caminho seria banhado em vermelho.
A terra, invadida por estranhos.
Tempos negros, da cor de minha pele,
Que perdurariam por muito.
Em minhas veias corre sangue dos Jagas.
Guerreiros, resistentes, metalúrgicos, mágicos, canibais.
Qualidades herdadas de meu pai,
O Ngola Kiluanji kya Samba,
Ngola, o titulo nobre que dará nome ao país: Angola;
O Rei Kiluanji, Rei dos Mbundos, do Reino Ndongo.
Firmamentos de minha Casa Real,
Linhagem ancestral.

O lançar dos portugueses em solo Africano
Em busca de ouro, prata, pedrarias e marfim,
Confirmara o aviso dos deuses.
O império lusitano avançou a conquistar à força
Outros tipos de mercadorias.
Peças de Ébano, meu povo.
Capturar em "guerras justas"
E escravizar em outras terras.
Penetrar o interior, colonizar, catequizar, dominar.
Muitos outros reinos já haviam caído, se dobrado.
Quando já nos éramos acuados,
Fui enviada por meu irmão Ngola Mbandi,
Sucessor de meu pai, a ter com o governador português.
Negociaria a paz entre as partes.
Assim o fiz com toda pompa e circunstância.

A princesa de Matamba é astuta, ardilosa, engenhosa.
O sangue frio da política também possuo.
Minha fabulosa embaixada adentrou Luanda,
Um séquito faustoso jamais visto naquelas paragens,
Para espanto e admiração daquela gente pálida.
Honras de realeza foram-me rendidas, merecidas.
Ao ser recebida, faltava-me um assento condigno à minha posição.
Armadilha infantil... Não me fiz de rogada.
Acomodei-me confortavelmente no lombo de uma escrava,
Que me serviu de trono durante toda a audiência,
De onde exibi trejeitos e polimentos europeus.
Deixei-a de presente como extraordinária mobília.
Fizemos negócios, isentei meu reino dos tributos.
Não era dominada, e sim, parceira.

Selei a paz.
Batizei-me em milagrosa conversão.
Minha graça, Ana de Souza, católica.
Mandei buscar a luz de Deus para meu Reino.
Frades italianos ensinaram-me a ler e escrever.
Jogando com as armas do inimigo,
Diplomata e maliciosa,
Fiz aliados os adversários.
Como predadora que sou,
Chegara a hora de alçar o bote silenciosamente alimentado,
Rumo em direção ao que é meu.
Minha coroa, minha Dilenga, meu destino.
Auetu! Assim seja!

Mbambu, veneno, fez justiça afastando meu irmão do trono.
Já estava escrito que assim seria, era o certo.
Tornei-me Rainha, Soberana do Ndongo
Absoluta, respeitada.
Rebelei-me contra o poder branco.
Renunciei ao Espírito Santo.
Afiei meu machado nas pedras de Matamba,
Empunhei meu arco e minha flecha,
Recobri-me de peles e dentes,
Vesti-me como varão,
Governei com mãos de ferro.
Eu era o Rei, e assim exigia o tratamento.
Meus conselheiros e tribunais atendiam aos meus interesses.
Meu exército saqueou, pilhou, escravizou.
Meu luxo precisava ser ostentado,
Tecidos, jóias, fumo, vinho, jogatina.
Violenta, voluptuosa, lasciva, possessiva, ciumenta,
Meu harém era farto em juventude e apetite.
Mantive os machos paramentados como formosas fêmeas
Para servir as vontades de seu Rei como se deve.
Dancei, cantei e bebi do sacrifício de viventes
Para fortalecer minhas vitórias nas batalhas.
Beijavam o chão em que eu passava.
Venerada, admirada, temida.

A Rainha Guerreira, a quilombola de Angola.
Reuni legiões, tribos, povos,
Congo, Kassange, Dembos, Kissama.
Unifiquei lideranças para fortalecer a luta,
O reconhecimento legítimo da terra.
Sukula mbutu Ngola ni Kongo!
Avante nação Angola e Congo!
Fiz aliança com holandeses,
Engenhei estratégias militares de ataque e defesa,
Instaurei os Quilombos como fortalezas de resistência,
Mas fui traída em batalha pela minha própria carne, Jagas.
Fui vencida em Massangano pelos portugueses.
Mas não me dobrei, jamais.

O povo adorava-me, idolatrada e orgulhosa.
Tornei-me heroína, símbolo de uma raça.
Aprenderam a não se render, a lutar.
Atravessei o mar nos porões dos navios negreiros,
Na mente e nos sonhos de minha gente,
Trazidos como escravos para as lavouras e plantações do Brasil.
Corri gira, canaviais, cafezais e minas.
Meus súditos cultivaram-me junto à sua lida.
Continuaram a me coroar em sua fadada luta pela sobrevivência.
Bantos, Iorubas, brancos, caboclos, mestiços.
Sincretizando e miscigenando nessas terras férteis,
Encontro meu trono definitivo.

Meu reinado está presente nos Reisados.
Meus irmãos do Congo santificam-me
Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e da Boa Morte em suas Congadas,
Onde sou coroada junto ao Rei do Congo.
Sou a Rainha das Nações dos Maracatus.
Meu cortejo reverencia os antepassados pelo sereno das ruas.
À meia-noite encontro os desencarnados sob a proteção da Calunga.
Sou a senhora das almas, entidade.
Sou dona do fogo, da magia, do relâmpago.
O desejo incontido, a paixão, a conquista, o arrebatamento, a guerra.
Sou a ventania, o poder da tempestade, a energia dos raios.
Sou a Senhora de Matamba, da espada de ouro.

Rainha do Congá. Eparrei Oiá!
Muito se fala sobre mim.
Como e o que fui, sou e sempre serei.
Verdades ou mentiras,
De certo e com límpida exatidão,
Nunca saberás.

Jack Vasconcelos
Carnavalesco

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

CARDONEGA, António Oliveira. HISTÓRIA GERAL DAS GUERRAS ANGOLANAS - Tomos I, II, III. Biblioteca Geral das Colónias, 1942.
CASCUDO, Luis da Câmara. MADE IN ÁFRICA. Editora Civilização Brasileira, 1965.
CAVAZZI, Pe. João Antonio (de Montecúccolo). DESCRIÇÃO HISTÓRICA DOS TRÊS REINOS CONGO, MATAMBA E ANGOLA (1687). Edição da Junta de Investigações do Ultramar, 1965.
LOPES, Nei. KIBÁTU - O LIVRO DO SABER E DO ESPÍRITO NEGRO-AFRICANOS. Senac Rio,2007.
MIRANDA, Ricardo. GINGA, A RAINHA DE ANGOLA. Oficina do Livro, 2008.
MUSSA, Alberto. O TRONO DA RAINHA JINGA. Editora Record, 2007.
PARREIRA, Adriano. ECONOMIA E SOCIEDADE EM ANGOLA NA ÉPOCA DA RAINHA JINGA SÉCULO XVII. Editorial Estampa, 1997.
RAMOS, Arthur. A ACULTURAÇÃO NEGRA NO BRASIL - Brasiliana, Biblioteca Pedagógica Brasileira. Editora Nacional, 1942.
SOUZA, Marina de Mello. REIS NEGROS NO BRASIL ESCRAVISTA - HISTÓRIA DA FESTA DE COROAÇÃO DE REI CONGO. Humanitas, UFMG, 2002.