Sinopse Gato de Bonsucesso 2010
Bendita
Baderna (Gato de Bonsucesso - 2010)
JUSTIFICATIVA
A marcha carnavalesca, conhecida como "marchinha", é
um gênero da música popular brasileira, cujo irreverente
repertório possui as canções mais populares do Brasil.
"Ô Abre Alas" de Chiquinha Gonzaga, composta
especialmente para o Cordão Rosa de Ouro, foi a nossa primeira
música carnavalesca, invencível desde 1899, abrindo fértil
caminho que se desenvolveu, criando um novo gênero. Entretanto,
até a década de 20, não surgiram muitos compositores de
marchinhas, obrigando os cariocas a importar músicas de várias
procedências, podendo ser francesas como a "Les pompiers de
Naterre", americanas como o cakewlak, habaneras cubanas, ou
portuguesas como "Caninha verde", além de valsas,
maxixes, chulas e schottisches.
Entretanto, depois
de "Pé de Anjo", composta por Sinhô, as marchinhas
não mais pararam de efervescer o cenário momesco com melodias
simples e empolgantes, letras recheadas de dúbios sentidos,
ironias e picardias. Através da inspiração de Eduardo Souto,
Freire Júnior, Ary Barroso, Lamartine Babo, João de Barro,
Benedito Lacerda, Noel Rosa, Mário Lago, Alberto Ribeiro, João
Roberto Kelly, entre outros; as marchinhas musicaram a história
do carnaval, sempre influenciadas pelo espírito tipicamente
carioca, como verdadeiras crônicas ou críticas musicais.
Havia concursos para definir qual marchinha seria a "voz do
Carnaval", e pelo cinema, pelo rádio, ou pelo disco de
vinil, essas crônicas conquistavam o país ao longo dos bailes
de Carnaval e das chanchadas cinematográficas; cujos números
musicais levavam às telas a misteriosa imagem dos ídolos do
rádio. Muitos se dedicavam anualmente na expectativa por serem
os autores da música que o público cantaria durante os três
dias de folia, gravadas nas vozes de Carmem Miranda, Dalva de
Oliveira, Sílvio Caldas, Orlando Silva, Dircinha e Linda
Batista, Carlos Galhardo, Almirante, Mário Reis, Jorge Veiga,
Blecaute, Marlene, Emilinha Borba, Araci de Almeida, Carmem Costa
etc.
Mesmo quando politicamente incorretas, infladas de preconceito,
discriminação e comicidade, poucas manifestações delinearam
com tanta simpatia e criatividade o humor da alma do carioca;
cantando casos de amor, problemas do cotidiano, modismos ou
costumes sociais, a história da cidade, desvios de conduta,
qualidades e defeitos de seu próprio povo. As marchinhas quase
sempre exageravam no deboche e na malícia, podendo ir do lirismo
romântico e nostálgico ao esculacho e depreciação, mas
definitivamente, sem deixar de ser envolventes e empolgantes.
São músicas que, ao mesmo tempo em que nos remetem a carnavais
inesquecíveis, conservam a juventude que encanta as crianças de
todas as idades, sem se preocupar com regras sociais, com a moral
e os bons costumes, comprometidas apenas com a liberdade de
expressão e com a própria inversão de valores; sejam pelas
ruas com os blocos de sujo ao sol do meio-dia, com os blocos de
embalo, pelas praças e coretos, ou nos refinados bailes de
teatros e salões; ou seja, as marchinhas são a própria
essência do Carnaval Carioca.
Desta forma, o GRES GATO DE BONSUCESSO, utilizando-se justamente
do samba de enredo, outro gênero da nossa música, toma a
responsabilidade de homenagear em seu desfile a trajetória das
grandes marchas carnavalescas, através das memórias
nostálgicas de um Pierrô pela reconquista do amor de sua
Colombina, reverenciando assim, as mais remotas lembranças dos
inesquecíveis carnavais e dos áureos tempos dos Arlequins,
Diabinhos e Mandarins. Uma época de debochada confusão musical,
irreverente luxúria infernal, indecente crônica social, uma
verdadeira e Bendita Baderna no império do carnaval.
Arthur Reiy
SINOPSE
Conta uma antiga lenda carioca, que certa vez, lá pelos lados da
Rua do Ouvidor, houve um apaixonado Pierrô, que abandonado e
desesperado, quase morreu de tanto amor! Sabe-se que,
derramando-se em saudades, ao beijar os lábios da Nostalgia,
sentiu falta da Poesia que saltitava pelas canções. Ai quem lhe
dera abrir alas para alegria, e ofertar rosas de ouro, pra mulata
e pra moreninha rivalizarem com loirinha, aos olhos das
multidões! Então, encabulado, saltou de banda, meio de lado,
feito criança a chorar, fazendo manha, dando careta, querendo
colo, pedindo chupeta. Por entre chuvas de confetes e batalhas de
serpentinas, na guerrilha dos limões da varanda das meninas, foi
atrás determinado, do rastro de sua Colombina. Seguiu pela
avenida das ilusões, em busca daquele batuque saudoso, do embalo
irreverente, mas só encontrou pela frente, uma camélia a
suspirar, nos braços de uma jardineira em soluços a lamentar.
Vem jardineira vem meu amor
Não fiques triste que este mundo é todo seu
Tu és muito mais bonita
Que a camélia que morreu
Se preciso fosse, iria até às touradas de Madri e não voltaria
mais aqui, nem pela bravura de Peri, nem pela beleza de Ceci; mas
perguntando ao mal-me-quer, o que seria na verdade, o amor de uma
mulher. Queria saber a todo custo, se a Poesia ainda existia, e
por onde andaria, fosse noite ou fosse dia, pelos becos da
boemia, ou pelas ruas ao luar. Para reencontrar seu grande amor,
atravessaria até mesmo o Saara, implorando por Allah, com o sol
inclemente à cara. Iria até à Martinica, lembrando-se de
Chiquita, vestida em casca de nanica, do tipo exportação. E no
calor cada vez mais forte, quem sabe até tivesse a sorte, da
falta d`água escapar, se ao menos chovesse para aliviar!
Tomara que chova
Três dias sem parar
Tomara que chova
Três dias sem parar
Nos devaneios de sua busca,
sassaricando por lampiões a gás, foi pensando a cada esquina,
onde foi parar o sorriso daquela divina, que o tempo deixou para
trás. Teria se perdido em um corso, num rancho ou num cordão?
Ou estaria vivendo em luxos como francesinha num salão? Para
esquecer as mágoas, tem gente que vê alento nas cachaças, e
garrafa cheia não quer nem ver sobrar; mas o apaixonado preferiu
na folia, sua Colombina procurar. Quem sabe em Paquetá, num
piquenique lá na Barra ou numa tarde no Joá? Cansado de
peregrinar resolveu pegar um bonde; pediu moeda a quem passava,
mas foi aquela confusão; bebeu até cair, e dinheiro não teve
não. Foi acordar ainda meio tonto, zonzo e atordoado,
cambaleante e assustado, com um índio a esbravejar; por conta de
um apito, por conta de um colar!
Lá no bananal mulher de branco
Levou pra índio colar esquisito
Índio viu presente mais bonito
Eu não quer colar, índio quer apito
De um jovem mal-falado teve ajuda para se levantar, encontrando
forças na alegria do som de um cordão: bolas pretas a revoar
numa alegria infernal, onde todos eram de coração, foliões do
carnaval. Reparou na rapaziada, que com bafo de onça ia dizendo
no pé, cabrochas gingando, e como tinha mulher! E lá iam
caciques brincando juntinho, dando água na boca de quem estava
sozinho. Foi aí que o Pierrô deu-se conta do tempo que
vagueava, em busca de sua amada que de jeito algum encontrava.
Resolveu seguir uma banda que por ali passava, cantando coisas de
amor, e atrás gente sofrida, despedindo-se da dor. Cheio de
tristeza, mas repleto de saudade e amor, cantarolava pelas ruas
sua inebriante dor, sem mais saber o que fazer! Sem seu tormento
esconder!
Colombina aonde vai você
Eu vou dançar o iê iê iê
Ao cansar sentou-se no banco de uma velha praça... e reparou que
era a mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores e o mesmo
jardim dos carnavais de outrora. Notou a velha árvore marcada a
canivete, onde um coração desenhado eternizava sua paixão do
passado. Então veio-lhe a imagem de sua pequena, num glamouroso
baile de carnaval, com uma luxuosa máscara negra, ao som de uma
orquestra magistral. Era mais um na multidão sem igual, entre
rostos escondidos a transformar a noite num momento especial.
Onde está sua Colombina que sumiu, desapareceu? Ninguém sabe,
ninguém viu, será que se perdeu? Culpa do tempo, do
esquecimento, ou do encanto que morreu? "Quem é
você?" "Adivinhas de gosta de mim!" Hoje dois
mascarados procuram os seus namorados perguntando assim!
Eu sou aquele pierrô
Que te abraçou
Que te beijou, meu amor
Na mesma máscara negra
Que esconde o teu rosto
Eu quero matar a saudade
Como era bom desbravar ruas, com cara suja de farinha, e terminar
a noite num colorido salão, ao som de uma marchinha! A voz do
Theatro, da Cinelândia, da Revista, da sétima arte, do
artista... que cantava coisas da cidade, era crítica de verdade!
Lembrou-se de Chiquinha, e dos gingados da portuguesinha, da
brilhante estrela Dalva, Lamartine, Noel Rosa, e de João de
Barro, nosso imortal Braguinha! Testemunhas de seu amor pela doce
Colombina, desde o tempos da Vassourinha às buzinadas do
Chacrinha! Não desistiria de reencontrar a sua amada, declamando
na avenida uma ode enluarada.
Saudade mal de amor, de amor
Saudade dor que dói demais
Vem meu amor
Bandeira branca
Eu peço paz
Quando então já desistia, desiludido e descontente, surgiu a
sua frente, a sorridente Colombina, toda faceira e irreverente,
em perfume, confete e serpentina. Disse a bela encantadora que
nunca desaparecera, pois morava "cabrocha" no coração
de quem dela não se esquecera; e nem dos grandes carnavais, dos
lanças-perfumes e limões de cera. Ainda viveria, por muito
tempo nos sonhos de seu Pierrô, ao som de uma doce marchinha,
como cantiga de amor... entre o sagrado e o profano, pelas ruas e
salões, numa bendita baderna, encantando foliões! Sem carnaval
seria impossível a felicidade, histórias de amor, e
majestade... nos traços e nos compassos da Maravilhosa Cidade.
Berço do samba
E das lindas canções
Que vivem n'alma da gente
És o altar dos nossos corações
Que cantam alegremente!
Arthur Reiy