Sinopse Gato 2009
Encantos
e bruxarias na corte do Rei-Sol (Gato de Bonsucesso - 2009)
"Há maior significado
profundo nos contos de fadas que me contaram na infância do que
na verdade que a vida ensina."
Schiller
JUSTIFICATIVA
Embora os Contos de Fadas tenham sido escritos aparentemente para
crianças, os textos, na verdade, sempre buscaram a cumplicidade
dos adultos, sem jamais deixar de insinuar a moral da história
com rimas e, muitas vezes, humor. Esses contos possuem signos que
nos transportam a tempos idos na história da humanidade, quando
homens costumavam contar aventuras ao redor do fogo, expurgando
de certa forma seus próprios temores. A principal
característica que traça o perfil do processo evolutivo da
civilização é justamente a integração do homem com o meio
ambiente, da qual depende a vida em sociedade e o desenvolvimento
de narrativas que ajudassem a nortear um sistema de ideologias
sobre a expectativa da sociedade em relação ao papel de cada
indivíduo foi alimentado pela necessidade de organização
social. Por exemplo, aquele que se entrega ao isolamento, ou não
compartilha dos mesmos costumes, é entendido como um estranho,
um elemento perigoso, a ser evitado. Nessa perspectiva, os Contos
de Fadas também expressam o sentimento de ameaça que o
"estranho" representa para a integridade das
sociedades.
A origem desses contos remonta a
tempos imemoriais, sendo mantidos em circulação por meio da
oralidade. A iniciativa de registrá-los, porém, tem como
cenário a França do século XVII d.C., graças aos ouvidos
atentos do eminente escritor Charles Perrault. Com seu talento (e
não sem boa dose de espírito lúdico), este homem de letras
percebeu a riqueza estética de tão vasto material que, de outro
modo, poderia ser perdido para sempre nos refolhos da memória da
humanidade. Portanto, não criou os contos, mas transcreveu-os de
relatos orais e editou-os para que se adequassem à audiência da
corte de Luís XIV (1638-1715), o Rei-Sol. Perrault excluiu,
tanto quanto julgou conveniente, passagens que pudessem ser
consideradas obscenas ou repugnantes, contendo erotismo, incesto,
prática sexual coletiva, canibalismo ou morte hedionda, mantendo
apenas o apelo literário junto aos salões da elite letrada.
Tendo delineado seu ideário,
publicou, então, em 1697 as Histórias ou contos do tempo
passado, com suas moralidades: contos da Mãe Gansa, como se fora
uma obra precoce de seu filho adolescente. Contos como "O
Gato de Botas", "O Barba Azul", "O Pequeno
Polegar", "Chapeuzinho Vermelho", "A Gata
Borralheira", "A Bela Adormecida no Bosque",
"Riquete, o Topetudo", "Pele de Asno",
"Desejos Ridículos", "As Fadas", e "A
Paciência de Grisélidis", viriam a ter celebridade
universal, marcando o início do que se convencionou chamar de
literatura infantil, escritos em prosa, numa linguagem simples,
como a dos narradores populares, e artística como a dos poetas.
Como justificativa a tão inusitada empreitada, faz cada conto,
sempre escrito em prosa, acompanhar-se de respectiva
"moralidade", escrita em verso, de modo que à
publicação de um tal livro pudesse ser atribuído um fim útil,
qual fosse o de educar os pequeninos segundo a ordem moral
vigente.
Charles Perrault foi um
importante intelectual de seu tempo - escreveu diversas obras de
Literatura, tendo, inclusive, participado da conhecida Querela
entre Antigos e Modernos. Ironicamente, sua fama, glória e
reconhecimento, que legaram seu nome à posteridade, foram por
ele alcançados a partir da publicação de um aparentemente
inocente livro para crianças.
Representações do inconsciente
coletivo, os Contos de Fadas ainda possuem na contemporaneidade
muito prestígio entre as crianças e conservam-se nas
lembranças mais vívidas dos adultos. Esses contos possuem um
efeito terapêutico na medida em que o ser humano encontra
soluções para seus conflitos pessoais, existenciais, a partir
da contemplação do que a história parece insinuar, em sua
linguagem cheia de beleza poética. Os Contos de Fadas não
informam sobre questões do mundo exterior, mas sim sobre
processos interiores, inerentes ao pensar e ao sentir.
Entretanto, a crença de que os Contos de Fadas contêm
"lições moralizantes" pode ser, em parte, creditada a
Perrault, cujos textos sempre se fazem acompanhar de engenhosas
moralidades.
O Grêmio Recreativo Escola de
Samba GATO DE BONSUCESSO, expurgando todos os seus temores, pede
passagem, cedendo ao desejo mais íntimo de vasculhar a
empoeirada arca das memórias primevas, redescobrindo todo o
fascínio pelo mundo encantado do "faz de conta",
contido nas mais belas histórias de amor e nos mais terríveis
contos de horror, registradas por Charles Perrault, e transforma,
durante o reinado de Momo, malandros e cabrochas em reis e
rainhas, príncipes e princesas, fadas e elfos, ogros e bruxas,
seres mágicos invencíveis... Abram-se, portanto, os portais da
imaginação; sejam entornadas as poções de encantamento,
vibrem-se as varinhas de condão, e que a magia de um simples
sorriso de criança transforme todos os sonhos em verdades, para
que possamos ir além, muito além, e muito mais além ainda do
"Era uma vez..."
Enredo:
Arthur Reiy
Revisão de Texto:
Jacqueline Luppo
SINOPSE
Abrem-se os "portais da imaginação"
De onde vim, para onde vou, onde estou
Ornado em plumas, "botas" e gibão
Com muito prazer, de um mundo mágico eu sou
Apresento-lhes um menino, filho de lar burguês
Que estudou "mortas línguas"; dedicado aprendiz
Sonhava em ser nobre, como um bom marquês
Mas tornou-se "homem das leis", e era o mais feliz
Odes ao "Rei-Sol", passou a dedicar
Nos salões palacianos, "tesouros desvendou"
Por um sábio "Conselheiro" fez-se encantar
E um "céu de estrelas" a corte contemplou
Mas seu grande ardor era mesmo a "poesia"
Das histórias que ouvia em todo lugar
Foi cuidar da arte na pomposa "Academia"
E dele fez a França, em sorrisos, se orgulhar
Meu bom senhor, minha ilustre senhora
Este humilde servo é quem vai lhes contar
Os delírios mais incríveis, lendas de outrora
Que meu amo tão querido pôs-se a eternizar
Havia "Contos da Velha" e "Contos da Cegonha"
Mas com a "Mamãe Gansa" foi se aconselhar
Dela ouviu a ordem de jamais sentir vergonha
Viver sempre de sonhos, e a inocência deslumbrar
Viu "encanto nas águas" e "lirismo nas
matas"
"Poesia nos céus" e "jóias a florescer"
Perfume de primavera em palavras tão sensatas
Das aventuras que um dia resolveu escrever
"Menina de vermelho" a correr perigo
Nos caminhos tortuosos da floresta se embrenhou
Seu destino tão incerto na lábia do inimigo
E a malícia de uma fera que a sombra camuflou
Quando a fome e a miséria batem à porta sem piedade
Trazem medo e desespero, tiram a paz de uma criança
Que perdida e aflita cai nas garras da maldade
Mas o "Pequeno" no tamanho tem "sete léguas"
de esperança
"Fadas e bruxas" em reinos de magia
"Beleza e sabedoria" em aliança divinal
Que revela ao "Barbado" o "azul" da valentia
E leva a bela dama a se afastar de todo mal
A princesa enfeitiçada pelo fuso proibido
"Adormecida" por cem anos, como a velha praguejou
Num emaranhado de espinhos, num castelo escondido
Com um beijo delicado, de seu sono despertou
O "borralho" da lareira se espalha no alambrado
Escondendo por vaidade a pureza virginal
Mas a bela abençoada, vai ao baile tão sonhado
E às doze badaladas deixa um "brilho de cristal"
Com a "pele de um bicho" uma jovem em pavor
Guarda jóias encantadas pra fugir de uma paixão
E encontra longe, muito longe, seu verdadeiro amor
Pois "ridículo é o desejo" do qual se abre mão
Com encanto e bruxaria, "paciência" ou terror
Meu príncipe faceiro é o mestre do irreal
Por isso trago "lendas", como "histórias de
louvor"
Que se enfeitam na alegria de um doce Carnaval
Sou, com meu mais profundo respeito,
De meu amo, o mais humilde e obediente servidor
Que por assim, e por aí tenho feito,
O Gato de Botas, a seu inteiro dispor
HISTÓRICO
Abrem-se os "portais da imaginação"
De onde vim, para onde vou, onde estou
Ornado em plumas, "botas" e gibão
Com muito prazer, de um mundo mágico eu sou
Numa feérica inversão de papéis, o "Gato de Botas",
diretamente da Literatura Infantil, toma vida e vem narrar a
história de Charles Perrault, o escritor que, com "engenho
e arte", capta a essência desse espirituoso personagem e
lhe define o perfil nas linhas indeléveis que chegaram aos
nossos dias. Assim, criador e criatura alternam-se na magia do
enredo do GRES Gato de Bonsucesso para o Carnaval de 2009. O Gato
de Botas, de todos os felinos, é o mais malandro e intrépido e,
justamente por isso, sai de sua própria história, deixando de
ser um conto para tornar-se o contador da história de seu
co-criador, Charles Perrault.
No conto "O Gato de Botas", um pobre bichano é dado
como herança a um jovem cujos irmãos recebem, respectivamente,
um moinho e um jumento. Para não ser desprezado por seu dono e
provar que, apesar de sua aparente inutilidade se comparado aos
outros bens, seria capaz de converter-se em proveito maior para
seu dono, o animal usa de uma seqüência de estratagemas, de
ética muito discutível, para transformar seu pobre senhor em um
nobre, dono de castelos e terras prósperas. Uma das mensagens
que se pode inferir desse conto é que aquele que nasce em
"berço de ouro", sem ter tido que conquistá-lo, pode
perdê-lo com muita rapidez, por não saber mantê-lo. Não muito
diferente da história do jovem personagem do conto é a
história de seu estimado escritor, ora homenageado. E o nosso
querido Gato sabe disso...
Portanto, liberto das páginas do conto, nosso personagem
considera a história de Charles Perrault o mais maravilhoso de
todos os Contos de Fadas, merecendo ser decantado na poesia do
Carnaval.
Apresento-lhes um menino, filho de lar burguês
Que estudou "mortas línguas"; dedicado aprendiz
Sonhava em ser nobre, como um bom marquês
Mas tornou-se "homem das leis", e era o mais feliz
O Gato de Botas apresenta Charles Perrault como um genuíno
burguês parisiense, de boa e tradicional linhagem, em uma época
em que os burgueses lutavam por direitos, e reconhecimento de sua
existência como classe social, na França absolutista, em que os
nobres desprezavam as camadas consideradas inferiores e sua
respectiva cultura. O artesanato e o comércio eram altamente
discriminados, apesar de movimentarem e sustentarem a economia do
reino. Depreende-se disso a luta que teria de travar por
aceitação e afirmação no seio da nobreza.
Perrault aprendeu a ler no colo da mãe; seu pai foi seu primeiro
preceptor e, mais tarde, orientador nos estudos. Demonstrou certo
talento para o aprendizado de línguas mortas ao cursar o
colégio externo de Beauvais, do qual retornava à sua casa no
fim da tarde. Esses estudos, porém, não chegaram a bom termo,
pois não conseguiu terminar no colégio o curso de Filosofia.
Aluno inquieto e indagador, contestador precoce do tipo que o
mestre mandava calar-se com irritação, abandonou o colégio
definitivamente. Os colégios parisienses contavam com dezenas de
repetidores de aulas decoradas, que consideravam condenáveis as
novidades ensinadas por Descartes na obra revolucionária
Discurso Sobre o Método. Perrault, além de não concordar com
os métodos de ensino, tinha por Descartes grande admiração, o
que gerava certo conflito. Posteriormente, formou-se em Direito e
passou a advogar.
Odes ao "Rei-Sol", passou a dedicar
Nos salões palacianos, "tesouros desvendou"
Por um sábio "Conselheiro" fez-se encantar
E um "céu de estrelas" a corte contemplou
Na França absolutista, a autoridade monárquica, justificada
pelo direito divino conferido aos reis, atingiu seu ápice com o
governo de Luís XIV, o "Rei-Sol", que teria proferido
a célebre frase: "O Estado sou eu".
Perrault tornou-se o Cobrador Geral do Reino, com Pierre, seu
irmão mais velho e, depois de ter publicado uma série de odes
dedicadas ao rei, passou a ser o assistente de Jean Baptiste
Colbert, o famoso Conselheiro das Finanças.
Foi Primeiro Comissário das Edificações das Obras Públicas da
França, em 1665, e, mais tarde, coordenou a construção do
Observatório Real, com base nas plantas de seu próprio irmão,
Claude Perrault. Posteriormente, essa obra seria transformada em
Observatório de Paris, devendo servir de lugar para reuniões e
realizações de experimentos científicos para acadêmicos de
todas as áreas de conhecimento, mas, devido ao seu afastamento
de Paris no referido período, somente puderam usá-lo os
estudiosos dos astros.
A corte do Rei-Sol era formada por figuras interessantes como o
sábio Conselheiro das Finanças Jean Baptiste Colbert, o
astucioso Cardeal Mazzarino e a amante do rei, Madame Montespan,
que dirigia a moda na França (para divulgar as últimas
novidades, exportava para outras capitais européias por meio de
bonecas de 80 centímetros de comprimento, as famosas
"Pandoras").
Mas seu grande ardor era mesmo a "poesia"
Das histórias que ouvia em todo lugar
Foi cuidar da arte na pomposa "Academia"
E dele fez a França, em sorrisos, se orgulhar
Perrault foi eleito, em 1671, membro da Academia Real de
Ciências Francesa (Académie Royale des Sciences), criada em
1666. No dia da inauguração, foi concedido ao público o
privilégio de presenciar a cerimônia.
O jovem francês de então já demonstrava certo fascínio pela
poética das histórias folclóricas, que ouvia desde criança, e
pensava em transcrevê-las para um dia contar a seus filhos. No
ano seguinte, casou-se com Marie Guichon e foi nomeado chanceler
da Academia, de onde se tornou o primeiro bibliotecário.
Meu bom senhor, minha ilustre senhora
Este humilde servo é quem vai lhes contar
Os delírios mais incríveis, lendas de outrora
Que meu amo tão querido pôs-se a eternizar
Charles Perrault resolveu registrar as histórias que ouvia para
ler nas tertúlias dos Petits Samedis de Mlle de Lhéritier. Eram
lendas folclóricas que, em sua versão original, apresentavam
episódios, ou claras referências, de incesto, adultério,
exibicionismo, estupro, voyeurismo, práticas sexuais coletivas e
outras práticas consideradas obscenidas, além de mortes
hediondas. Perrault expurgou e suavizou o máximo que pode o
conteúdo dessas narrativas em suas transcrições, para que se
adequassem ao código comportamental da sociedade francesa da
época.
Perrault foi o primeiro escritor francês a se dedicar
especialmente aos contos infantis, muito embora, os contos, em
sua existência primitiva, fossem dirigidos, na maior parte das
vezes, a adultos. Seus contos sempre terminavam com a famosa
"moral da história", em forma de versos, ou seja, são
"histórias exemplares".
Havia "Contos da Velha" e "Contos da Cegonha"
Mas com a "Mamãe Gansa" foi se aconselhar
Dela ouviu a ordem de jamais sentir vergonha
Viver sempre de sonhos, e a inocência deslumbrar
A partir do registro, seleção e respectivas adequações ao
pensamento vigente, do material recolhido daquela literatura de
tradição oral, vem à luz o volume de contos que levaria o nome
de Charles Perrault à posteridade. A obra, dedicada à neta de
Luís XIV, era constituída de onze contos populares e foi
publicada em 11 de janeiro de 1697, sob a autoria de seu filho de
dez anos, Pierre Perrault Darmancour, recebendo inicialmente o
nome de Histórias ou contos do tempo passado com moralidades
(Histoires ou contes du temps passés, avec des moralités), mas
também foi chamado de Contos da Velha e Contos da Cegonha,
ficando, posteriormente conhecido como Contos da Mamãe Gansa
(Contes de ma mère l'Oye). "Mamãe Gansa" foi o nome
dado por Perrault a um arquétipo: a camponesa contadora de
histórias, a quem teria sido atribuída a origem das lendas
transcritas.
Viu "encanto nas águas" e "lirismo nas
matas"
"Poesia nos céus" e "jóias a florescer"
Perfume de primavera em palavras tão sensatas
Das aventuras que um dia resolveu escrever
Com essa publicação, as narrativas de tradição oral foram
elevadas, para sempre, ao status de Literatura, marco histórico
a partir do qual os Contos de Fadas passaram a ocupar um espaço
expressivo nos círculos públicos e privados, legitimados pela
sociedade francesa e vistos como fonte de experiências, pois
Perrault era um bom conhecedor dos contratos de comunicação
vigentes na Academia Francesa e na corte de Luís XIV.
"Suas" histórias mostram a nobreza e a burguesia
interagindo com camponeses e seres mágicos; a natureza, com seus
bosques, montanhas e colinas, rios, flores e animais normalmente
compõe a ambientação física dos contos. Pode-se afirmar que
essa obra de Charles Perrault marca, oficialmente, o início
verificável dos Contos de Fadas.
"Menina de vermelho" a correr perigo
Nos caminhos tortuosos da floresta se embrenhou
Seu destino tão incerto na lábia do inimigo
E a malícia de uma fera que a sombra camuflou
A literatura popular esteve muito associada à simplicidade da
linguagem, própria das narrativas populares, que seguiam
estruturas padronizadas e tinha por objetivo partilhar
experiências, divertir e nortear a ordem. Os contadores de
histórias fixaram essas vozes populares, importando da
literatura oral para o texto escrito a simplicidade técnica,
como fez Perrault no classicismo francês. Os Contos de Fadas
são herdeiros diretos dos mitos, que por sua vez têm sua origem
nos ritos de comunidades primitivas, onde, em muitas delas, o
poder era feminino, refletido na reverência e adoração a
sacerdotisas ou deusas.
Concebidos, também, como entretenimento para adultos, os contos
eram narrados em reuniões sociais, nas salas de fiar, nas
cozinhas, nos campos e em outros ambientes onde os adultos se
reuniam.
Perrault narra em "Chapeuzinho Vermelho" a aventura de
uma menina indefesa que, ao tentar atravessar a floresta para
levar agrados a sua avó, em outra aldeia, esquece-se das regras
estabelecidas pelo saber popular - não falar com estranhos nem
tomar caminhos desconhecidos. Como conseqüência, acaba caindo
nas artimanhas de um lobo faminto e traiçoeiro. Perrault alerta,
nesse conto, para o perigo de um indivíduo aventurar-se por
caminhos tortuosos, obscuros, duvidosos, sob pena de ser
"devorado" pelo infortúnio, e o cuidado que as meninas
e moças devem ter com rapazes galanteadores. Nesse conto
original de Perrault, Chapeuzinho Vermelho paga o preço pelo
descuido e é devorada pela fera, sem direito a salvação, ou
seja, sem a possibilidade de arrependimento.
Quando a fome e a miséria batem à porta sem piedade
Trazem medo e desespero, tiram a paz de uma criança
Que perdida e aflita cai nas garras da maldade
Mas o "Pequeno" no tamanho tem "sete léguas"
de esperança
Outro gênero figura com freqüência entre os Contos de Fadas:
os Contos Maravilhosos. Nestes contos, o elemento mágico perde
espaço para o contexto social, ou lutas de classes, sem a
presença de fadas. Os Contos Maravilhosos têm origem oriental,
e exprimem uma tensão social: o herói (ou anti-herói), é uma
pessoa de origem humilde, ou que passa por privações, mas que
triunfa ao conquistar riqueza e poder, graças não a poderes
mágicos, mas a atributos humanos como esperteza e criatividade.
As narrativas populares folclóricas também serviam para
fortalecer a defesa da causa feminista, que possuía como uma de
suas líderes Mlle de Lhéritier e da Literatura Francesa,
considerada até então, por acadêmicos da época, inferior aos
clássicos greco-romanos.
Conta uma das histórias que um casal de lenhadores tinha sete
filhos, dos quais o mais novo nasceu tão pequeno quanto um dedo
polegar, sendo por isso apelidado de O Pequeno Polegar. Em uma
época de muita fome, o lenhador e sua esposa resolvem abandonar
os filhos à própria sorte, num bosque, quando então são
recolhidos por um ogro, que deseja comê-los. Mas Polegar, apesar
de seu tamanho, é muito ardiloso e troca os chapéus de seus
irmãos pelas coroas das filhas do ogro, que as devora durante a
noite, acreditando serem elas os filhos do lenhador. Polegar e os
irmãos conseguem fugir, mas são perseguidos pelo Ogro, que em
determinado momento, ao adormecer de cansaço durante a
perseguição, tem suas botas mágicas roubadas por Polegar. Com
as botas, que o faz saltar sete léguas a cada passo, o menino
retorna à casa do Ogro, toma-lhe toda a fortuna e leva os
irmãos de volta à casa dos pais, para nunca mais passarem fome
e terem que se separar.
"Fadas e bruxas" em reinos de magia
"Beleza e sabedoria" em aliança divinal
Que revela ao "Barbado" o "azul" da valentia
E leva a bela dama a se afastar de todo mal
A importância das funções femininas nas narrativas desses
contos levou princesas, bruxas e fadas a veicularem a ideologia
da família burguesa, que se definia socialmente, quanto aos
novos papéis sociais a serem ocupados, desempenhados, atendendo
às necessidades morais e psíquicas de uma sociedade que
começava a evidenciar a mulher e a criança, com o objetivo de
subjugá-las ao domínio do varão.
Perrault descreve em uma de suas histórias, conhecida como
"Riquete, o topetudo", o amor entre um príncipe,
dotado de muita inteligência e extrema feiúra, e uma princesa
de grande beleza e pouca sabedoria, onde o seu casamento,
abençoado por uma fada, mudaria a maneira de perceberem suas
próprias qualidades. Riquete era um jovem muito feio com
capacidade de tornar inteligente a moça que o amasse, enquanto a
princesa tinha o dom de transformar em belo o rapaz com quem
vivesse um grande amor. Em "Riquete, o topetudo",
Perrault discute o conflito moral entre o que é mais importante:
a beleza ou a inteligência, denunciando, no entanto, a posição
da mulher quanto ao seu poder de sedução pela beleza, mas
subjugada à inteligência, atributo do homem, e que somente pelo
casamento torna-se inteligente e transforma o amado feio em belo.
Em "Barba Azul", a desobediência motivada pelo mito da
eterna e incontrolável curiosidade feminina tem um preço muito
alto, chegando a custar uma vida. Barba Azul era um homem de
vasta riqueza, mas considerado feio por ter uma estranha barba
azulada, além de ser temido devido ao desaparecimento, uma após
outra, de todas as mulheres que tomara por esposas. Barba Azul
consegue se casar mais uma vez, mas profere uma proibição que
não é cumprida por sua nova mulher, que, como todas as
anteriores, desobedece a ordem dele, descobrindo assim a morte
macabra das outras mulheres. Essa descoberta leva Barba Azul a
querer matá-la e colocar seu corpo no mesmo quarto proibido, o
que a faz viver momentos de perturbação e arrependimento pela
desobediência, sem conseguir sensibilizar o perverso esposo.
Somente a intervenção dos corajosos irmãos da mulher é capaz
de livrá-la de tão triste fim.
A princesa enfeitiçada pelo fuso proibido
"Adormecida" por cem anos, como a velha praguejou
Num emaranhado de espinhos, num castelo escondido
Com um beijo delicado, de seu sono despertou
A transferência dos Contos de Fadas do universo adulto para a
atmosfera infantil deve-se ao fato de que, até o século XVII, a
criança não era entendida como um indivíduo socialmente
distinto do adulto, ou seja, ambos compartilhavam os mesmos tipos
de direitos e deveres, salvo aqueles relacionados às
limitações biológicas. Dessa forma, circulando por ambientes
adultos, as crianças mantinham contato com os Contos de Fadas.
Além disso, as governantas, oriundas das camadas sociais
populares, tinham o hábito de contar para os filhos dos nobres,
que ficavam sob seus cuidados, histórias que traziam na
memória, ou seja, as narrativas hoje denominadas folclóricas.
Com a Revolução Industrial, a redução da mortalidade
infantil, e o aumento gradativo da expectativa de tempo de vida,
pouco a pouco a sociedade nascente começou a desenvolver uma
nova consciência - social, moral, psicológica - acerca da
infância. Finalmente, a Igreja, os moralistas e os pedagogos
perceberam o potencial educativo e transformador dos Contos de
Fadas.
Em "A Bela Adormecida no Bosque", uma velha fada, que
pensa não ter sido convidada para o batizado de uma princesa,
amaldiçoa a criança, desejando que ela morra, ao completar
quinze anos, ao espetar o dedo no fuso de uma roca. Mas a
maldição é atenuada por outra fada, que transforma a
"morte" em um sono profundo de cem anos, do qual
despertará quando receber um beijo de amor após. A jovem
princesa é vítima da própria curiosidade, que a faz tocar num
objeto desconhecido (fuso), onde se fere, e sangra (referência
à ruptura do hímen e o conseqüente sangramento), cumprindo,
embora sem culpa (visto que fora mantida na ignorância da
maldição que pesava sobre ela), o tão temido fado. Sangrando
antes da hora, adormece, devendo aguardar que um príncipe
valente, enfrentando e vencendo provas, graças à espada mágica
(símbolo fálico), venha salvá-la com um beijo. Numa
conformação simbólica, o sexo neste conto aparece de duas
maneiras: prematuro e entorpecente. Depois de casada, a princesa
passa a viver uma relação de conflitos com a rainha, sua sogra
- na verdade, um ogro - que deseja devorar os próprios netos,
frutos da união entre a Bela Adormecida e o príncipe, bem como
deseja também a sua morte.
O "borralho" da lareira se espalha no alambrado
Escondendo por vaidade a pureza virginal
Mas a bela abençoada, vai ao baile tão sonhado
E às doze badaladas deixa um "brilho de cristal"
A decadência do racionalismo clássico, no final do século
XVII, propiciou o surgimento de uma literatura
"extra-oficial", que celebrava a exaltação do sonho,
da fantasia, do imaginário. Nesse tipo de literatura destacou-se
o papel das "preciosas" - mulheres cultas que reuniam
em seus salões a elite intelectual para apreciar dramatizações
dos Contos de Fadas.
Depois de atravessar uma fase de pouco interesse por parte do
público adulto, os Contos de Fadas, após a Revolução
Francesa, novamente despertaram a atenção dos pesquisadores. No
início do século XIX, graças aos estudos de Gramática
Comparada que, tomando o sânscrito por base, buscavam descobrir
a evolução das diversas línguas e dialetos, determinando assim
a identidade nacional de cada povo. Foi então que, mais de 100
anos após Charles Perrault publicar as Histórias da Mamãe
Gansa, os folcloristas Jacob e Wilhelm Grimm, integrantes do
Círculo Intelectual de Heidelberg, organizaram um trabalho de
coleta das antigas narrativas populares, com o qual esperavam
caracterizar o que havia de mais genuíno no espírito do povo
alemão.
"A Gata Borralheira" é a história de uma jovem
encarcerada nos afazeres domésticos pela arrogante madrasta e
suas filhas, que anseia ir a um baile onde um príncipe deseja
conhecer todas as moças solteiras do reino. Com ajuda de sua
fada madrinha, Cinderela tem seus andrajos transformados num rico
vestido, ganha uma carruagem, que havia sido uma abóbora, então
transformada, e consegue ir ao baile nos dois dias em que fora
realizado, porém sob a advertência de dali se retirar antes das
doze badaladas noturnas. No segundo dia, tanto se entreteve com a
música e a dança nos salões reais que quase não percebeu a
aproximação do horário que lhe retiraria a magia, tendo que
abandonar o baile às pressas, o que provoca a perda de um de
seus sapatinhos de cristal. Esta é a perda que, entretanto,
levará o príncipe ao seu encontro, após longa e exaustiva
busca entre todas as jovens do reino, desde as nobres até as
mais humildes camponesas. No fim da busca, Cinderela é
encontrada e vive com seu príncipe uma eterna história de amor.
Em "A Gata Borralheira" Perrault discute, entre outras
coisas, a segurança da mulher por meio de um sólido e próspero
casamento, quando Cinderela consegue driblar a madrasta malvada,
deixar os afazeres do lar e ir ao encontro de sua realização;
é a ascensão social através do contrato de casamento.
Transcende, ainda, à realização e à segurança sociais a
realização plena do ser, no encontro do verdadeiro amor,
traduzido numa união plena entre dois seres.
Com a "pele de um bicho" uma jovem em pavor
Guarda jóias encantadas pra fugir de uma paixão
E encontra longe, muito longe, seu verdadeiro amor
Pois "ridículo é o desejo" do qual se abre mão
A literatura infantil possui regras e categorias peculiares e
localiza-se no universo das artes, não tendo a função de
ensinar nada a ninguém, marcando "a ferro e fogo",
ditando normas de conduta, mas educa no sentido etimológico da
palavra, conduzindo para fora do sujeito o que nele já existe em
estágio embrionário, como potencialidades, contribuindo para,
através do belo, ampliar sua percepção de mundo. O Conto de
Fadas serve de mecanismo para que o ser humano, a partir da
fantasia, liberte o inconsciente de seus próprios fantasmas. A
palavra "educar" contém o prefixo latino
"e", variante de "ex" (para fora) - seguido
do verbo ducere (conduzir), que juntos significam "conduzir
para fora" ou "trazer para fora".
"Pele de Asno" é a história de uma princesa desejada
como mulher pelo rei, seu próprio pai. Após várias tentativas
de fugir ao casamento incestuoso, é obrigada a partir escondida
para outras terras, vestida com a pele de um burro. Perrault
explorou nesse conto publicado em 1696, diversos recursos
figurativos simbólicos durante a construção da narrativa.
Aprofundando-se em seus significados, pode-se relacioná-los à
fase da adolescência, na qual o jovem descobre sua sexualidade e
seus desejos carnais, assim como, o anseio de libertação da
proteção familiar, a busca da liberdade. Neste conto, o
co-autor de fato manifestou a intenção de escrever para
meninas, orientando sua formação moral e sexual. Em "Pele
de Asno", o desejo incestuoso do pai é o fio condutor do
conto. As primeiras tentativas da jovem para evitar o incesto
fracassam: exigindo vestidos feitos das cores da Natureza (sol e
lua), mas a Natureza primária, instintual, destituída ainda de
códigos morais ou éticos, não é contrária ao incesto, e o
rei consegue os vestidos. Então a princesa exige a pele de um
asno mágico, cujas fezes eram pedras preciosas e serviam de
sustento ao rei. Acreditando que o pai jamais mataria o animal, a
princesa sente-se salva dos desejos dele. Entretanto, o rei
cumpre o desejo da filha e dá-lhe a pele do asno como presente.
A princesa não vê outra alternativa então, senão fugir. Mas
seu disfarce indica os efeitos do desejo incestuoso do rei:
cobre-se numa pele de burro, ou seja, animaliza-se. Neste conto,
a mãe morta não é substituída pela madrasta perversa, mas
pela boa fada que a criou, aconselhou e protegeu contra o desejo
incestuoso do pai, vestindo-a com a pele de um animal e
conduzindo-a para longe da casa. A princesa Pele de Asno passa a
viver em um chiqueiro, mas é na cozinha de um palácio, num
reino distante de seu pai, que vai trabalhar. Nesse reino,
somente o príncipe, um jovem extremamente sensível, apaixona-se
por ela, ainda que sua aparência não seja atraente devido a seu
disfarce. O conflito vivenciado pelo príncipe - apaixonar-se por
algo repugnante - o faz adoecer. Para sua recuperação, a moça
recebe a ordem de fazer um bolo para o príncipe. No entanto, um
anel, que a identifica como sua amada, deixado por ela
propositalmente nesse bolo, rompe a barreira entre eles. Como em
"Cinderela", é retomado o conceito do "herói
assinalado", do ideário medieval, segundo o qual o herói
sempre tem algo, um objeto como um anel, uma espada, que o
distingue, que o assinala como um ser especial, um herói. O anel
é um símbolo da aliança matrimonial, assumindo sentido para a
sexualidade do personagem masculino, pois antes de enfiá-lo no
dedo da princesa, o príncipe o coloca na boca: sua paixão por
Pele de Asno transforma-se em doença, e sua doença é a
infantilidade (fase oral do desenvolvimento sexual, segundo
Sigmund Freud). Sua cura é a transferência do anel, da boca
para o dedo, e reconhecê-lo como um objeto doado por Pele de
Asno.
Em "Desejos Ridículos", um lenhador consegue a
oportunidade de fazer três pedidos mágicos a Júpiter, para que
suas condições materiais melhorem. Por descuido, ele acaba
desejando que chouriços apareçam para matar sua fome. Irritado
com a crítica da esposa enfurecida, por ter desperdiçado um dos
desejos, o lenhador deseja impensadamente que o chouriço fique
pendurado no nariz da mulher, para seu desespero. Então o pobre
homem se vê diante de um dilema: usar seu último pedido para
ficar rico, ou pedir que sua mulher volte ao normal. Por fim,
achando que seria melhor ter sua amada esposa de volta do que
viver ao lado de uma rainha com chouriço no nariz, usa seu
último desejo, fazendo com que a esposa volte ao normal, para
viver ao lado dele a vida simplória que sempre tiveram.
Com encanto e bruxaria, "paciência" ou terror
Meu príncipe faceiro é o mestre do irreal
Por isso trago "lendas", como "histórias de
louvor"
Que se enfeitam na alegria de um doce carnaval
As bruxas e as fadas são herdeiras diretas das deusas pagãs das
antigas sociedades matriarcais, por terem poderes mágicos sobre
o destino dos homens. A conduta das fadas lembra o arquétipo da
mãe protetora e a das bruxas remete à madrasta malvada,
compondo o binômio "mãe boa-mãe má", partes
constituintes da mesma natureza feminina e integrantes do
arquétipo da Grande Mãe, que dá vida ao que tem que viver,
deixa morrer o que precisa morrer e faz renascer a vida onde tudo
parece perecer, cumprindo o ciclo da vida-morte-vida. Mas ambas
têm o poder de decidir o destino das princesas. As princesas, ao
contrário, são seres humanos aparentemente frágeis, que não
são dependentes, mas necessitam de uma complementação de
forças, de polaridades, da idéia de proteção masculina e
auxílio divino, reafirmando o modelo de comportamento feminino
determinado pelos arquétipos da sociedade patriarcal (só
superficialmente, mas não na estrutura profunda do conto).
Cada um dos principais contos de fadas é único, abordando, de
alguma forma, uma predisposição falha, ou fraqueza, do
"eu". Os Contos de Fadas falam de vaidade, inveja,
luxúria, avareza, hipocrisia, gula ou preguiça, isto é, dos
"sete pecados capitais". Embora um determinado conto
possa tratar de mais de um "pecado", normalmente um
deles ocupa maior destaque no desenvolvimento da trama. O modo
pelo qual os contos solucionam os conflitos é oferecendo às
crianças um "palco" onde elas podem representar seus
conflitos interiores, sem sequer suspeitarem disso, pois quando
ouvem um Conto de Fadas, projetam inconscientemente partes delas
mesmas em diversos personagens da história, usando-os como
repositórios psicológicos para elementos contraditórios do eu.
Mas em que momento realmente se pode dizer que acaba a realidade
e começa a fantasia? Que esperança desmente qualquer verdade
absoluta? Que memória é capaz de atraiçoar a certeza
intransponível? Nos Contos de Fadas, a realidade e a fantasia
convergem para um ponto de encontro e de compreensão, para a
constatação de que bondade e maldade, beleza e feiura, riqueza
e pobreza, verdade e mentira, são nomes de seres, de objetos, ou
de situações que vivem lado a lado, inevitavelmente, em uma
mesma atmosfera, complementando-se e anulando-se ao mesmo tempo,
pois são elementos de uma mesma psiquê humana, e não seres
humanos distintos. No âmbito da ficção é preciso abandonar a
velha dicotomia real-fictício, para considerar a tríade
real-fictício-imaginário.
No conto "As Fadas", uma camponesa possui duas filhas:
uma boa e prestativa e outra má e preguiçosa. Certo dia a boa
vai a uma fonte e dá de beber a uma velha que lhe pede água. A
velha, que é uma fada disfarçada, dá à moça o dom, segundo o
qual a cada palavra proferida por ela, saia de sua boca flores,
pedras preciosas e diamantes. A mãe, vendo isso, manda a filha
má até a fonte para fazer o mesmo. Mas em vez da velha, aparece
uma bela e jovem mulher, e a filha má, que espera por uma velha,
recusa-se a dar-lhe água, destratando-a. A bela mulher, que é a
mesma fada de antes disfarçada, deseja então que a moça, a
cada palavra proferida, cuspa sapos e serpentes. A filha boa
conhece então um príncipe, casa-se com ele e vai viver feliz em
um castelo, enquanto a filha má tem que passar a vida de boca
fechada para não passar vergonha, sendo abandonada até pela
mãe, indo morrer sozinha no interior da floresta.
Em "A Paciência de Grisélidis", Perrault conta a
história de um príncipe avesso à idéia de casamento, com
intenção de unir-se apenas a uma mulher que fosse bela, livre
de orgulho e vaidade, obediente, sem vontades e com uma
paciência sem igual, até que se apaixona por uma simples
camponesa ao perder-se durante uma caçada. Após casar-se com a
moça, movido por ciúmes incontroláveis, submete-a a uma série
de provas que testam sua paciência, além de seu amor por ele,
enclausurando-a em um cômodo, desprovida de luxo e diversão, e
privando-a de carinho e afeto. Quando a filha dessa união nasce,
é separada da mãe pelo pai, e cresce em um convento com todos
os cuidados. Os anos passam, e depois de crescida, o pai promove
sua união com um jovem príncipe de outro reino. Tocado pelo
amor dos jovens, percebe que fora injusto com seu próprio amor,
que jamais sucumbiu diante das provações impostas, recolhendo
sua paciente amada novamente ao seio do lar, assim vivendo
felizes para sempre.
Sou, com meu mais profundo respeito,
De meu amo, o mais humilde e obediente servidor
Que por assim, e por aí tenho feito,
O Gato de Botas, a seu inteiro dispor
Desta forma, o GRES GATO DE BONSUCESSO homenageia, com o
romantismo de um desfile carnavalesco, a vida e o legado mágico
de Charles Perrault - na voz do Gato de Botas, seu personagem
mais astuto - que, com a publicação de seus contos adaptados
das histórias folclóricas, contribuiu definitivamente para o
reconhecimento da literatura infantil, e convida, não só o Gato
de Botas, mas todos os personagens dos demais Contos de Fadas e
todos os seres do mundo mágico e do mundo real. Todos nós
estamos convidados a participar desta verdadeira e feérica
apoteose.
Enredo: Arthur Reiy
Revisão de texto: Jacqueline Luppo
FONTES DE PESQUISA
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de
Janeiro: Editora Paz e Terra, 1980.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil. 6ª edição. São
Paulo: Editora Ática, 1997.
DUBY, Georges. O medo do outro. Ano 1000, ano 2000: na pista de
nossos medos. Tradução Eugênio Michel da Silva. São Paulo:
Editora Unesp, 1998.
KAPPLER, Claude. Monstros, demônios e encantamentos no fim da
Idade Média. Tradução Ivone Castilho Benedetti. São Paulo:
Martins Fontes, 1994.
PERRAULT, Charles. Contos de Fadas. Tradução de Monteiro Lobato
- 2ª edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2007.
PERRAULT, Charles. Contos e fábulas. Tradução e posfácio de
Mário Laranjeira. São Paulo: Iluminuras, 2007.
PERRAULT, Charles. Contos de Perrault. Tradução de Regina Regis
Junqueira - 4ª edição. Belo Horizonte: Editora Villa Rica,
1994.
PERRAULT, Charles. Histórias ou contos de outrora. Tradução,
introdução, e notas de Renata Maria Pereira Cordeiro. São
Paulo: Landy Editora, 2004.
TATAR, Maria. Contos de fadas. Tradução de Maria Luiza Borges.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.
VON FRANZ, Marie-Louise. A Individuação nos Contos de Fadas.
São Paulo: Editora Paulus, 1980.