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Sinopse Gato 2008

Delírios e devaneios de sua alteza real D. Maria vai com as outras (Gato de Bonsucesso - 2008)

JUSTIFICATIVA

O Grêmio Recreativo Escola de Samba Gato de Bonsucesso se propõe a homenagear os 200 anos da chegada da Família Real ao Brasil, retratando na avenida, a ótica com que Dona Maria I, 26ª rainha de Portugal, interpretou o mundo e os fatos de sua época, do momento em que começou a se desestabilizar mentalmente até o fim de seus dias no Convento do Carmo, incluindo nesse meio tempo, a turbulenta transferência da Corte para a colônia.

Após um progressivo desequilíbrio mental, desencadeado pela depressão causada com a morte de seu esposo, o rei Dom Pedro III, de seus filhos Dom José e Dona Maria Ana, de um genro e um neto recém-nascido, e mais o medo de ser decapitada como os reis de França, a rainha, deixou de ser conhecida como "A Piedosa" para ser retratada como "A Louca". Altamente religiosa, melancólica, e com o espírito envolto nas trevas da demência, passou a ter visões alucinantes, transformando essas visões em sua realidade.

Apesar de toda atmosfera embasada em um cenário descrito pela historiografia, o enredo prender-se-á apenas às alucinações do universo particular da intrigante personagem, com uma proposta lúdica, divertida e debochada, e por isso não nos interessará nessa narrativa, as obras realizadas em seu governo ou muito menos as razões políticas e econômicas que levaram Dom João, seu filho e príncipe regente, a optar pela transferência da corte de Portugal para o Brasil; mas sim a visão particular de um dos personagens mais misteriosos desses episódios.

O enredo pode ainda ser considerado uma crítica sutil ao etnocentrismo universal do qual o Brasil é vítima, e algoz, desde o seu descobrimento até os dias contemporâneos, como por exemplo, o relato do poeta inglês Richard Flecknoe em 1649, que alegou ter avistado em terras brasileiras preguiças com escamas de rinoceronte e tigres andando com onças e leopardos, citado na obra Visões do Rio de Janeiro Colonial, de Jean Marcel Carvalho França.

"Delírios e devaneios de sua alteza real Dona Maria vai com as outras" é uma grande comédia sobre as loucuras de uma rainha em cima de suas próprias visões etnocêntricas, quando o GRES Gato de Bonsucesso leva às luzes da avenida as alucinações da Rainha de Portugal, com a poesia de seu carnaval.

Carnavalescos: Arthur Reiy e Renato Figueiredo
Revisão de texto: Jacqueline Luppo

SINOPSE

Ai Jesus! Ai Jesus!!!

Ai Minha Nossa Senhora, que dor é esta que está a me consomir? Já não consigo mais estar a mesa dos banquetes... já não ouço mais os violinos nas valsas dos salões...

Pobre pai que virou carvão nas mãos do demônio, por conta dos crimes de Pombal contra santos jesuítas. Pobre rei, senhor meu marido! Pobre Dom José, Príncipe da Beira, meu adorado filho! Deixaram-me todos aos prantos, em seus leitos de morte! Dizem os duques e marqueses pelos corredores do palácio: "É a maldição da Casa de Bragança!"

E se foram também minha adorada filha Dona Maria Ana, meu neto e meu genro... Comentam os condes, que desde que um dos Bragança chutou o traseiro de um pobre frade esmoler, é assim - estão a morrer um atrás do outro! E cá fico eu a sofrer... Ai Jesus! Ai Jesus!!!

O mundo está de pernas para o ar! Notícias terrríveis chegam de França... Os reis perderam a cabeça na afiada lâmina da quilhotina!!! Deus meu, e se estoura uma revolução também em Lisboa? O diabo há de me querer para completar sua coleção de Braganças!

Anjos inquisidores pesam minha alma em balanças de ouro todas as noites quando estou a dormir... Querem saber se ainda sou "a piedosa" ou se me tornei "a pecadora"! Ai Jesus! Ai Jesus!. Mas sou boa, sou temente a Deus! Mando rezar missas, novenas; mando fazer procissões, uma para cada dia do ano! Dou todo ouro que tenho para Deus, porque pelo ouro não serei engolida! Minha alma, não! Hei de quebrar esta maldição!

Santos e anjos podem estar por todo lado, a se disfarçar de mendigos para me testar... Lavarei os pés de todos com águas perfumadas em bandejas de prata! Santas criaturas que podem até ser Jesus disfarçado! Criaturas santificadas!

Agora João inventou de fugir para o Brasil... Não quero ir, pois vejo raios e trovões por todo céu! Aquilo sim, não me enganam, é o verdadeiro inferno! A travessia do mar é tenebrosa, fede a enxofre. Dizem que as naus são engolidas por monstros e serpentes marinhas; quando não, atacadas por corsários! Deus me livre e guarde deste tormento! Sou um animal arrastado para os porões de uma nau imunda, como um bicho selvagem, uma negra africana!

Soube à boca miúda, das cousas horripilantes que lá se encontram... É uma terra maldita, de selvagens comedores de gente, e de pretos feiticeiros a fazer batucadas na evocação de seus deuses pagãos! Uma terra esquecida, de aranhas peludas, mosquitos sanguinários que deixam pessoas anêmicas, e plantas carnívoras por toda parte... Borboletas gigantes sugam a mente dos homens e morcegos raptam pessoas para suas cavernas! Ruas infestadas de cobras e lagartos que devoram quem por perto passa... Ratos ferozes tomam conta dos becos e invadem as casas com doenças incuráveis... Macacos atacam moças de família... Meu Deus, animais ferozes como leopardos, tigres, onças e preguiças! É um lugar indecente, onde a imoralidade constrói fortalezas intransponíveis!

João prometeu-me abrigar em um convento, construído pelos frades carmelitas no meio de um rossio! Ora pois, lá continuarei a precaver-me do tinhoso: só andarei acompanhada de minhas damas, mesmo que para alguns breves passeios às margens de um rio, mesmo que me chamem "Maria vai com as outras". Transformar-me-ei em uma galinha para que o diabo não me reconheça! O convento será meu poleiro real e todos transformar-se-ão em galinhas, a ciscar, cacarejar, bater asas e pôr ovos! A Serpente do Mal não há de me fazer sucumbir, como fez à Eva no Éden.

Só tenho receio de uma cousa quando eu morrer: e se os anjos não me reconhecerem e disserem que no céu não há vagas para galinhas? Mas sou eu uma rainha... Ou serei uma galinha? E vai que neste ínterim, o diabo resolve fazer-me galinha assada? Ai Jesus! Ai Jesus!!! Como sofro!

Carnavalescos:
Arthur Reiy
Renato Figueiredo

Revisão de texto:
Jacqueline Luppo