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Peça é Gente no Tabuleiro da Intendente (Feitiço do Rio - 2018)
Peça é Gente no Tabuleiro da Intendente (Feitiço do Rio - 2018)

O céu todo estrelado já via o brilho da lua lá no alto, e fazia nosso pequeno menino se sentir ainda menor, diante de tanta imensidão. Seu quarto é o seu mundo, e seu mundo é de infinita fantasia. Brincou, brincou, brincou e cansou. Será? Cansou nada. Cabeça de guri nunca pára de girar. Sono ingênuo, mas sempre criativo, como dados mágicos e teimosos querendo mais e mais.

Deitou a cabeça no travesseiro. Seus olhos iam se fechando devagar, “inocente mente” se entregando ao aconchego dos sonhos, quando escuta uma voz baixinha: “Acorda, menino… ainda temos o que fazer e não é hora de dormir. Volte com a gente!”

Cauteloso e já assustado, se levantou lentamente, tentando descobrir de onde vinha aquele curioso chamado. Que medo! Mas ao olhar ao redor… decepção. Tudo estava quieto, na mais absoluta (des)ordem, bagunça boa de um dia moleque que insiste em continuar. A voz soou novamente: “Tire-nos daqui imediatamente! Seu rei e sua rainha o ordenam!”.

O menino percebeu que a ordem partia do seu jogo de xadrez. Rapidamente retirou todas as peças da caixa e… surpresa! Elas tinham vida! O rei e a rainha pareciam liderar uma grande movimentação. Aos montes, se espalharam pelo quarto cavalos, torres, bispos, peões. As altezas decretaram: “Libertem todos!”. Era como mais uma rodada, mais uma vitória. As peças estavam lá espalhadas pelo quarto, como se aguardassem a próxima jogada. “Vem com a gente, criança!”.

E ele foi, extasiado por se juntar à cavalaria que se dirigia para mais uma batalha em busca de novas aventuras. No tabuleiro de ludo, desbravou reinos coloridos, e passando de casa em casa venceu mais um desafio. De repente o colorido deu lugar ao preto e branco, e elegantes damas da corte surgiram para formar um baile real, transformando o desarrumado quarto num requintado palácio.

Ao longo da noite, as belas senhoras foram desaparecendo, até que só restou uma. Mistério no ar. Pois o pequeno gaiato logo virou detetive, começou a revirar pistas e procurar evidências. As investigações se aprofundaram: “Vejam as digitais no castiçal, pode ter algo ali”. O perfil do criminoso ainda não foi encontrado. “Precisamos de um retrato falado. Quero imagem e quero ação!”. Mas teria o malfeitor se disfarçado? Estaria ele de chapéu ou usando um bigode falso? Qual será sua cara? Qual cara será a sua?

Uma intensa explosão interrompeu a apuração policial e o pequeno atrevido passou a ser soldado. Travesseiros no chão se tornaram trincheira e uma grande guerra começou. Já não existiam mais reinos, e sim territórios. Diferentes cores se misturavam, e os exércitos lutavam bravamente para um novo objetivo alcançar. Conquistar o mundo! A batalha se intensificava a cada momento, por terra e por mar. Cama virava porta-avião, tapete se transformava em oceano e, no fim, mais um combate vencido.

Valente menino, foi reconhecido e condecorado por sua bravura, e em seus devaneios pode ser tão rico quanto quiser. As cédulas se esparramam, bem como suas casinhas nos mais diversos cantos da cidade. Quer ser adulto, ir ao banco, casar, ter filhos. A vida é um grande jogo que pode ser decidido inocentemente num simples golpe de sorte (ou azar).

Bendito seja o dado que, numa combinação improvável, o faz ser o que quiser. Faz vencer qualquer desafio e superar qualquer obstáculo. Ampulheta mágica onde o último grão de areia é eternidade. Passatempo que leva aos mais longínquos lugares, o transforma em qualquer personagem, mas que sempre o deixa no mesmo lugar e no mesmo papel… Criança. De 8 a 80, criança. Feliz, imaginativa e sonhadora. Sonho bom que não tem começo e nem fim. Que mistura verdade e ilusão e no despertar dos primeiros raios de um novo dia sugere uma inquietante pergunta: “Isso tudo foi real?”. Será que foi? Role os dados, vire a próxima carta, ande mais uma casa e quem sabe no fim de mais uma jogada a resposta vem? Oba, seis e seis, acho que ganhei outra vez…

Texto: Daniel Guimarães e Renata Bulcão