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Ópera dos Terreiros - O Canto do Encanto da Alma Brasileira
(Em Cima da Hora - 2025) Argumento: A realidade pungente em nosso país a respeito do preconceito racial, é ainda uma ferida intensamente viva, expondo o que há de mais desumano e irracional na humanidade, e por consequência, corrobora na desigualdade, no ódio e na intolerância. Tão dura e cruel realidade não conseguiu apagar por completo a ascendência e a identidade dos povos que foram sequestrados de sua terra, separados da sua gente, da sua família e de tudo mais que os dignificavam. E, ainda que aportando nestas terras como escravizados, buscaram construir meios e formas de permanecerem ligados a sua origem, a sua essência, transcendendo à dor e ao sofrimento, em nome da sua verdadeira ancestralidade. Reconstruir uma genealogia cultural que mantivesse ligações com sua terra natal ainda é tarefa que perdura desde a longa travessia entre a África e o Brasil. Mesmo à revelia das dores e limitações que os envolveram, eles assim o fizeram. Cantaram seus cantos de fé, dançaram para seus santos, irmanaram-se, lutaram por liberdade, assentaram seus terreiros, criaram ritmos e laços de irmandade, construíram pontes através da arte e da cultura, buscaram seus espaços, firmaram seu ponto, fizeram-se luz onde havia ignorância e fé a quem temesse por justiça. Trazer para o palco do carnaval o enredo sobre a Ópera dos Terreiros é fazer jus a toda jornada do povo preto, partindo da primazia do pertencimento e da ancestralidade, que ganham novas formas de demonstração e que vão conquistando novos espaços e palcos através da arte, como o canto erudito e operístico. Isso enaltece os distintos povos que para cá vieram para além dos Bantos e Nagôs. E reforça as infinitas possibilidades de que o negro, com sua cultura, pode chegar a lugares inimagináveis no Brasil e no mundo. A Ópera dos Terreiros é o ponto de partida para uma reconexão ancestral pelo prisma da cultura e da fé, genuinamente alicerçada em Salvador, na Bahia de todos os santos, casa primeira, terra primeira fora do seu habitat. Com toda a resistência e com todo o axé, construíram o seu espaço de pertencimento, seus costumes e sua forma de ser no mundo. Com sua identidade e empoderamento preto, fazem-se presentes, tornando protagonistas em todos os terreiros em que vier a pisar, gestando, assim como representado na ópera, os filhos seus, um Brasil do futuro. Um novo Brasil. Um Brasil novo! Salve o canto negro para além da dor e do sofrimento! Abram-se os caminhos para o canto negro passar! Justificativa: O carnaval e as escolas de samba possuem entre muitas funções o papel de mantenedoras e produtoras de cultura. E sua cultura é negra por essência. Sua matriz é africana e porque não dizer, baiana também. O Grêmio Recreativo Escola de Samba Em Cima da Hora traz para o seu carnaval a Ópera dos Terreiros, obra pertencente ao roll de espetáculos do Núcleo de Ópera da Bahia, instituição que promove a representação da cultura negra em sua ancestralidade dando o protagonismo aos seus atores/cantores, contribuindo para o descortinar de histórias que guardam signos sagrados e transmitem a essência de um povo. A união entre o erudito e o popular não é em si uma novidade, mas rara de se vê quando a ênfase se dá na negritude, a africanidade, na construção do saber cultural do negro em todos os espaços. Soma-se a esse fator a importante contribuição dos povos pretos à formação cultural do Brasil, com suas religiões, costumes, língua, saberes e personalidades. Adentrar o universo operístico sob a luz da Ópera do Terreiros é considerar o que veio antes, desde a diáspora africana, sua resistência, a manutenção dos saberes e das coisas transcendentais que abriram caminhos e aos poucos ganharam espaços até então impossíveis de se alcançar. Reverenciamos, assim, todos os que construíram, lutaram e se dignificaram na transmissão dos saberes, tornando possível o alastramento dessa negritude fortificada no Brasil, mais precisamente, em Salvador. Onde a África é mais baiana. Onde a identidade molda e determina o ser negro. É função cultural e ancestral abrir caminhos, lançar luz e ampliar os horizontes para que esta obra alcance ainda mais terreiros pelo mundo afora, como já vem conquistando. Emocionando a quem a vê e a quem a ouve, transmutando a realidade que se esperava em nome de um futuro cada vez mais justo e livre como sempre deveria ter sido. SINOPSE: Cena 1 Brasil, Fruto do amor dos filhos da antiga África Que cantado em ária, rememora seu passado Tornando latente o desejo de um futuro melhor. Brasil, vive a recontar inúmeras histórias pelas ruas e ladeiras de Salvador Nos portais da cidade quem o ouve, transporta-se para os portais do Benim Seguem rumo a uma nova terra num completo desconhecido Navegam pelo impetuoso mar de Olokun Revivendo tormentos que destruíram sonhos, aflorando muitos medos Onde naufragaram inúmeras histórias, restando apenas esperança. Mas hoje, Brasil não veio contar sobre a dor Mesmo latente e ainda presente Ele veio contar sobre os povos trazidos da terra mãe Resgatando todos aqueles que assumiram o compromisso de perpetuar sua história Suas raízes e seus ancestrais. Aqueles que trouxeram os signos que permeiam o seu sagrado e sua identidade E que chegando à baía que aportaram primeiro, onde todos os santos os receberam Guardaram consigo os mistérios, os encantamentos e seus saberes transcendentais. Cena 2 Água de cheiro. Banho de arruda. Axé em templo sagrado Terreiros firmados, há séculos são avistados e visitados É canto, é dança, é fundamento Ao sabor das memórias que percorreram o oceano que os separou. Vem de Jeje, Ketu, Banto e Nagô Na roça que bate o ponto Maxicongo é Bate Folha de Congo e Angola. Sejam inquices, voduns ou entidades, filhos de todos os santos Se espalham, multiplicam e renovam sua ancestralidade Desde a Casa Branca ao Gantois Entre ladeiras, encruzas e matas É o sagrado assentado e firmado, legado da nossa história. É tempo de bater cabeça, tomar a benção e se curar. Salve as mães baianas que iniciadas iaôs um dia foram Salve todas elas que abençoam toda gente com seu banho de fé. Mulheres que foram resistência e se tornaram essenciais. Matriarcas! Mães de santo! Fonte dos saberes e dos cultos! O elo na gira perfeita que no tempo se sente o que não se vê. Cena 3 Na energia que emana a vibração, o Maculelê é a batida que ressoa no tempo Tocando o passado no nascer de novos ritmos Faz surgir samba de roda no Recôncavo, reconvexo no alcance que se tem Na batida do tambor, ogãs dão o tom Capoeira é sinônimo de luta ao toque do berimbau Que encanta a quem o ouve e o vê E vai Brasil, banhado no axé de outrora Vem mostrar que o canto desta cidade também é seu. Ao saírem dos terreiros emanando todo o seu axé Blocos afro e de afoxés tomam as ruas com sua sonoridade A sacudir, a abalar, fluindo a baianidade que faz sua gira no carnaval. Num ato de resistência, em busca de sua essência Brasil sobe a ladeira do Curuzu E se põe a ecoar por toda a cidade que “a coisa mais linda de se vê é o Ilê Aiyê” No Muzenza e no Malê Debalê se renovam a negritude Como num levante a determinar seus espaços em nome da liberdade. Pelo ritmo do afoxé dos filhos da paz, Salvador ganhou as telas e os livros É festa de preto. É toque preto timbaleiro que sacode o mundo inteiro E traz cacique afro metalizado, afrofuturismo invadindo a tradição. Olodum, o quilombo dos ritmos sincopados Contam histórias que não se podia contar sobre muitos lugares Negro era rei e também divindade. Negro era o Faraó. - Eu falei, Faraó! Seu esquema mitológico ecoou nos quatro cantos do mundo Coroando com turbantes os súditos de Tutankhamon Signos mantenedores de uma ancestralidade viva! Transcendental. No Cortejo Afro, Brasil se viu representado Eis a Bahia que povo branco se rendeu... Alicerçado e fortalecido pelos que vieram primeiro Brasil, em sua “Roma Negra”, valoriza seus saberes, comungando de todas as artes Transvestido de sua história que determina tudo o que foi e o que virá Alimentando a todos com sua genuína identidade Na capital que é patrimônio ancestral e que o mundo vem conhecer Pelourinho se transforma em cartão postal Quilombo que se materializa, força que sintetiza a luta secular por liberdade. Cena 4 Vem chegando a negritude que dá a volta no mundo e vê o mundo girar. Onde o amor é sempre azul Infinito como o mar de Olokun. Esta é a terra que o canto negro tem vez e voz. Mas que continua a lutar. Sua ópera negra, entidade que fortalece um laço universal de união Fomenta a negritude cultural na cidade mais africana além de África. Nesta ópera principal, Brasil é o fruto do amor Banto é Nkosi, Oxum é Nagô Entre cantos e encantos, eles se enamoram em meio a conflitos Exu abre os caminhos e rearruma os seus propósitos Iansã faz o vento dançar pro amor acontecer A senhora do tempo ensina que destino é coisa certa, não se pode mudar. O amor que é banto se vai, a morte o encontrou A filha de Oxum que fica, lamenta sua dor Em seu canto, tal qual uma prece, sente nova vida chegar Seu filho Brasil está prestes a nascer. Sua trajetória se torna estandarte em prol da negritude No panteão negro que se reconstruiu ao longo de toda sua história Nos laços que se firmaram entre os terreiros que viraram ópera E a ópera que se tornou terreiro também!! Com o renovar de consciência ganhando forma Sendo a liberdade sua fonte de inspiração Alcança novos portos, adentrando ou rompendo outros portais Onde o povo preto é o protagonista e se mantém ancestral Para além dos que um dia foram tratados como senzala E transcende a tudo o que um dia lhe fora negado Mas que agora vem encantar o mundo Com sua arte, sua raça, seu canto e sua cor. E vai o Brasil Cantando em ária sua ancestralidade Como fruto do amor dos filhos da Antiga e da “nova” África Rememorando seu passado, na construção de um mundo melhor! Argumento: Anderclébio Macêdo Rodrigo Almeida Texto e pesquisa: Anderclébio Macêdo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMADO, Jorge. Bahia de Todos-os-Santos: guia de ruas e mistérios de Salvador/Jorge Amado: posfácio de Paloma Amado. - IªEd.-São Paulo: Companhia das Letras, 2012. BARBIERI, Renato. Atlântico Negro, na rota dos orixás. 2018. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=7m0Ifj0YfAQ >. Acesso em: 29 mar. 2024. DIAS, Guilherme Soares. Salvador é a Meca negra: todo negro precisa ir pelo menos uma vez. Carta Capital. 2018. Disponível em:< https://www.cartacapital.com.br/blogs/guia-negro/salvador- e-a-meca-negra-todo-negro-precisa-ir-pelo-menos-uma-vez/ >. Acesso em: 25 mar. De 2024 GONÇALVES, Luiza. Do Benin a Salvador: onde a herança africana se manifesta nos baianos. Jornal Correio. 2023. Disponível em:< https://www.correio24horas.com.br/minha-bahia/a-africa-e- um-corpo-que-pulsa-na-bahia-1123 >. Acesso em: 25 mar. 2024. LOPES, Nei. Dicionário escolar afro-brasileiro. São Paulo: Selo Negro Edições, 2006. MARTINS, James. Faraó 30 anos: Análise estético-histórica da canção que mudou o Carnaval. Site Bahia.ba. 17 de fev. 2017. Disponível em:< https://bahia.ba/entretenimento/farao-30-anos- analise-estetico-historica-da-cancao-que-mudou-o-carnaval/ >. Acesso em: 25 mar. 2024. SALVADOR CAPITAL AFRO. Cortejo Afro – Estéticas Ancestrais / A Revolução do Tambor. 25 ago. 2023. 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Trabalho apresentado no COPENE, Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros. Minas Gerais. 2018. SILVA JUNIOR, Carlos Francisco da. Interações atlânticas entre Salvador e Porto Novo (Costa da Mina) no século XVIII. Revista de História, São Paulo, n. 176, p. 01–41, 2017. SILVA, Vagner Gonçalves da. O terreiro e as cidades na etnografias afro-brasileiras. Revista de Antropologia. São Paulo, USP, 1993, v.36. |
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