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Adoniran (Dragões da Real - 2022) Desperta, São Paulo!
Desperta para ver sair do túmulo o filho único da canção eterna, umbigo nas quinas, torto querubim das esquinas, das cruzas e encruzas, o verso, o reverso e o verbo sentido no gerúndio. Contesta com vida e diplomacia de bar a profecia do poetinha Vinicius. Convoca os dragões e demônios do batucar miúdo, os homis tudo, caixas de fósforo e de ressonância d’uma poesia rueira – aí, sim, a sua perfeita tradução. Quais, quais, quais, quais colá. Adoniran Barbosa andarilho, candeeiro observador aceso, plantou a flor de sua arte até mesmo em viaduto. O homem que falava aquilo que as pessoas enrolam pra dizer. Vorta neste enredo como “arma penada” para outra vez balançar cadeiras na porta de casa, animar serestas, enfiar a colher de pau no caldeirão agridoce da Pauliceia. Eis os cacos ajuntados do tempo por João Rubinato – sua graça na certidão – porta-estandarte, mosaico, caleidoscópio dos causos de um século todinho e de gentes como a gente. Sua palavra traz a dona, o vendedor, o engraxate, o doutô. Desfiou a cidade mezzo linho, mezzo desalinho, Gioconda enigmática a sorrir Itália, Mooca, Casa Verde, riqueza e piolho, contraste. Tudo e tutti na rima que arranha ruído de povo. . Plac ti plac plac. Di dirim dim, di dirim dom dom.A roçadura entre a lembrança romântica do palacete assobradado de outrora e a dor doída ante a selva de pedra que se impôs. Como é que faz? Rasgou o coração, mas o dono mandou derrubá. A metrópole que mais cresce pôs concreto nos afetos. Restou a maloca no peito, saudosa e querida, dim dim donde nós passemo os dias feliz de nossa vida. Quando bate onze da manhã, pouco antes do sol a pino na moleira, o enxadão da obra que traz o progresso econômico a poucos, e o retrocesso das quimeras a tantos, descansa. Hora de almoçá a marmita na calçada. Arroz, feijão, torresmo à milanesa. A vida é dureza, João. Só que adiante um pouco, bãosis, a Lua se insinua, cicerone formosa das farras e dos amores que a noite atrai. Trabalhador também vadeia, vam s´embora camaradas.. Primeiro, o Arnesto nos convidou prum samba lá pros lados d’onde mora. Nós fumos, mas ao chegar no Brás… Não encontremos ninguém. Que baita reiva! Isto não se faz. Só que bamba que é bamba não balança, ensinou algum filósofo do copo cheio. A noite ainda criança solta as mariposas em vorta das lâmpidas malandras que dedilham o cavaquinho até a coisa isquentá. Esticam tanto a corda mi… Que, beijo em beijo, vira tudo aliança e prova de carinho. Difícil não se derreter com as frechadas do olhar, o peito parece táubua de tiro Álvaro, todo esburacado, nem tem mais onde furar. Poeta se apaixona de cruzamento em cruzamento, pede pro amor ficar mais um pouquinho, até o baile emudecer. Mas também para ele dá a hora, mora longe, o maquinista sempre entrega Jaçanã como destino. Se perder o trem que parte às onze, xiiiiii, só amanhã de manhã. A mãe nem dorme, coitada, enquanto o marmanjo não chega: o homem-menino é folião apaixonado, mas tem casa para olhar. E se o sujeito for casado? Aí só resta implorar: joga a chave, Matilde. Joga a chave, meu bem. Contam os sabidos que quando o ébrio ainda engatinhava, Pirapora de Bom Jesus se esparramou São Paulo adentro com o samba de bumbo a tiracolo. Sim, cordões caipiras forjados em cruz, curimba e raízes rurais foram o berço da fuzarca no estado. Já crescido, Adoniran viu-se um pouco em Geraldo Filme balançando o terreiro com a mão na zabumba, bebeu Dionísio Barbosa, o revolucionário folião da Barra Funda, fez ecoar o tambu de Henricão, que escreveu a glória do Bixiga e partiu levando saudades. Sambistas romeiros a encantar o espírito da Pauliceia e inspirar as fricções urbanas da obra do demônio sagrado que, ao contrariar a morte, regressa à sua Vila Esperança, aurora dos carnavais. A partir de um fevereiro em que amou Maria Rosa, a primeira colombina, sua arte foi o abrigo para tantos gênios primeiramente chamados de vagabundos. E se a metrópole teimava em crescer na carona de espigões e contradições, o couro paulistano não titubeou quando chamado ao toque. Rompidos os cordões umbilicais, viraram escolas de samba. Camisa, Vai-Vai, Peruche, Vila Maria. E o Nenê, óbvio. Sujeito pessoa física e jurídica. Cartorial forma de dedicação, ares de crônica musical de Rubinato. Sampa do matriarcado também. Sua bênção, Madrinha Eunice, fundadora da Lavapés, a pioneira. Saudades, Dona Olímpia. Saudades, Tia Zefa. Saudades todas. Mas ói nois aqui traveiz pra arrumá um batuque campineiro, de rua, de bar, de Avenida. Adonirando aqueles que encontra, o poeta ajeita o chapéu, passa o dedo no bigode fino e capricha no acento italiano para rever a sua São Paulo bem no capítulo final do espetáculo ainda inconcluso. Cruzou a fronteira e venceu o que os homens do lado de cá desconhecem porque é carnaval, delírio fantasiado de liberdade – nome de bairro e mantra. Ele brinca, faz estrelá ou chuvê, as horas vareiar, pita e dedilha até triunfar o Sol da vida real, este que entrega o adeus à escola e o tamborim respeitado ao melhor dos ritmistas. Canta, enfim, pra subir, mas deixa um recado: já fui e sou uma brasa. Se assoprarem, posso acender de novo. Será? Bem, não convém duvidar: este aí, ah, nem garoa apaga. Quaisgudum, tchau! Adoniran. Carnavalesco e enredo- Jorge Silveira Sinopse – Fábio Fabato |
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